Luanda - A Dinastia é o Poder político em que a governação de um país pertence aos soberanos da mesma família, do mesmo tronco genealógico e cuja sucessão é hereditária. As Dinastias nascem a partir do poder conquistado, impõe a linhagem familiar, estabelece a hierarquia da árvore genealógica, constrói instituições dinásticas que se implantam e se consolidam. Este sistema político é justamente incompatível com os ideais da cidadania e coíbe a liberdade e a igualdade dos homens. O poder político não se processa na base de meritocracia e da vontade do povo; mas sim, na descendência e na hereditariedade.


Fonte: Club-k.net


A Dinastia da Coreia do Norte, por exemplo, nasceu a partir do Partido Comunista Norte Coreano o qual ficou domesticado pelo Presidente Kim Il Sung. Este transformara as instituições daquele Partido em sustentáculos do poder dinástico cujos alicerces continuam a assegurar a sucessão genealógica.


No fim do mês passado veio à baila a ascensão do magnata petrolífero, Manuel Vicente, ao Cargo do Ministro de Estado e da Coordenação Económica, que tomou posse no dia 09.02.2012. Nos círculos de altas finanças, é tido como sendo o Príncipe que ergueu a fortuna fabulosa da família do Presidente Angolano, Eng.º José Eduardo dos Santos. No ranking nacional, o Manuel Vicente disputa o primeiro lugar da pessoa mais rica de Angola. Ele é primo direito do Eduardo dos Santos e cresceram juntos na casa dos pais deste último.


Portanto, esta ascensão espectacular ao Cargo da Coordenação Económica não foi surpresa nenhuma. Alias, devido a longevidade do consulado do Eduardo dos Santos muitos achavam que era urgente a sua retirada. Isso teria sido um passo importante em busca de reformas reais e profundas do sistema político angolano. Foi efectivamente nessas circunstâncias em que se destacou a problemática da sucessão.


Neste contesto, a figura do Manuel Vicente vinha gradualmente a superfície como o favorito do soberano angolano. O seu domínio do sector petrolífero, afinidade familiar e entrosamento de capitais lhe confere uma certa vantagem. Porém, a nomenclatura do MPLA tem tido reticências enormes sobre esta candidatura devido a falta de militância partidária, bem temperada na luta política do partido.


Por isso, esta nomeação ao cargo político, na esfera governativa, constitui um grande empurrão à esta candidatura. Já que, de todos efeitos, a última palavra caberá sempre ao José Eduardo dos Santos que irá impor a sua vontade. Tudo que se passa, em volta desta problemática de sucessão, é apenas uma manobra de diversão que visa iludir o público.
Até recentemente, a limitação do Mandato do Presidente da República, em função dos princípios republicanos, era ainda o tabu. Contudo, a “Primavera Árabe”, de qualquer forma, reforçava este desiderato na medida em que o status quo prevalecente no país desde 1975 tornara cada vez mais caduco e indesejável.


Antes, os horrores da guerra-civil traumatizara a sociedade angolana e tendo criado o estado apático e de total indiferença. Este quadro passivo reforçara o espírito de endeusamento e de subjugação mental da sociedade que paulatinamente demolia todos os alicerces da “liberdade e de igualdade” conquistadas com sangue, suor e sacrifícios.
O crepúsculo do sol-posto, de 2002, alterava bruscamente o equilíbrio político prevalecente no país que servia de sustentáculo para a construção da democracia multipartidária. O retorno ao mono partidarismo parecia óbvio, caracterizado por intolerantísmo crescente, arrogante e esmagador.


Dizia eu, a dinâmica da “Primavera Árabe”, não só despertava a consciência da sociedade na reconquista da liberdade e de igualdade, mas deitava por terra a invencibilidade do “faraóismo” que rodeava o mito da eternidade do poder autoritário em África. A queda humilhante do ditador do deserto, Coronel Muamar Kadhafi, da Líbia, criara um estado de histeria no Continente Africano onde ainda persiste poderes longevos e autoritários.

 

Esta situação concreta e real serviu de catalisador na tomada de consciência da superioridade popular contra os poderes absolutos e vitalícios que se enraizavam no continente. Seja como for, o “background” e a natureza dos fenómenos não são idênticos em cada país e em cada região do continente. Isso faz com que o ímpeto de transformação e de reformas não possuam as mesmas características e não procedam da mesma maneira – de forma uniformizada. A qualidade, a coesão, a estruturação, a organização, os recursos, a consciência, a motivação e a maturidade das “forças vivas” de cada país desempenham o papel decisivo nesta Revolução Global.


Nisso reside o factor fulcral do processo da transformação deste fenómeno e a capacidade de manobras dos regimes autoritários e longevos em resistir as forças de mudança. Em todo caso, há dois cenários fundamentais que caracteriza este fenómeno, sendo: a) A continuidade do regime, com alterações cosméticas. b) A descontinuidade do regime, com mutações profundas do sistema político e económico.


O cenário (a) acontece em regimes em que se verifica debilidades e fragilidades substanciais das forças vivas da sociedade. Ao passo que, o cenário (b) regista-se nos países onde o ímpeto e o grau da maturidade da organização e da estruturação das forças vivas é bastante elevado.

 

Nesta base de análise (sem paixão politica) da realidade angolana, dá-nos entender que (por enquanto) o pêndulo de gravidade esteja mais inclinado ao cenário (a). Esta situação é transitória e é mutável a qualquer momento. No entanto, o dinasta angolano tem a faca e o queijo na mão de deliberar e decidir sobre a sucessão do poder.


Noutras palavras, a evolução que se constata, neste país, é de manter o status quo presente. Se tratará, com efeito, de um processo complexo de articulação da “superstrutura” do poder com fim de salvaguardar a sucessão genealógica. Os factores essenciais para a sustentação desta estratégia consistem em dois parâmetros fundamentais: a) politico; b) económico.


A realidade que se verifica em África consiste na perseguição e na confiscação da fortuna dos antigos estadistas – no pós-declínio do poder. Isso tem sido um dos factores dissuasivos em ceder o poder de modo pacífico e livre. Criando uma situação do apego ao poder até onde poder. A situação torna-se mais complexa nos casos onde se regista as deficiências e as irregularidades da governação, tais como o abuso do poder, a corrupção, o nepotismo, os desvios e enriquecimentos ilícitos.

 

Diante deste quadro, o parâmetro político (a) se manifesta na tentativa de garantir o controlo do “centro do poder”, no pós-declínio. Sendo como objectivo estratégico acautelar os Bens acumulados ilicitamente e salvaguardar a integridade moral e física da Dinastia. A fórmula do “Putin-Medvedev” ou de “Chiluba-Mwanawasa” são uns dos diversos exemplos que se pode destacar nesta referência.

 

Portanto, a retirada estratégica do dinasta do centro da superstrutura deve garantir a continuidade do status quo, sem exercer qualquer impacto significativo sobre o mecanismo central do poder. O essencial desta estratégia consiste na necessidade de vedar qualquer “outsider”, pessoa estranha à dinastia, assumir o centro do poder. Esta estratégia tanto pode surtir os efeitos desejados (caso Putin-Medvedev) quanto pode resultar em bumerangue (caso Chiluba-Mwanawasa).


O parâmetro económico (b) tem a ver com os interesses das grandes potências numa determinada economia, de um determinado país e da natureza económica, isto é, o modo de produção, posse do capital e a repartição da riqueza.


Neste caso, Angola é uma economia do enclave, dominada (85%) pelo sector petrolífero. A exploração do petróleo (offshore) depende do capital avultado e da tecnologia de ponta. Angola, no estado actual, não possui esta tecnologia avançada e depende exclusivamente da tecnologia das potências industrializadas cujas multinacionais exercem o monopólio sobre este sector.


Além disso, as multinacionais petrolíferas têm uma influência esmagadora não somente sobre os governos dos países de origem, mas sim, sobre as Instituições Financeiras (Banco Mundial e FMI), bem como as Organizações Multilaterais, como o caso das Nações Unidas. O Poder das Instituições Financeiras sobre a Economia Global é formidável e extravasa todas as fronteiras intercontinentais.

 

Diga-se mesmo que, a Crise actual mundial é fruto da omnipotência dessas instituições que detém lucros excessivos, fuga ao fisco e “outsourcing de capitais” aos mercados externos onde se verificam custos baixos de produção, condições precários de trabalho e mão-de-obra barata. Causando desemprego massivo e o esvaziamento dos Cofres Públicos dos Países de origem. Por outro lado, sugam o rendimento da “força de trabalho” dos Países anfitriões – em benefício próprio.

 

O grande beneficiário deste sistema de investimento é a Classe dominante, de determinadas famílias dos Países anfitriões, que fazem parte de círculos entrosados de joint-ventures. Estes desviam e extraviam grandes somas de dinheiro ao estrangeiro.

 

Angola faz parte deste circuito económico-financeiro, tendo mecanismos inadequados para a fiscalização efectiva das actividades das Companhias petrolíferas que operam em plena liberdade no offshore. Os interesses da dinastia angolana, que constitui mais de 90% do Capital Angolano, estão integrados directamente neste sistema transnacional. Logo, qualquer alteração nesta superstrutura tem implicações directas sobre os interesses das multinacionais.

 

Esta situação ganha maior acutilância sobretudo nesta altura em que se verificam instabilidades crescentes no Médio Oriente, que produz a grande parte do petróleo do mundo. O Golfo da Guiné, onde Angola situa-se como a maior produtora do petróleo, é tido como a fonte alternativa.


À luz desta análise global, leva-nos a entender melhor a problemática da sucessão do soberano angolano e o factor central que desempenha o Manuel Vicente na equação do poder e dos interesses mundiais. A aposta neste magnata petrolífero, promotor e protector da fortuna da família dinástica, como sucessor ao trono, visa dois objectivos essenciais: a) Salvaguardar o poder e a riqueza da dinastia. b) Garantir o apoio e os interesses das multinacionais petrolíferas.

 

Esta estratégia colhe muito apoio e simpatia dos Círculos de Negócios e das Potencias industrializadas, sobretudo do Ocidente. Os ideais da Democracia, dos Direitos Fundamentais do Homem e da Boa Governação não fazem parte integral deste pacote de interesses – são ignorados. Ali estará o cerne do problema que induz sempre as potências mundiais em erros flagrantes. Pois, qual é afinal o “factor decisivo “ da transformação dos fenómenos sociais: Os factores internos ou externos?


A “Primavera Árabe” surgiu na sequência dos factores internos que se sobrepujaram aos factores externos que já se identificavam com os regimes longevos e autoritários, da região. A maturação dos factores internos entrara em colisão directa com os factores externos que há muito exerciam a supremacia. O desequilíbrio de forças desta equação obrigara os factores externos a ceder e ajustar-se à nova dinâmica revolucionária.
A outra questão que se coloca neste fenómeno é o factor da Globalização que tem a força enorme de atracção, integração, transformação e dinamização das sociedades mundiais. A tomada da consciência da humanidade é veiculada pela civilização global que serve de elemento catalisador de mudanças e transformações constantes que ocorrem na Era contemporânea, em toda parte do mundo.


Alguns sectores do Continente Africano têm preconceitos utópicos; fingindo-se diante a realidade incontestável; invertendo os factos; fazendo interpretações distorcidas; imputando tudo ao imperialismo. Todavia, quando assumimos uma postura devemos reflectir no seguinte: Resolve o problema de forma global? Ou, resolve o problema de forma parcial? As soluções parciais têm a tendência de se embocar numa outra dinâmica que busca uma solução global ao problema que deve satisfazer, ao mínimo, a maioria.


Em 2006, na minha passagem pelo Londres, um Deputado Inglês, da Câmara dos Comuns tivera me alertado, nestes moldes:


“Estive recentemente em Angola e constatei que, o país era um autêntico barril de pólvora. O fosso entre a pobreza e a opulência é fenomenal. A injustiça social é profunda. A condição em que se vive as camadas baixas é de escravidão. Reina a insensibilidade notória dos governantes. Por isso, este barril de pólvora, cedo ou tarde, poderá explodir.”

 

Me questiono, será que este quadro social, acima descrito, já está alterado de certo modo? Mantêm-se na mesma? Ou, piorou? Outra questão que vem a tona, que considero pertinente, consiste no seguinte: Nas condições actuais de Angola, uma sucessão feita no intuito de implantar uma dinastia, será uma solução global ou parcial? Será parte integral da solução? Ou, será parte integral do problema?


Pois, os grandes desafios actuais de Angola podem ser resumidos no seguinte: A concentração da riqueza num pequeno número de famílias; corrupção; enriquecimento ilícito; desvios de capitais financeiros ao estrangeiro; indigência extensiva. No meio de tudo isso, se destaca a “segregação social dos angolanos” dentro da sua própria Pátria – praticada por uma casta dos cidadãos e estrangeiros.


Onde estará então a Angolanidade que tanto sonhamos e aspiramos – Quo vadis Angola?
Em resumo, sem acusar ninguém, nesta fase crucial do país, o MPLA tem a maior responsabilidade de viabilizar ou inviabilizar a implantação do sistema dinástico nesta pátria dos nossos ancestrais. Por analogia, se a Coreia do Norte se mergulhara na ditadura dinástica, o maior culpado é o Partido Comunista daquele país que tivera se deixado domesticar-se por uma família, numa fase decisiva de transição. O que, felizmente, não sucedeu na China. Permitindo este país abrir-se, embora timidamente, aos factores da Globalização.


Conecta: http://baolinangua.blogspot.com
Luanda, 9 de Fevereiro de 2012