Luanda - Os 32 anos de poder e a crescente intolerância internacional contra líderes autoritários pesam, cada vez mais, no desempenho do Presidente José Eduardo dos Santos que se tem mostrado, por sua vez, cada vez mais contraditório e baralhado nos seus actos de gestão e discursos políticos.


Fonte: Makaangola.org


No seu mais recente discurso, por ocasião da IV sessão ordinária do Comité Central do MPLA,  o Presidente da República queixou-se abertamente contra o que avalia ser a pouca divulgação dada pelos órgãos de comunicação social do Estado às acções do executivo. Dos Santos passou a mensagem segundo a qual o seu executivo realiza muito mais trabalho em prol das populações do que as imagens da Televisão Pública de Angola (TPA) ou os noticiários da Rádio Nacional de Angola (RNA) transmitem diariamente.

 

O Chefe de Estado afirmou: “Da análise do balanço da actividade do Partido, em 2011, podemos constatar que se regista um elevado grau de cumprimento das tarefas preconizadas em todos os domínios, embora tenhamos de reconhecer que ainda não conseguimos transmitir e divulgar da melhor maneira as nossas realizações. Por essa razão, também não temos sido capazes de assegurar o conhecimento correcto e oportuno, tanto no interior como no exterior do país, da actividade desenvolvida quer pelo Partido quer pelo Executivo.”

 

Mais discursou: “Temos o dever de comunicar cada vez melhor e de informar sobre o que está a ser feito para a construção de um país desenvolvido, moderno e justo, valorizando o trabalho, o conhecimento e a ética. É necessário que a população tenha a compreensão real do muito que está a ser feito em seu benefício, em prazos sem paralelo em países acabados de sair de um conflito de cerca de quarenta anos, para que ela também possa interpretar e rejeitar em consciência as muitas campanhas de denegrimento e calúnia que pretendem dar uma imagem negativa do nosso Partido e também do Executivo e dos seus dirigentes.”

 

Os angolanos que atentamente seguem as emissões da TPA 1 e 2 têm uma ideia contrária à do Presidente, porque os noticiários dos órgãos públicos são conhecidos pela cobertura excessiva e empolada à volta das realizações do governo, incluindo  re-inaugurações de chafarizes. Os exemplos abundam, sendo os mais paradigmáticos a cobertura ensurdecedora sobre a inauguração do Hospital Central de Luanda, na Camama,  e o bem que faria ao povo. Este hospital ruiu em menos de quatro anos de existência. O edifício do Serviço de Atendimento Integrado ao Cidadão (SIAC), em Benguela, também está em ruínas, poucos anos após a sua inauguração e milhões de dólares dos contribuintes dispendidos. A esses exemplos poderiam juntar-se os das estradas reabilitadas, que tanto orgulham Dos Santos e seus aduladores, e que, passados pouco tempo, se encontram bastante danificadas.

 

Tanto o Hospital como o edício do SIAC continuam encerrados, mas José Eduardo dos Santos nada diz sobre o assunto, preferindo que se fale apenas de obras e mais obras feitas e por fazer. A maioria dessas obras públicas, de construção chinesa, não obedecem a critérios de qualidade mínima e correm o risco de seguir o mesmo destino dos edifícios abandonados.

 

Muito antes da reunião do Comité Central do MPLA, José Eduardo dos Santos já havia manifestado a sua inquietação junto de colaboradores próximos, relativamente à “fraca cobertura dos meios de difusão massiva”  sobre as realizações do seu governo. Para se aferir a obsessão do Chefe de Estado para com a sua própria imagem, em detrimento da realidade,  o seu executivo vai colocar crianças de 11 anos, no presente ano lectivo, a estudar no período nocturno, no município de Cacuaco, em Luanda,  por falta de salas de aulas. No entanto, no seu discurso sobre o “Estado da Nação”, no ano passado, o Presidente não teve qualquer vergonha ao anunciar que o seu executivo construíu mais escolas do que o regime colonial português.

Mas José Eduardo dos Santos não se ficou pelas queixas aos seus mais próximos colaboradores. Ordenou os seus colaboradores mais próximos, para transmitirem a sua insatisfação aos gestores  dos mídia estatais (TPA, RNA, Jornal de Angola, Angop). Um a um, os presidentes dos Conselhos de Administração dos referidos órgãos foram chamados à pedra e questionados sobre a cobertura alegadamente insuficiente que dão aos actos do governo, apesar de orientações do Palácio Presidencial ao Ministério da Comunicação Social. Os dados obtidos durante a “inquisição”, levada a cabo pelos assessores presidenciais, apontam o vice-ministro da Comunicação Social, Manuel Miguel de Carvalho “Wadijimbi”, como o principal empecilho a uma cobertura totalitária à altura das exigências do Presidente.


Embora publicamente, e mesmo em privado, se apresente como alguém fiel aos ideais do partido, o vice-ministro da Comunicação Social tem razões de sobra para fazer a vida negra ao presidente do seu partido, o MPLA. Nos anos 80, Wadijimbi foi o manda-chuva do poderoso Departamento de Informação e Propaganda (DIP) do MPLA, então equivalente ao Ministério da Comunicação Social. Caíu em desgraça por causa do célebre “caso do quadro” oferecido ao Presidente da República, nos anos 80, e que levou a uma purga interna de dirigentes que criticavam a sua falta de seriedade e o seu estilo de vida  playboy.

 

O que não se compreende, no desconsolo de José Eduardo dos Santos, é o facto do Presidente da República entregar anualmente US $40 milhões aos seus filhos para a gestão de propaganda no exterior do país, através da TPA Internacional e da CNN. Outras dezenas de milhões são também entregues aos seus filhos para a gestão do Canal 2 da TPA. Por sua vez, o próprio José Eduardo dos Santos criou o Grupo de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional da Administração (GRECIA) a 13 de Outubro de 2010, “com a missão de dinamizar as tarefas de comunicação institucional, imagem e marketing da República de Angola e do Executivo.”

 

Como é do conhecimento público, o GRECIA é controlado pela Semba Comunicação, uma das muitas empresas de Welwitchea José Dos Santos “Tchizé” e Paulino José dos Santos “Coreón Du”, filhos do Presidente da República. O referido grupo integra, ao nível da cúpula, o Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil, Ministros da Comunicação Social, Administração do Território e das Relações Exteriores que se sujeitam, assim, à coordenação da Semba Comunicação.


Também é consabido que quem realmente manda e desmanda na TPA é a Semba Comunicação.  O Presidente, sem rodeios, num acto eivado de nepotismo e corrupção, entregou o Canal 2 da TPA à gestão privada dos seus filhos. A questão que se coloca, perante os factos, é simples. Porquê José Eduardo dos Santos não cobra aos seus filhos pela sua insatisfação com o nível de propaganda que lhe é dedicado e às suas supostas realizações para o bem do povo angolano?