Não foi nenhum “desastre” nem nenhum “fracasso”. Afinal – é bom não esquecer – estivemos 16 anos sem realizar eleições. Por outro lado, no resto do país, o processo decorreu de maneira praticamente irrepreensível. Mas o que aconteceu em Luanda foi uma nódoa gravíssima, que impediu as actuais legislativas de serem, como todos queríamos, exemplares.

A prioridade, agora, é compor os estragos e terminar o processo. A deliberação da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de prolongar a votação hoje naquelas assembleias de voto (320) que não abriram ontem ou que interromperam os trabalhos por falta de material, além de legal, foi correcta.

Com efeito, não há nada, absolutamente, que permita afirmar que a votação de ontem foi irregular. Até onde vai o meu conhecimento, nenhum observador independente, nacional ou estrangeiro, o afirmou. Terá sido - isso, sim - incompleta, pois, embora o sistema não possibilita dizer quentos eleitores deixaram de votar, é de prever que muitos, fatigados pela longa espera, tivessem desistido de fazê-lo.

Para pôr as coisas outra vez no seu lugar e, sobretudo, permitir que toda a gente exerça o seu direito de voto, é preciso fazer, hoje, um grande trabalho de informação, sensibilização e mobilização. Todos – inclusive a imprensa – têm o dever de fazê-lo.

Neste momento, essa é a atitude – vou dizê-lo – patriótica. Não compreendo, pois, a posição do presidente da UNITA, Isaías Samakuva, que pediu a repetição da votação em Luanda na próxima sexta-feira. Os dois representantes do partido na Comissão Nacional Eleitoral devem tê-lo informado que, na situação ocorrida (não abertura de assembleias de voto), a lei recomenda a conclusão do acto no dia seguinte.

O que o líder do maior partido da oposição quer é protagonismo político e criar um facto – que, aparentemente, lhe foi fornecido de bandeja – para negociar qualquer coisa.

Por outro lado, são ainda menos aceitáveis – para não dizer algo mais contundente - as diatribes proferidas pelo ressuscitado Rafael Marques à Sic Internacional, ontem à noite, onde, entre outras mentiras, declarou que os problemas logísticos ocorridos em Luanda beneficiam, supostamente, “quem organizou as eleições”, insinuando uma ligação inexistente entre a CNE (onde estão representados membros da oposição) e o governo.

Basta comparar as imagens dos comícios de encerramento da campanha eleitoral do MPLA e da UNITA em Luanda para perceber que a redução de afluência de eleitores às urnas prejudica o partido no poder.

Uma nota final para afirmar que, tão-logo este processo esteja concluído, é imperioso começar a apurar as responsabilidades por esta nódoa que manchou seriamente as eleições. Os cidadãos exigem-no com veemência.

* João Melo, jornalista, é diretor da Revista África 21
Fonte: Africa21