Lisboa - Estive recentemente a ouvir a rubrica Angola Fala Só apresentada pelo jornalista da Voz da América, Costa Ribas, e pela segunda vez, acompanho as perguntas dos ouvintes, algumas do próprio jornalista e as respostas do presidente da UNITA Dr. Isaías Samakuva. Não fosse o uso abusivo e simplista do termo democracia na voz do líder do galo negro, este artigo não teria nenhum sentido, porque a iniciativa da VOA é didáctica e pedagógica.


Fonte: Club-k.net

Cidadania em fase de consciencialização

Para Isaías Samakuva, a democracia na UNITA é real porque a maioria vota numa medida e a minoria acata a decisão. Para aquele político, a democracia se encerra em eleições e em mudança. Aponta a má Governação como razão fundamental para os angolanos votarem na UNITA. Na sua opinião a UNITA tem a sensibilidade para unir Angola e dar uma nova vida com dignidade aos angolanos. Apelou, também, aos vários participantes a ajudarem-no na mobilização. Por outras palavras, votar na mudança é a realização do exercício democrático. Pois bem, aqui, inicia a diferença entre a beira da estrada e a estrada da beira. E porquê?


1. Não podemos omitir a verdade histórica do nosso país em nome de um novo paradigma. Angola não herdou do passado colonial nenhuma cultura nem instituição democrática. Nenhum dos nossos dirigentes foi educado como um intelectual democrata. Somos todos principiantes deste novo conceito de pensar, estar e fazer política.


2. Ainda hoje, nem a UNITA, nem o MPLA, nem a FNLA, os partidos tradicionais que melhor conhecemos, muito menos os novos partidos, sejam eles, Bloco Democrático, Nova Democracia e ou Partido Popular têm na sua composição e estruturação formas e critérios democráticos que possam servir de exemplo como vector deste novo paradigma que a UNITA insiste em vender aos angolanos. Destes partidos, nenhum elege os seus representantes provinciais a partir de um processo eleitoral entre os seus membros locais. São todos nomeados pelos respectivos presidentes. Logo, a base da soberania do poder deixa de estar no povo (que são os aderentes, simpatizantes e militantes) mas sim no chefe que indica quem lhe convém. O partido até poderia apoiar um candidato mas serem os membros locais a decidirem em voto secreto, podendo haver um candidato local com maior base de apoio que o candidato do partido. Este exercício real e democrático não existe em Angola.


3. A UNITA consegue ver sempre o que ninguém vê e só quando lhes dá jeito. Como é que a UNITA pode unir os angolanos quando nem os militantes do seu partido conseguem unificar dentro e fora do Angola? Como podem dar uma vida nova aos angolanos quando nem os seus ex-militares se conseguem apoiar no enquadramento e integração à vida civil? Nem os projectos que criaram como o Instituto para o Desenvolvimento e Democracia conseguiram consolidar, tendo inclusive, o apoio financeiro da UDC alemão? Como é que podem governar o País melhor que o MPLA sem terem experiência governativa?

 
4. Há-de existir quem diga Não! Temos experiência do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) ou da Jamba. Então, porquê estes quadros “patriotas” não desenvolveram as várias associações e cooperativas que os ex-militares da UNITA constituíram, ajudando-os na elaboração de projectos, (havia os fundos de reconstrução de várias fontes internacionais); hoje, estes ex-militares vivem como mendigos enquanto os ex membros do GURN da UNITA vivem tão bem como os dirigentes do MPLA. Estão todos gordos, bonitos, bochechudos, já casaram e descasaram! Afinal qual é a diferença? A UNITA, inclusive, alistou quadros civis, administrativos e expatriados como oficiais superiores, para receberem as reformas com retroactivos pelas FAA como se fossem militares activos em detrimento daqueles que realmente combateram e palmilharam o País! Onde está a seriedade e a moral destes homens?


5. A diferença está na dívida que a UNITA tem com os seus apaniguados, com todos aqueles que acreditaram que o ponto de partida era a Jamba e o ponto de chegada era Luanda. Que podiam partir tudo porque depois iriam construir tudo de novo. Que podiam destruir tudo porque depois iriam fazer tudo de novo. E, com o povo angolano. Enquanto o MPLA está em divida com o povo porque sempre disse que o MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA. Este povo hoje tem o direito de receber o que os outros já têm.


6. Mas, o novo paradigma está a ser construído. É uma conquista de todos. É fruto do contexto internacional (fim da guerra fria), não houve guerra na Alemanha para o muro cair e haver a reunificação, da mesma maneira que não houve guerra em São Tomé e Cabo verde para o multipartidarismo acontecer, nem houve guerra na União Soviética para a Lituânia, Estónia, entre outros estados, serem países independentes, logo não foi a UNITA que impôs o Multipartidarismo em Angola. Sejamos honestos connosco para não cimentar mais mentiras na futura geração de angolanos.


7. A democracia está a ser consolidada todos os dias, passo a passo, o Angola Fala Só é real, a vontade dos angolanos falarem, manifestarem, opinarem, muitas vezes insultuosamente, pouco importa, é um ganho real, o tribunal de contas já aponta nomes, é um facto real, a lei de probidade foi aprovada é outra realidade, o comandante Quim Ribeiro está preso, quem diria, é um facto real. Mas o povo quer mais. Os activistas também, os jornalistas idem…Mas um Estado, as suas instituições, a autoridade do próprio Estado não se consolida em dois, três, quatro ou cinco mandatos, sobretudo, um Estado como o nosso que saiu de uma guerra atroz que proporcionou todos os maus hábitos que uma guerra alimenta. Este é o paradigma.


8. Tudo a seu tempo. Angola ainda é um bebé e frágil. Quantos homens da UNITA, o capitão, o soldado, o sargento, o tenente não sentem que viviam melhor quando estavam em guerra do que hoje em paz? Bastava ter uma coluna ou um quimbo ou aldeia para ir buscar comida, mulher, prazer e nem renda tinham para se preocupar em pagar. O preço era a morte. E hoje? O contrário dirá seguramente, o Manuvakola, o general Gato, o Dr. Abel, o general Numa, o brigadeiro Chitombe, o Maluka, entre outros e porquê?


É verdade que em democracia a soberania reside no povo. E povo, através do voto elege os seus representantes como governantes. Porém, o regime político democrático consolida-se com o desenvolvimento de uma cultura de diálogo permanente entre governantes e governados. Esta cultura está ainda numa fase incipiente.


A cidadania está em fase de consciencialização. O povo está a aprender a ser cidadão. Não podemos queimar etapas, para não repetirmos os erros do passado que levou Angola a um conflito entre angolanos. Ainda temos uma sociedade assimétrica onde os partidos se fortalecem com os movimentos populares. E não pela força das suas políticas junto dos eleitores. Os eleitores são os cidadãos conscientes dos seus direitos, das suas exigências e votam, regra geral, em projectos de governação. Na nossa “democracia” são os movimentos populares, os militantes, simpatizantes e os aderentes que dão as maiorias e se necessário for esbofeteiam os outros.