Lisboa - Íntegra do texto do jornalista Xavier de Figueiredo publicado por ocasião do assassinato  de Ricardo de Mello, na edição No nr 340, de 19 de Janeiro de 1995, da extinta newsletter, África Focus (AF), publicada em Portugal.
 

Fonte: África Focus

In Memória

Hoje de manhã, cedo ainda, quando me deram de Luanda a notícia do brutal assassinato de Ricardo de Mello, dei comigo a congeminar que o tempo tinha acabado desafortunadamente de me dar razão. O meu relacionamento pessoal e profissional com Ricardo de Mello remontava de há muito; mas tornou-se muito estreito desde há cerca de um ano quando ele lançou o "Imparcial Fax" - aqui amiúde citado ou retomado, tal como ele fazia com o AF.


Ainda ontem à tarde me tinha telefonado, entre outras razões para me levar a aprontar um artigo (inacabado) que queria publicar no primeiro número de uma revista, "A Palavra", que se estava a preparar para lançar.

 

O trabalho de Ricardo de Mello à frente do "Imparcial Fax", que é a sua trajectória profissional que mais conta agora, foi corajoso, mesmo até temerário, ficando-me apenas por atributos com que intencionalmente quero valorizar um dos aspectos mais notórios da sua publicação. Fui conhecendo muitas das limitações com que trabalhava; das intimidações e das obstruções de toda a ordem a que tinha de fazer face.

 

Sabia dos telefonemas anónimos, das ameaças e das convocatórias policiais. De vez em quando, levado instintivamente por receios quanto à sua segurança e por uma solidariedade que entendia dever-lhe, advertia-o para os riscos em que eventualmente estava a incorrer.


Afrontar tantos e tão poderosos interesses instalados; desmistificar, como ele fazia, as "vacas sagradas" de um regime que em boa verdade nunca deixou de ser totalitário e policial, haveria um dia de implicar castigo. Aconteceu esta madrugada, da única forma trágica que o regime (e os seus sinistros tentáculos), continua a conhecer para calar vozes incómodas. Como a de Ricardo de Mello.
 
Xavier de Figueiredo