Brasil - A Corte Suprema do Chile decidiu, por quatro votos a um, que os bens e aplicações financeiras que eram mantidos em contas secretas nos EUA pelo ditador Augusto Pinochet devem ser devolvidos aos cofres públicos do país sul-americano.

*João Paulo Charleaux
Fonte: NexoJornal

A decisão, tomada em sessões realizadas nos dias 19 e 20 de junho, em Santiago, diz respeito a valores que, de acordo com a Justiça, foram desviados ilegalmente por Pinochet e por pessoas ligadas a ele ao longo do tempo em que o general comandou uma das ditaduras militares mais violentas da América Latina, entre os anos 1973 e 1990.

 

Pinochet morreu em dezembro de 2006, aos 91 anos. A decisão – contra a qual não cabe recurso – trata da devolução de US$ 13 milhões. Porém, de acordo com o jornal chileno La Tercera, uma equipe técnica ainda trabalha para determinar com precisão quanto do patrimônio da família Pinochet está ligado a desvios ilícitos, o que inclui aplicações financeiras num total de mais de US$ 21 milhões, além de 24 propriedades e 3 veículos.

 

125 Era o número de contas bancárias secretas ligadas a Pinochet nos EUA US$ 6,5 milhões É a quantia desviada por Pinochet e por seus assessores de forma ilícita no Chile, segundo a Justiça US$ 21 milhões É o valor final encontrado nas contas secretas que Pinochet mantinha no Banco Riggs de Washington, o que inclui dinheiro de desvios e de outras fontes 14 anos Foi o tempo que levou a investigação sobre as contas secretas do ditador Como o caso foi descoberto Com o atentado às torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, e a posterior “guerra ao terror” declarada pelo então presidente americano George W. Bush, o governo dos EUA aprovou o Ato Patriótico, que permitiu a quebra indiscriminada de sigilos pessoais.

 

A ideia do governo americano era, à época, descobrir fontes de financiamento ilegal que tivessem conexões com os autores do atentado, ligados à rede terrorista Al-Qaeda.

 

Entre os sigilos bancários quebrados e investigados, as autoridades americanas se depararam, por acaso, com as contas secretas de Augusto Pinochet no Banco Riggs, instituição financeira com sede em Washington, para onde o general direcionou, segundo autoridades chilenas, verba pública desviada ao longo de sua administração.

 

Os senadores descobriram que o banco ajudou Pinochet, por meio de paraísos fiscais e contas falsas, a esconder o dinheiro ao longo dos anos. Em 2005, a instituição foi comprada pelo PNC Financial Services. O caso veio à tona em publicação do jornal The Washington Post em 2004.

 

Naquele mesmo ano, foi aberto um processo judicial no Chile contra Pinochet e outros seis militares de seu governo envolvidos em suspeitas de corrupção. O banco já havia pagado uma multa de US$ 25 milhões ao governo dos EUA alguns meses antes por suas insistentes tentativas em descumprir marcos regulatórios contra a lavagem de dinheiro. Na decisão anterior, vitória de Pinochet Em 2015, um juiz chileno de primeira instância havia determinado a devolução desse dinheiro aos cofres públicos.

 

Porém, em junho de 2017, a Corte de Apelações de Santiago reverteu a decisão, em segunda instância. A tese da Corte de Apelações era de que estavam comprovados os desvios, mas, com Pinochet morto 11 anos antes, não havia pena a ser cumprida.

 

Os juízes argumentaram que as penas são pessoais e intransferíveis e, por essa razão, não podem gerar prejuízos para terceiros. Ou seja, o dinheiro poderia ir para o bolso da família do ditador. A procuradoria recorreu à última instância insistindo na tese de que os crimes não estavam prescritos, uma vez que a ocultação dos bens estava em andamento até a data em que o dinheiro foi descoberto pela Justiça chilena, em 2004, o que caracteriza um “crime continuado”.

 

Caso extrapola delito financeiro O “Caso Riggs” tem significados que vão muito além da mera corrupção. No Chile, a descoberta dessas contas secretas reverteram uma crença comum entre os defensores de Pinochet de que o general era incorruptível, embora pudesse ser acusado de envolvimento em “excessos”.

 

Esses “excessos” estão quantificados. Eles tiveram início no dia 11 de setembro de 1973, com um golpe de Estado deflagrado com um bombardeio aéreo ao Palacio de La Moneda, sede do Executivo chileno, de onde governava o presidente socialista Salvador Allende, eleito democraticamente três anos antes, e se estenderam ao longo dos 17 anos de duração da ditadura Pinochet, que deixaria um rastro de mais de 3.000 mortos e desaparecidos no país.

 

O general sofreu diversas condenações depois que deixou a presidência, tanto na Justiça chilena quanto em outros países, porém, nunca chegou a ser preso, por causa da idade avançada e dos problemas de saúde.

ESTAVA ERRADO:

A primeira versão deste texto informava que o general Augusto Pinochet cumpria prisão domiciliar em Londres em 2004. Na verdade, ele cumpriu prisão domiciliar em Londres entre outubro de 1998 e março de 2000, quando então retornou a Santiago. A informação foi corrigida às 19h02 do dia 26 de junho de 2018.