Luanda -  A aldeia de Luangu situada a cerca de seis quilometros da vila portuária de Matadi, província do Baixo Kongo, na República Democrática do Kongo (RDC) foi um dos maiores centros de acolhimento dos refugiados angolanos durante a guerra pela libertação de Angola que teve lugar de 1961 a 1975.


Fonte: Angolense


Os primeiros refugiados angolanos começaram a chegar no inicio dos anos 60, mas antes a aldeia já albergavam angolanos que fugiram o regime de contratado e de palmatória implementado pelos colonos portugueses em Angola.

 

A posição geográfica desta aldeia era considerada favorável pelos angolanos, pois situa-se junto a fronteira de Angola, no actual município do Noki, com a RDC. Do lado de Angola, Luangu é vizinha das aldeias de Kinguvu e Fuansi. Alem de Luangu, duas outras aldeias congolesas encontram-se ao longo da fronteira com o Noki, nomeadamente Luadi e Nsoyo-village.


As três aldeias, mais a de Kinzau, fervilhavam de gente, maioritariamente angolana que acabou de fugir as amarguras do colonialismo português e a guerra pela libertação nacional de Angola.

 

Luangu não tinha infra-estruturas básicas como escola, posto de saúde, canalização de água potável nem luz eléctrica. Era uma aldeia autêntica e primitiva. As casas com tecto de chapas de zinco eram contadas com os dedos de uma mão e pertenciam na sua maioria os congoleses nativos ou autóctones, donos da terra “asinsi ou bisinsi” em língua kikongo.  Os habitantes do Luangu buscavam a água nos rios Mpaku, Nsosoma e Muila.
Os alunos estudavam em Matadi, percorrendo a pé diariamente o percurso de cerca de seis quilómetros que faziam em dois sentidos – ida e volta.


Os primeiros refugiados angolanos recebiam ajuda alimentar e de roupa de fardo por parte da Cruz Vermelha Internacional (CRI – Croix Rouge Internacionale).  Dai foi conhecido o famoso peixe seco denominado “Nkuvala”, devido a sua dureza e resistência a agua quente. Quase não se cozia.

 

Alias, antes, Luangu não era acessível de carro, por falta de estrada. Os refugiados recebiam sua ajuda da CRI no Tele, uma pequena mata com um riacho do mesmo nome por onde passava a estrada que ia a aldeia do Luadi.


Cansados de descerem e subirem a todo o momento a pé a montanha de 90% de elevação do Luangu ao Tele, eles resolveram fazer a mão ou melhor cavar com enxadas, catas e picaretas uma picada de acesso a aldeia.

 

Se Luangu eh hoje acessível por “estrada”, graças aos refugiados angolanos.  De igual modo, não havia empresas na aldeia, alguns pequenos comerciantes tinham “lojas” e “buvettes” (bares pequenos).

 

Haviam os “buvettes” de Nzinga Ngiengie, Vandu, Nganda e Paul. As pessoas viviam  da agricultura rudimentar, principalmente as mulheres que vendiam seus produtos no mercado de Matadi, Zandu a sud, e os homens de trabalhos domésticos chamados pejorativamente como “boys” ou trabalhavam no Porto.

 

O termo “refugiado” era usado pejorativamente pelos nativos congoleses. Diziam que os refugiados angolanos chegavam com cadeados na boca ou com as bocas fechadas a cadeados pelos portugueses.


Um refugiado angolano valia menos que um cão de congolês. Mesmo os cemitérios eram separados. Um refugiado não tinha direito de ser enterrado num mesmo cemitério que um congolês, dono da terra.


No entanto, ambos – congolês do Baixo-Congo ou Bas-Zaire e Angolano do norte – pertencem a mesma Etnia Kikongo e aos mesmos clãs (Mvila ou Zimi).


O Congo mudou frequentemente de nomes, Congo-Belga, Congo-Leopoldville, Republica do Congo, Republica Democrática do Congo, Republica do Zaire e voltou outra vez a chamar-se Republica Democrática do Congo.

 

As regiões do Noki em Angola e Matadi na RDC são povoadas pelas populações de uma mesma tribo chamada Vidi do lado de Angola e bamboma(do lado congolês), da etnia Kikongo. A proximidade de Angola e os laços étnicos kikongo fizeram com que os antigos refugiados angolanos, nomeadamente da região Kongo em Angola (actuais províncias do Zaire, Uige e os municípios do Ambriz e Dembos) elegessem as referidas aldeias como seus pontos de chegada na RDC.

 

Quando os refugiados começaram a fluir em grandes quantidades para aquelas paragens, o Congo-Leopoldville ou Congo-Belga, acabava de conquistar a sua independência da Bélgica. Os movimentos de libertação congoleses, acabaram de sair de uma mesa redonda (Table ronde) realizada na ca pital belga, Bruxelas, com a potencia colonial belga.

 

Desta mesa redonda, o Presidente da ABAKO (Aliança dos Bakongo), Joseph Kasa-Vubu foi designado Presidente da Republica, e o líder do MNC (Movimento Nacional Congolês), Patrice Emery Lumumba, como primeiro-ministro.

 

ABAKO era o partido politico dos Bakongo cuja Quartel politica era a província do Kongo Central, actual Baixo-Congo, dirigida pelo Governador Muanda Vital.

 

O símbolo do ABAKO era uma concha de caracol. Os angolanos residentes no Congo tinham os cartões de membros do referido partido e pagavam as suas quotas.

 

As províncias congolesas do Baixo-Congo e Bandundu e Zaire e Uige são habitadas por um mesmo povo de etnia kikongo.

 

Assim, contaminados pela febre independentista congolesa, os angolanos residentes na RDC, nomeadamente na vila de Matadi, fundam a UPA (União das Populações de Angola).  Estavam a frente desta iniciativa, os nacionalistas Eduardo Pinnock, Rocha Nefuani, Barros Nekaka, Mendes Manguala, António Sebastião, etc.

 

Os angolanos residentes no Congo, na sua maioria pertencentes ah etnia Kikongo, começaram a usar cartões de membros de dois partidos políticos, o ABAKO e UPA.

 

O símbolo da UPA era um homem negro acorrentado, mas com a corrente rebentada, o que significava dizer Libertação para o angolano autóctone. Mas nos finais de 1962 ou princípios de 1963, Matadi foi surpreendida pela presença no edifício do CONGOMANE (Kongomani) de pessoas na sua maioria mestiças (mulatos) ou mesmo brancos, homens e mulheres, que se diziam serem também angolanos e lutavam pela independência de Angola.
Curiosas, as crianças de manha cedo e quase diariamente concentravam-se diante do edifício, recolhendo os rebuçados e bolachas que os novos inquilinos de Congomane lhes atirava.


Um dia, uma delegação destas pessoas visitou os refugiados angolanos na aldeia de Nsoyo (Nsoyo-Village), acompanhada pelo Primeiro Bourgmestre da vila de Matadi, André Mvita. Como se tratavam de brancos e mulatos, eles muito mal recebidos pelos refugiados que lhes confundiram com os colonos portugueses de que fugiam, tendo lhes atirados pedras com gritos “mindele” (brancos).


Os nomes de Aníbal de Melo, Américo Boavida, Deolinda Rodrigues, começaram a ser ouvidos como integrantes da referida delegação. Em 1963, a UPA juntou-se ao PDA (Partido Democrático Angolano) de Emanuel Kunzika e fundaram a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) com um Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE).


A FNLA opta por uma luta armada e cria o Exercito de Libertação Nacional de Angola (ELNA). Neste contexto, .alem de receber os refugiados provenientes de Angola,  aldeia de Luangu albergou uma Quartel militar do ELNA, que se pode considerar sem medo de errar a mais operacional de todas.

 

A Quartel era dirigida pelo comandante João Ngingi (Nguingui), com o nome de guerra de Ketuyoyiko (Não nos cansemos).

 

A Quartel de Luangu tinha unidades militares que pertenciam a cada posto administrativo (actuais municípios), principalmente do Kongo. Tinha, nomeadamente a Unidade do Noki chefiada pelo comandante Mavinga, de Lufiku com o Comandante Panaki e Rafael Munguzunga como seu adjunto, do Tomboko com o comandante Afonso Nkuadi “Mfokodisa”, do Nzeto com o comandante Konka, do Soyo com o comandante Penalto “Kioto”, do Ambriz com o comandante Timóteo “Bakavioka”, etc.

 

O comandante Panaki tombou, juntamente com o combatente Jorge Manuel Casimiro “Gimi” – uma estrela de futebol - , num ataque na aldeia de Kimuinza, na actual comuna do Lufiku, tendo sido substituído ao cargo por Rafael “Munguzunga”.

 

A morte de Gimi foi muito confrangedora. Era um excelente jogador de futebol que todo o mundo queria assistir a jogar.

 

O comandante Afonso Nkuadi “Mfokodisa” morreu de uma doença tendo  sido substituído ao cargo por Madueta.

 

A Quartel militar de Luangu conheceu momentos altos e baixos, tendo sido atacada pelas forcas coloniais portuguesas.

 

Recebeu amargamente a noticia da morte em combate do combatente Silvestre Mpioso, num ataque contra uma coluna militar português na área de Yayanga, em Mvuma, posto administrativo do Tomboko.

 

Depois da independência, ouviu-se contar pelos munícipes do Tomboko que o corpo de Silvestre Mpioso foi acorrentado numa viatura militar que o arrastou ate a esta vila (Tomboko) onde foi exposto num campo de forma a ser visto pelas populações. Um outro combatente muito famoso chamado Tito a tiro ou simplesmente Tiro, morreu na sequencia do rebentamento de numa mina e numa área próxima de Luangu. Uma unidade de guerrilheiros que saiu deste quartel de Luangu com destino a COBA, Centro operacional do ELNA que se encontrava nas matas dos Dembos caiu numa emboscada e muitos integrantes foram mortos, entre eles António Nsungu, filho único da senhora Ntanda Nzumba, Cainha, João  Mayembe, etc.


A versão da sua morte apresentada pelos soldados sobreviventes eh que estes comeram uma espécie de batata selvagem venenosa chamada Makiya e pereceram. Mas o general Silva Cardoso fala no seu livro ter bombardeado e dizimado uma coluna de guerrilheiros do ELNA na aérea do posto de Beca Monteiro, actual comuna de Kindezi.  Trata-se certamente da referida unidade que integrava António Nsungu, João Mayembe e Cainha.

 

Os guerrilheiros do ELNA viviam em aldeias dispersas em varias regiões de ambas as margens do rio Congo ou Zaire, nomeadamente no Boko I e II, Tshimpi, Kionzo, Vana, Ngangila, Nsueka, Yalala, Nsanda e Vivi.

 

Só se concentravam no Luangu, as unidades chamadas para realizarem  operações militares em Angola.


No inicio da luta armada, os guerrilheiros eram mal uniformizados e armados. Mais tarde começaram a exibir uniforme, armadas e outros material bélicos oferecidos pelo Presidente Bem Bella da Argélia.

 

Usavam igualmente uniforme idêntico ao das FAZ (Forcas Armadas Zairenses). Na véspera da independência de Angola, os guerrilheiros do ELNA usavam uniforme e armamento chinês, da Republica Popular da China (RPC) de Mao Tse Toung.


Nos anos 70, o GRAE cria uma representação no Baixo-Zaire cuja sede funcionava no edifício chamado Dragage (Building Dragage).  O primeiro delegado foi um cabindes, Francisco Xavier Lubota, antigo bolseiro da FNLA nos Estados Unidos da América (EUA) donde veio directamente para ocupar essas funções. O seu adjunto foi o economista António Vita, formado na Universidade de Alexandria, no Egipto.

 

Lubota fugiu da FNLA tendo-se juntado a FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda). Foi substituído ao cargo por Artur da Costa Nkosi, natural do Songo, Provincia do Uige. Este eh exonerado, tendo sido substituído por James Pedro Ngimbi, natural da aldeia de Mbanza Mpangu, município de Mbanza-Kongo.

 

A guerra aumentava de intensidade em Angola, de maneira que a quantidade de viúvas e órfãos subia exponencialmente.


Muitos prisioneiros de guerra senão todos os soldados e desertores do exercito colonial português passaram pelo quartel do Luangu, em casa do conselheiro principal Nzola. Neste quartel, foi apresentada uma mão de um oficial português chamado Mpakasa, morto num ataque dos combatentes do ELNA na aldeia do Nkosa ndimba, no actual município do Noki, muito próximo do Luangu, do outro lado da fronteira.

 

Ninguém mais acreditava na conquista da independência para Angola, quando subitamente começaram os rumores sobre uma revolta militar em Portugal.


Sobretudo que na véspera da independência de Angola, muitos combatentes do ELNA provenientes de Luangu morreram num ataque contra o posto fronteiriço de Luvo, por bombardeamento da aviação. O ataque foi co-dirigido pelo comandante João Mayembe, que também tombou no local.


Ninguém acreditou nas primeiras informações. Quem se atreveria a derrubar António de Oliveira Salazar ou o seu sucessor Marcelo Caetano.

 

As dúvidas foram dissipadas por alguns elementos que regressaram das festividades do 15 de Marco que tiveram lugar na Base central de Kinkuzu sob a presidência do próprio líder da FNLA, Holden Roberto.

 

Uma outra surpresa foi de ouvir falar pela primeira vez o nome de um terceiro movimento de Libertação de Angola. Tratou-se da UNITA presidida por Jonas Savimbi. Este (Savimbi) foi secretário-geral da UPA e ministro dos negócios estrangeiro do GRAE, mas era pouco conheido ou quase não conhecido pelos angolanos principalmente no Baixo-Congo.  Foi uma delegação da FNLA que foi participar numa conferência da OUA (Organização de Unidade Africana) que trouxe a noticia do referido movimento. O delegado adjunto do GRAE no Baixo-Zaire, o economista António Vita, acompanhado do vice-conselheiro para os assuntos económicos e financeiros, Jovelino Eduardo, integraram a referida delegação. As pessoas interrogava-se do nome exacto do líder da UNITA, Savimbi ou Savimpi, pois saúde em língua kikongo eh vimpi com “P” e não com “B”.

 

Nunca antes ou durante a guerra de libertação nacional de Angola, os refugiados angolanos no Congo, principalmente naquelas paragens do Baixo-Congo, ouviram falar da UNITA e de Jonas Savimbi.


Dai aconteceu com uma velocidade de cruzeiro um processo de negociações, primeiro entre os três movimentos de libertação nacional de Angola - FNLA, MPLA e UNITA – e mais tarde entre estes com a potencia colonial, Portugal, que culminou com a assinatura dos Acordos de Alvor que conduziu, apesar de tudo, ah independência de Angola a 11 de Novembro de 1975. Luangu eh extremamente importante e incontornável pela sua contribuição inegável na libertação de Angola.

 

Na Independência de Angola, Luangu tem a sua pedra basilar, se calhar o principal libertador do país.


Também a unidade militar do ELNA que devia socorrer os dirigentes nitistas envolvidos no 27 de Maio de 1977 partiria do Quartel do Luangu, mas a missão foi abortada pela noticia da captura de Nito Alves e companheiros pelas FAPLA – exercito do MPLA. A unidade estava em fase avançada de preparação e seria chefiada pelo comandante Garcia Avelino Sony.


Na altura, Luangu estava apinhado de centenas de soldados do ELNA que regressavam de Angola onde travaram ferozes combates com as forças comunistas coligadas das FAPLA e russo-cubanas.


Os outros quartéis militares do ELNA não menos importantes eram Nkuyi, no sector de Nkenge, dirigido pelo lendário comandante  Pedro Afamado, e Nkamuna, na Zona de Songololo, sob o comando de Mpanzu.