Luanda - A bajulação é a junção de pelo menos duas peças substantivas: a língua exagerada e a ganância. A mais saborosa bajulação rega-se depois com uma pitada de intriga para prejudicar o próximo e conquistar a simpatia do chefe. Os maiores bajuladores, estes pequenos monstros da intelectualidade que fazem do poder da língua uma fonte de riqueza e um instrumento para a ascenção social, são também produto da existência de debilidades no campo da estruturação ética, cultural e sociológica da sociedade, conjugada com a ausência de alternâncias do poder.


Fonte: SA


As sociedades com ciclos de liderança ininterruptos e previsivelmente longos, transformam-se irremediavelmente em boas potências de bajuladores, pois os reproduz em grande escala. Só a caminhada cíclica de períodos de alternância do poder, na condição em que a sociedade se vê agraciada pela renovação através da mudança periódica de lideres e de lideranças organizacionais, pode constituir uma solução duradoira para o aniquilamento do fenómeno da bajulação.


Os bajuladores de um dado país ficam órfãos quando se processam as alternâncias, e são obrigados a trabalhar para ganharem a vida honestamente.

 

Ao se modificarem as condições de liderança e ao libertarmos os cidadãos desta malígna prisão do serventilismo imposto pelas regras da promoção e da ascenção através do exercício do culto da personalidade, do endeusamento, dos elogios exagerados, em suma, da bajulação, hão-de se destacar o mérito pessoal, a competência e o profissionalismo como valores mais relevantes no reconhecimento do prestígio do cidadão. Cada elemento da sociedade saberá então que a sua vida e o sucesso pessoal repousam no trabalho, na dedicação e nos sacrifícios que há de consentir na sua luta diária e abnegada pela conquista da vida.


Os cidadãos precisam de acreditar nas suas próprias forças para se tornarem livres e construirem o seu futuro e o de suas famílias. Se assim não for, enraizar-se-á na sociedade uma cultura, subtilmente institucionalizada, de bajulação. Esta realidade pode ser vista como violadora dos direitos humanos, pois fomentar o surgimento de bajuladores num dado país, é, sem dúvida, um crime moral condenável, como aliás já nos referimos anteriormente.


Enquanto a qualidade de vida do cidadão depender do nível da bajulação que pratica, muito dificilmente o progresso social e o progresso técnico-científico e económico encontrarão lugar neste espaço territorial maleficamente infectado. Esta fragilidade, que afectará o desenvolvimento necessariamente, pode ser esbatida definitivamente como vimos, mas através de processos de alternância.

 

O país precisa de empreender acções culturais e de consciencialização permanentes para que todos os cidadãos se apercebam de que a sua promoção social e a sua vida apenas poderão melhorar com o trabalho limpo e honesto; com a formação e a experiência profissional; com a melhoria do seu desempenho no local de trabalho, na fábrica ou na escola. Assim o país será transformado numa excelente arena de competividade e plataforma estimulante para uma verdadeira emulação de cérebros, sobretudo em relação à juventude, que se empenhará mais na preparação do seu futuro.


Portanto, podemos concluir que um factor destrutivo do poder do bajulador reside exactamente na capacidade de poder adulterar as regras da promoção, da valorização e do reconhecimento das capacidades dos cidadãos.


O facto de que alguém se propõe a retirar proveito da subserviência e do serventilismo (lambe-botas é um termo que assenta em cheio no caso) em busca de vantagens fraudulentas com que depois se acomodará na sociedade, para colmatar seus desejos egoístas de fama, longevidade no posto, conforto e riqueza, denota a fraca pressão da sociedade sobre o oportunismo e a injustiça social. Cabe pois à sociedade fazer a sua parte. E a cada um de nós, partícipe e actor activo nesse difícil combate.

 

Nessa contenda entre os bajuladores e a sociedade - que quer crescer na paz, na justiça social e na democracia - cruza-nos pelo caminho a falência dos processos democráticos, a sua lentidão excessiva ou mesmo a sua ausência. Acontece, porém, que a inexistência de verdadeiros processos democráticos permite o acomodamento e a longevidade exagerada dos líderes e das organizações políticas, o que concorre para a estagnação e a arrogância. Para evitarmos o desarranjo, os mandatos que regulam o tempo não devem ser exageradamente sucessivos, sob risco de aqueles que vivem da bajulação prepararem as suas acomodações e as suas cadeiras para anos sucessivos, com folgada antecipação e conforto. Ao saberem que mais mandatos virão para os próximos anos, até cairem de velhos, os bajuladores preparam-se com grande eficácia para se manterem calcinados no comando e olham para a vida como o mundo das maiores facilidades, sem a preocupação de se superarem e conquistarem o céu com justiça. Pelo contrário, o bajulador nato tem como marca o defeito do comodismo, da vaidade e da arrogância, geralmente acrescentando a elas actos de intriga e de combate desleal para prejudicar o próximo a coberto da alegada defesa do líder ou da organização.

 
Paralelamente à alternância que deve ser o motor da regulação do exercício do poder, os líderes podem também contribuir para o aniquilamento do fenómeno bajulador. Ao levarem a sério o fenómeno, os líderes podem recusar, com hombridade e verticalidade, quaisquer actos individualistas de aproveitamento ou de serventilismo a seu favor, pautando a sua conduta por valores da humildade e honestidade intelectual. Não se trata de tarefa fácil para aqueles que pretendem se perpetuar no poder, mas o será inevitavelmente para aqueles que regulam as suas vidas pela regra dos mandatos limitados.


Os líderes que se organizam com base na limitação de mandatos não precisam de bajuladores para os defender da longevidade no poder. Este é também um caminho que pode ser seguido pelo nosso país: quando os cidadãos entenderem que finalmente os mandatos são limitados, compreenderão melhor por que razão não devemos bajular nem vender a nossa própria consciência a troco de acomodações ou riqueza por via da desonestidade.


Quando o mérito pessoal prevalecer sobre o jogo das influências, vencer a intriga e derrotar os bajuladores famintos de poder individualista, compreenderemos melhor por que razão não nos devemos vender ao ridículo para agradar e garantir a nossa ascenção empolgados aos favores do chefe.


Todavia, a conjuntura sócio-política do nosso país mostra que não basta almejar a alternância e declará-la parte integrante da democraticidade do sistema. As forças políticas que configuram a única reserva da sociedade, para a materialização das eventuais alternâncias, precisam de estar preparadas, e os resultados das alternâncias precisam de ser sempre vantajosos para evitarmos o regredimento e o atraso na corrida pelo desenvolvimento.


Os bajuladores só serão vencidos com alternâncias que nos conduzam a mudanças progressivistas, pois de nada valeria a mudança do rótulo sem melhorias na qualidade do produto. Ao que me parece, nesse aspecto ainda muito há que esperar, infelizmente, pelas razões objectivas e subjectivas em causa. Resta-nos então tomar como prioritário o combate à ba¬julação pela via da denúncia e das formas astutas da sua manifesta¬ção.


Por vezes, analistas e até cidadãos anónimos mostram-se indignados com determinados responsáveis, dirigentes ou políticos que são injustamente catalogados como bajuladores. Alguns nomes têm sido divulgados até pelas redes sociais. Nem todos o são!