Luanda - Portugal celebra, a 25 de Abril de 2024, o cinquentenário da «Revolução dos cravos», que pôs termo ao regime dito fascista de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano. O Povo Português regozija-se e festeja a data com pompa, em triunfo; uma boa parte do mundo congratula-se com Portugal e junta-se à celebração, enquanto Cabinda acompanha a situação sem interesse, mas com muita atenção também e uma viva inquietação.

Fonte: Club-k.net

Está de parabéns o Povo Português, porque, a menos que se acredite na existência duma maioria silenciosa ou silenciada, há um consenso geral (apesar de haver alguns críticos – opositores lúcidos e convictos ou saudosistas do passado) de que a Revolução dos cravos abriu a Portugal as portas do futuro e pôs o país nos carris da liberdade, da democracia e do progresso social e cultural.


Mas é claro que o Povo de Cabinda não pode repetir esse discurso laudatório nem fazer a mesma análise.


É verdade que, também para ele, à semelhança de todos os povos então sob administração portuguesa, a situação que se vivia era de injustiças gritantes e omnipresentes; de dominação absoluta, sobranceira e excessiva; de exploração abusiva, impiedosa e criminosa; não obstante, mantinha a alegria de viver; permitia um modus vivendi que não sufocava totalmente as pessoas nem as impedia de sonhar: não matou nem abalou a esperança, antes a incentivava e animava (curiosamente)!


Para Cabinda, o 25 de Abril e - sobretudo – a ordem que dele emanou, é dominado pela traição portuguesa (o conluio que uniu Portugal e Angola numa aliança contra Cabinda e o legado do tratado de Simulambuco) condenando-a a uma apagada e vil tristeza: uma colonização real, mas negada, à semelhança daquela que vigorou com Portugal (que não reconhecia a sua natureza e essência colonialistas); um genocídio oculto, mas inegável, consubstanciado nos massacres generalizados, - a forma mais cega e mais sádica das represálias; as prisões arbitrárias, massivas e banalizadas tidas como oportunidades e formas de reeducação e de recuperação; os fuzilamentos públicos organizados em atmosfera de festivais e de celebrações jubilosas, as execuções sumárias, feitas às ocultas, mas à vista de todos os aldeãos, e os desaparecimentos involuntários; os desterros ou degredos decididos administrativamente, de maneira arbitrária, sem apelo nem agravo, destinados a deixar a terra de Cabinda livre dos seus habitantes genuínos e pronta a ser ocupada e habitada por outros!


Esta é a imagem que o Povo de Cabinda tem das conquistas de Abril! Não foi libertação, foi a condenação a uma crua e amarga tirania, que encerrou os Cabindas na indignidade e na infâmia, no ostracismo e na maldição, reduzindo-os à condição de párias; o fim das liberdades, a (tentativa de) imposição de uma nova identidade; de novas ideologias (totalitárias e, necessariamente, intolerantes); de uma agenda que reduz Cabinda à situação de mera provedora dos recursos financeiros (essencialmente produzidos pela exploração petrolífera e florestal, a que se junta agora a extracção do ouro, de outros minérios não identificados e dos fosfatos). Essa exploração intensiva e acelerada provoca a destruição acentuada e inexorável - através da poluição e da política de saqueo - dos recursos biológicos marinhos, florestais e hídricos, ou seja, da biodiversidade!


Sim, o 25 de Abril conduziu ao 02 de Novembro de 1974, este ao 10 de Janeiro de 1975, e este, ppor sua vez, ao 11 de Novembro de 1975, que consubstancia – para Cabinda – a solução final! Os nossos caminhos de Cabinda e de Portugal divergiram a partir de então! Aquela foi empurrada ao abismo, este subiu às alturas!


Se, a princípio, alguns pensaram que a postura portuguesa era apenas um desvio momentâneo, uma manifestação da euforia revolucionária e dos desajustes que ela necessariamente produz, nos seus primórdios, a sua constância e firmeza inabaláveis que ao longo de 50 anos não provocaram nenhum arrependimento, nenhum recuo ou tentativa de rectificação, nenhum remorso, mostram que a entrega de Cabinda a Angola, por Portugal, como uma espécie de dote, foi um acto sinistro, mas voluntário, ou mesmo voluntarioso, pensado e meditado, bem pesado e bem medido, decidido fria, lúcida e conscientemente!


Aliás, a aliança subjacente a essa traição (que liquidou aquilo a que se chamava de amizade luso-cabinda e fez dos Cabindas servos da gleba do petróleo e da hegemonia comunista angolana), negociada e selada com o MPLA, em proveito das élites de ambas as partes, torna os governos (e governantes) portugueses subservientes para com Angola (de acordo com o Dr. Mário Soares) e faz de Portugal um dos principais beneficiários da desgraça dos Cabindas: baseia-se essencialmente em interesses económicos, estando há muito ultrapassados os ideológicos! Diz-se que Portugal continua a receber as suas trinta moedas de prata, em parte, através da associação do bloco 14!


Mas, se é verdade que a aliança Portugal/Angola colocou os Cabindas nas antípodas da dinâmica, das prioridades e das acções da comunidade internacional - que foi arregimentada e instrumentalizada contra aqueles, ao desvirtuar o seu nacionalismo, negar e destruir a sua personalidade, despojando-os de tudo: da sua identidade, dos seus direitos (em especial o direito à autodeterminação) e dos seus recursos, diabolizando-os e desacreditando-os, humilhando-os, desprezando-os e ridicularizando-os; também é verdade que os condenou a uma morte lenta, mas certa e inevitável, - pela fome, doença e pobreza, pelas injustiças, desigualdades e violências de todo o género!


São tidos como rebeldes e perturbadores da ordem e da segurança internacionais, tratados como secessionistas que não merecem nem reconhecimento nem solidariedade, nem compaixão nem consideração da comunidade internacional.


Passados 50 anos, Portugal mantém a postura sinistra e funesta adoptada em 1974 contra os Cabindas: espalha e deixa espalhar os boatos, as mentiras e as calúnias; não admite nem culpa, nem erro; obstina-se, cega, arrogante e sobranceiramente a negar aos Cabindas o que exigem, merecem e não lhes pode ser negado continuamente. Nem sequer admite a possibilidade de repor a verdade dos factos, de defender e promover a justiça e de testemunhar em prol das suas vítimas e em prol da verdade!

Foram necessários apenas 14 anos de guerra colonial para Portugal reconhecer a verdade e se predispor a fazer a paz e a justiça! Mas 50 anos de violência aberta e quase ininterrupta em Cabinda, com massacres, injustiças, arbitrariedades, miséria, pobreza imposta e controlada, doenças e fome não são suficientes a Portugal para admitir que se enganou acerca de Cabinda e se tornou verdugo dum Povo cujo único erro e mal de que se reconhece culpado (e do qual se arrepende amarga e sinceramente) foi o de confiar em Portugal e acolher-se à sua protecção!


Sombrios desígnios de grandeza e poderio; uma ambição desmedida e exacerbada, aliada a uma mente criminosa e um espírito mesquinho e vingativo fizeram de Cabinda uma órfã e enjeitada por aqueles que julgava serem seus (a Comunidade Internacional), que a entregaram a uma madrasta cruel e malvada, mercenária e desalmada, corrupta e insensata, que parece ter recebido um mandato deles para a atormentar, perverter e aniquilar. Mas, não obstante todos os males que lhe advieram, Cabinda resiste há 50 anos! Não se rendeu, nem se renderá! Não se calou, nem se calará! Continuará a resisitir, com ou sem irritantes; com ou sem apoios!


Mas agora, felizmente, chegou o Jubileu (Lev., 25, 8 e ss.). Cabinda levanta-se e proclama enérgica, solene e irrevogavelmente, perante Deus, Criador e Senhor de tudo e de todos, e o Mundo ONU, UA, EU/UE, OEA, G20, BRICs, LIGA ÁRABE, ASEAN) a sua Libertação, a cessação total e definitiva da Ocupação, da Dominação e da Exploração estrangeiras que lhe foram impostas injusta, abusiva e criminosamente na sequência do 25 de Abril de 1974, cujo Jubileu Portugal celebra com os seus amigos, aliados e parceiros (com destaque para Angola), e cuja festividade determina e legitima, aos olhos de Deus e da Comunidade Internacional, a libertação de Cabinda!


Cabinda, 24 de Abril de 2024.

GR - Pela Paz, Justiça e Liberdade