Luanda - O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco assumiu-se hoje surpreendido com a "coragem" do novo Presidente da República, afirmando que as decisões conhecidas visam "criar um mínimo de governabilidade", num poder "atrelado aos pilares de uma casa de família".

Fonte: Lusa

A posição do histórico militante do MPLA, forte crítico da governação de 38 anos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, surge num artigo divulgado pelo próprio nas redes sociais, a propósito de rumores sobre a sua indicação, por parte de João Lourenço, para Procurador-Geral da República, e as reações que essa possibilidade tem recebido, nomeadamente de alguns elementos do partido no poder.

"Sem pretender fazer aqui um editorial em defesa de João Lourenço, é na mesma linha escolástica que se pretende hoje interpretar alguns dos seus atos que, quanto a mim não passam de ações para criar um mínimo de governabilidade, num país que lhe caiu nas mãos completamente atrelado aos pilares de uma casa de família que, até ao último dia, não deixou de puxar todas as brasas para as suas únicas sardinhas. É isso ódio ou vingança", questionou.

Desde que tomou posse, em 26 de setembro, na sequência das eleições gerais angolanas de 23 de agosto, João Lourenço procedeu a exonerações de várias administrações de empresas estatais, dos setores de diamantes, minerais, petróleos, comunicação social, banca comercial pública e Banco Nacional de Angola, anteriormente nomeadas por José Eduardo dos Santos.

A exoneração de Isabel dos Santos, filha do ex-chefe de Estado, do cargo de presidente do Conselho de Administração da petrolífera estatal Sonangol, aconteceu na quarta-feira passada e foi a decisão mais mediática, seguindo-se a polícia e as chefias militares.

"É verdade que João Lourenço me surpreende pela coragem e rapidez; mas surpreso andei eu todos estes anos a ver um país a ser montado a volta de uma família única, quando só se ouviam louvores de tribunas e painéis de entidades notáveis", critica ainda o advogado, que entre 1992 e 1996 foi primeiro-ministro de Angola, na Presidência de José Eduardo dos Santos.

Sobre a nomeação para Procurador-Geral da República, noticiada há dias como possibilidade pelo Jornal de Angola, apesar de não ser magistrado, e que o próprio afirma "poderá não passar de um boato-desejo", Marcolino Moco aponta "um avultado número de concidadãos ansiosos em festejar um evento que poderá não acontecer", por entre outros que "lá aparecem" para criticar.

"Os `licenciados` na universidade do ódio e da vingança, com frases como esta: 0cuidado, este homem foi muito humilhado no tempo da `outra senhora`; se for agora nomeado para esse cargo vai ser o fim do mundo; a proclamação final da soltura de todos os caçadores de bruxas`. São frases chocantes referidas a quem, como eu, e com alguma coragem, andou cerca de duas décadas a "pregar" o método pacífico de se fazer uma transição sem caça às bruxas", disse Marcolino Moco.

O antigo primeiro-ministro angolano admitiu em entrevista à Lusa, em agosto último, antes das eleições gerais, que mantinha conversas com vista a uma aproximação ao então cabeça-de-lista do MPLA, João Lourenço, depois de ter estado na tribuna do comício de encerramento da campanha eleitoral, em Luanda, onde também esteve José Eduardo dos Santos.

"Não posso atestar que o partido está a mudar. O que estou a fazer é para que amanhã seja acusado de que me abriram a janela e eu não aceitei, é só isso. Nesta altura dou o benefício da dúvida ao candidato do partido", afirmou, na ocasião.

Questionado pela Lusa sobre se admite voltar a trabalhar diretamente com o MPLA, e com João Lourenço, num cenário de renovação da governação de Angola, Marcolino Moco não afastou a possibilidade: "Responder liminarmente a essa pergunta não posso. Haverá certamente aproximações, mais conversas. Ele felizmente garantiu-me essa abertura, a iniciativa foi dele, não foi minha. E, das conversas que tivemos, se ninguém as interromper, nós podermos chegar a uma saída, a uma conclusão".