Luanda - INTRODUÇÃO: Quem viveu os acontecimentos do 27 de Maio e não aceita falar dele , é o mesmo para mim como se estivesse á cuspir na sua própria historia e estar de acordo que aqueles dias que vivemos mergulhados no sangre caiam na escuridão do esquecimento.

Fonte: Club-k.net

Com a nossa reflexão hoje dia 27 de Maio sobre aqueles acontecimentos , nós todos que sofremos e ainda tempos voz , temos sim a obrigação de fazer sangrar algumas feridas nossas jamais cicatrizadas para honrarmos os nomes daquelas muitas centenas de pessoas que foram caladas para sempre.

Vamos refletir para que se deixe de optar pelo autoritarismo , pela lei da força ( trungungo ) pois ele só fomenta o lado escuro das nossas vidas , o medo , a mesquinhez , a mediocridade , a mentira , a hostilidade , as vinganças , os ajustes de contas e o isolamento pela desconfiança entre angolanos irmãos da mesma terra.

MORREM UM DIA SEM CONTAR NADA ?

Tenho medo sim que eles um dia morrem já que a morte é a única certeza que temos , como vitimas também daquele acontecimento sem dizer nada do que passaram e viram com os seus próprios olhos na cadeia .

Para um povo e país como o nosso já pobre sem si , sem bibliotecas , sem livros e com tantos factos ate históricos manipulados por maldade política , ser muito triste para os nossos jovens famintos e curiosos em saber as verdades sobre o 27 de Maio de 1977.

Pois , sempre que morre alguém que esteve detido nos acontecimentos do dia 27 de Maio sem antes ter contado nada , é o mesmo como se decretasse uma espécie de castigo aos nossos jovens lhes condenando á não saberem nada do que se passou na realidade naquele dia.

.Somos hoje um país de maioria jovem muito curiosa , interessada , com fome permanente em saber ate ao mais pequeno pormenor tudo que aconteceu no dia 27 de Maio de 1977, vocês não imaginam quantos jovens me escrevem por semana me aconselhando á escrever um livro o mais rápido possível sobre aquele acontecimento.

Tenho medo sim , que tudo que eles memorizaram se perde e não haja transmissão para estes jovens de hoje e gerações vindouras num país onde não há quase nenhuma forma de registos para preservação de documentos , antes pelo contrários raramente até não se queimam por ordens superiores para salvar nomes de criminosos glorificados e seus crimes.

Muito embora nenhum deles deve ser obrigado á fazer daquilo que viveram nas cadeias um livro aberto como eu e outros fizemos , mas quando o que está em causa são as paginas mais sangrentas da história de um povo , aceitar levar mesmo tudo consigo para o caixão como já fez muita gente , se calhar porque nunca acreditaram que um dia iriam morrer não é um ato de covardia e antipatriotismo ?

ARAGÃO , AMBRÓSIO LEMOS E BRITO JÚNIOR

Alguma vez tinha que falar deles , pois o que está em causa não é aquilo que eles são hoje no governo ou foram , mas sim a verdade histórica dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977 .

E como pessoas que foram meus companheiros de cela ( F ) na cadeia de S.Paulo e depois campo de concentração do Tari na kibala não estaria a fazer justiça se não os mencionasse.

BRITO JÚNIOR

O mais velho Mateus Morais de Brito Júnior de quem eu já lia antes as suas cronicas eletrizantes carregadas de verdades que muitos não se arriscariam á escrever no tão famoso " Angolense " de que foi ele mesmo o fundador e primeiro redator principal , só conheci pessoalmente ao longo da viagem de Luanda á Kibala vindo da casa CR / Casa da reclusão onde esteve detido e não na cadeia de S.Paulo como no caso dos outros dois..

Já na Kibala entre mim e o mais velho Brito Júnior se forjou uma relação de betão , muito especial que se foi consolidando e fortificando ao longo dos anos que mesmo depois da cadeia quando deu em ministro e deputado pelo seu seu querido e sempre ( MPLA ) não mudou nada.

Ele já é daquelas pessoas com quem eu ate mesmo no silencio me comunico , reservei uma crónica exclusivamente sobre ele , também para lhe agradecer pela a atenção , compreensão e forças que sempre me deu com as suas palavras que eram para mim autenticas e verdadeiras lições da vida.

No Tari já parecia meu pai , meu irmão mais velho , a luz que me iluminava o meu caminho e o travão na hora dos meus xinguilamentos sem papas na lingua contra as chefias do campo que me custaram quase ate mesmo a própria vida.

MANUEL ARAGÃO , AMBRÓSIO LEMOS E MATEUS MORAIS DE BRITO JÚNIOR

Estes três mais velhos como pessoas que passaram por minha vida num momento de transcendente importância histórica , cada um deles deixou as suas marcas , e eu mesmo é que decidi ficar com as boas lembranças ate porque não me recordo alguma vez ter notado uma atitude ruim de nenhum deles contra mim ou contra qualquer outro detido.

Claro que orgulho-me em os ter conhecido e convivido com eles mesmo apesar de ter sido no momento mais brutal , horrível e cruel da historia da minha vida , assim como também me orgulho do nosso passado onde cada um dava á sua mão ao outro .

O triste é hoje não construirmos o futuro com muito amor e atenção uns nos outros.

ARAGÃO / NA CADEIA DE S.PAULO

Era bom de bola , na hora do sol corria como um leão , embora magrito tinha boas fintas de corpo , joguei sempre na equipa dele , pois grande parte das partidas eram celas contra celas ou seja caserna . Também gostava de leituras o que sempre soube é que tinha sido estudante de economia .

AMBRÓSIO LEMOS / NA CADEIA

Era um mais velho já batido , já tinha sido policia no tempo colonial , morou no meu bairro nas Cs , mataram-lhe também um irmão nos acontecimentos do 27 de Maio e estava na cela com mais um cunhado o mais velho Vieira nem sei se ainda vive.

Era um mais velho que vivia a sua vida e deixava cada um viver a sua , simpático na altura , sorria com os pulmões , no campo do Tari na Kibala joguei na equipa dele ( Primeiro de Maio ? ) era uma espécie de presidente da equipa ) , fui o ponta de lance daqueles que nunca se lesionava tipo galinha rija .

Também teve iniciativas como alfabetização de presos analfabetos e semi - analfabetos , de política não se fala e foi melhor assim , numa fase em que alguns já caminhavam como bois proibidos de olharem para esquerda ou para direita porque á frente é que interessava porque estava o MPLA que tanto garantia soltura como fuzilamento ou enquadramento nas fileiras dos seus serviços de bufaria nacional.

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Fernando Vumby