Luanda - No rescaldo do meu texto a respeito do “concurso” vencido pela jovem empresa Telstar, que foi avisadamente cancelado pelo Presidente da República, li alguns comentários que me foram encaminhados por leitores de várias origens e diferentes estratos sociais.

Fonte: Club-k.net


A respeito da minha opinião sobre o novo concurso, recebi várias críticas (positivas e negativas). Em relação a quem não partilha o meu ponto de vista, destaque vai para a polémica sobre se a quarta operadora deve ser angolana ou se pode ser estrangeira.


É a este assunto que me vou referir hoje, sobretudo esclarecendo alguns equívocos e elucidando áreas cinzentas que resultaram da leitura do meu texto.

Antes de mais, gostaria de referir que em momento algum disse que o quarto operador deve ser estrangeiro.
O que sugeri foi que se mantenha a opção por um concurso internacional. Claro que as empresas angolanas podem concorrer, mas em pé de igualdade com as estrangeiras. Ou então, em aliança com empresas estrangeiras.


Sugeri, pois, que não limitássemos o concurso a empresas angolanas, pois (lamentavelmente) tenho de reconhecer que não temos capacidade e conhecimento para dispormos de uma empresa de telecomunicações apenas com técnicos angolanos. Formados onde? E com que experiência, com que traquejo?


Não nos esqueçamos que o quarto operador vai ter de enfrentar a concorrência dos que já funcionam, para além de ter que se inserir no esquema global de telecomunicações.

Não serão as mesmas pessoas que hoje consideram que o quarto operador deve ser (tem de ser) angolano, que depois, quando começarem os problemas com a ausência de sinal, com a impossibilidade de ligação, com as mensagens a não seguirem para o destino e com a impossibilidade de acesso a roaming quando estiverem lá fora, serão os primeiros a contestar e a exigir serviço de qualidade internacional?


Para haver serviço de qualidade, temos infelizmente de recorrer a know-how de que não dispomos. Nem vamos dispor nas próximas duas décadas. Se até a pasta dentífrica ou o ketchup temos de importar, vamos ter a ilusão de dispor e gerir tecnologia de ponta na área das telecomunicações? Quem formou esses quadros, cá dentro ou fora do país? Tê-los-emos em qualidade e em número suficiente?


Basta olharmos para as empresas de telecomunicações que temos, que de angolanas só têm a escritura. O resultado é o que vemos: preferimos pagar cinco a dez vezes mais a um estrangeiro do que pagaríamos a um angolano para dirigir até uma “simples” área de apoio ao cliente. Preferimos pagar mais a um estrangeiro, do que a um angolano verdadeiramente qualificado (às vezes até mais qualificado que o estrangeiro).
Vou dar o exemplo banal das babás. A uma angolana pagamos 70 mil kwanzas, mas a uma estrangeira, 1.000 dólares. E dizemos depois que as estrangeiras têm maior formação e prestam serviço de maior qualidade. Pois se contratássemos uma angolana qualificada (até mesmo com licenciatura) e lhe pagássemos 300 mil kwanzas, qual das duas seria a mais qualificada?

Um dos leitores chegou mesmo a considerar que, para sermos realmente independentes, temos de ser nós a gerir as nossas empresas.

Tudo bem, estamos de acordo.


Mas a verdade é que somos politicamente independentes apenas. Estamos muito longe de ter independência económica.


Para chegarmos à independência económica, teríamos de ter apostado seriamente na educação. E não o fizemos nos últimos 30 anos, nem estamos a fazer agora. Temos vindo a decair, ano após ano, com péssimas escolhas e más opções. Temo-lo demonstrado todos estes anos.


Se não temos capacidade, sequer para manter linhas de montagem (só de montagem!) de electrodomésticos, motorizadas e viaturas, quando estaremos em condições de construir locomotivas, barcos e componentes para aviões? Porque quando falamos de telecomunicações e tecnologias de informação, estamos a falar exactamente deste nível, da construção de locomotivas, barcos e componentes para aviões.


Quem não consegue retirar apenas 25% da água que tem nos seus rios e colocá-la nas cidades e vilas e quem não consegue usar a vasta bacia hidrográfica que possui para produzir energia eléctrica para todo o país e até vender aos países vizinhos, como vai conseguir gerir tecnologia de ponta para um sector como o das telecomunicações?


Um operador de telecomunicações trabalha com tecnologia de ponta – e não com bokas, lacinhos ao pescoço, óculos escuros em ambientes fechados ou outras futilidades.


Quando não conseguimos sequer resolver o problema do escoamento de produtos do campo para as cidades e quando não conseguimos produzir nem metade das necessidades no âmbito da indústria alimentar, a independência económica é uma simples miragem.


Apostemos seriamente na educação, da base ao topo das duas hierarquias (de níveis de educação e de níveis de decisão), para podermos começar pensar em tecnologia de ponta daqui a 20 ou 30 anos.

Quanto ao novo concurso, que quem de direito tome as decisões pertinentes.

Mas é preciso definir à partida se o concurso é nacional ou internacional. E sendo internacional, se as empresas estrangeiras podem concorrer por elas próprias ou se se devem associar a empresas angolanas detentoras de algum know how e experiência no ramo.


Com tudo muito bem definido nos termos de referência, será preciso depois que o Ministério do Trabalho assuma o seu papel, definindo regras e limites para o emprego de pessoal estrangeiro (que é assunto para outra análise).

Paulo de Carvalho
22/4/2019
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