Luanda – O antigo comandante provincial de Luanda da Polícia Nacional, Joaquim Vieira Ribeiro, terá achado que o malogrado Domingos Francisco João “Joãozinho” pretendia denunciá-lo ao ministro do Interior e ao comandante geral da Polícia, respectivamente Sebastião Martins e Ambrósio de Lemos, por intermédio da sua ex-esposa Januária Miguel Paulo, reeducadora da Cadeia Central de Viana.
Fonte: O PAÍS
Mãe de uma filha do oficial superior com 32 anos de idade, Telma de Fátima Paulo Ribeiro, a informação sobre Januária Miguel foi revelada pelo procurador adjunto das Forças Armadas Angolana (FAA), tenente general Adão António, quando fazia a leitura da pronúncia durante a primeira audiência do julgamento, realizada nas instalações da Base Naval da Marinha de Guerra.
A ex-esposa do comissário Quim Ribeiro e Joãozinho conheceram-se casualmente no estabelecimento prisional, dois dias depois dele ter sido para ali encaminhado para cumprir a pena de quatro meses e 15 dias de prisão efectiva, decretada pelo Tribunal Municipal de Viana.
Por causa das supostas perseguições de que sofria, o superintendente Domingos João solicitou a Manuel Paulo Armando, um dos responsáveis da secção de reeducação penal da cadeia, autorização para informatizar uma carta. A escolha recaiu para a esposa do antigo comandante de Luanda, que o ajudou.
“Para azar do falecido Joãozinho, a senhora Januária Paulo, depois de digitalizar o documento, informou do seu conteúdo o comissário Joaquim Vieira Ribeiro, seu anterior esposo, com o qual tem uma filha de 32 anos, de nome Telma de Fátima Paulo Ribeiro”, revelou o tenente general, baseando-se nas informações prestadas pelo antigo comandante de Viana, Augusto Viana Mateus, na fase de instrução processual, contidas nos autos.
Segundo o procurador, a antiga esposa contou que, além de ‘Quim’ Ribeiro, o documento, feito em dois dias, denunciava também os arguidos António João, António Rodrigues, João Caricoco, Sebastião Palma, Manuel Coceiro, Lutero José e Augusto Viana Mateus.
De acordo com os autos, Januária Paulo disse ainda que Joãozinho alegava ser perseguido por um grupo de “malfeitores” pertencentes à Polícia Nacional, encabeçado pelo comandante provincial e os seus subordinados acima mencionados, porque estes tinham desviado parte dos três milhões e 700 mil dólares encontrados na residência do funcionário do Banco Nacional de Angola, Fernando Gomes Monteiro.
Com as informações que recebeu da sua ex-mulher, Quim Ribeiro terá ficado furioso, segundo a acusação, e reuniu-se nas instalações do Comando Provincial de Luanda com o superintendente Augusto Viana Mateus (ex-comandante da Divisão de Viana) e António João (então director da DPIC), agora réu, para planificar supostamente a morte de Joãozinho.
“Aos quais disse, estando já o superintendente chefe Joãozinho preso e a cumprir pena em Viana, devem tê-lo sob controlo e linchá-lo, mas ao saírem do gabinete o superintendente Augusto Viana informou ao arguido António João que não cumpriria a ordem dada pelo superior hierárquico porque não se tinha formado para matar pessoas”, declarou o procurador das FAA.
Na sessão de julgamento, ao escutar todas estas informações que o incriminavam, Quim Ribeiro cruzou os braços e levou a mão esquerda à boca, alterando constantemente a sua expressão facial, ora olhando para os juízes, ora para os colegas. Suposta participação do médico no crime Com o passar do tempo e consciente das “barreiras” que teria de enfrentar assim que saísse em liberdade, Joãozinho foi aprimorando a denúncia e, para melhor estruturá-la, contou com o auxílio do agente prisional Saimom Pedro Cândido e do médico Adelino Dias dos Santos. Os três conheceram-se na cadeia de Viana.
De acordo com informações prestadas por Saimom Cândido, durante a fase de instrução processual, a relação de amizade que existia entre o médico e Joãozinho terminou por culpa deste último, que chamou o primeiro de ‘corno’. Em retaliação, o arguido Adelino Dias dos Santos incumbiu a sua esposa Ana Leandra Baptista Maurício a missão para fazer chegar ao comissário Joaquim Ribeiro a prova material das informações que lhe tinham sido avançadas pela sua ex-companheira Januária Paulo. O documento estava num envelope castanho, selado, de tamanho A4. Por esta razão, o Ministério Público acusa o médico de ser cúmplice dos referidos crimes.
Com a pena a aproximar-se do fim, os acusados reforçaram ainda mais o controlo dos espaços do recluso. Orientaram o oficial Domingos José Gaspar que contactasse o directoradjunto da cadeia de Viana, José Manuel Teixeira para que os ajudasse a chegar ao emissário das provas materiais. O que veio a acontecer às 9 horas e 30 minutos do dia em que Joãozinho foi solto.
“Significa que ao sair deste encontro, foi imediatamente ter com Quim Ribeiro e Caricoco, aos quais prestou as informações que colheu e serviram para planificar o linchamento do oficial superior Joãozinho, nas primeiras horas do dia seguinte como veio a acontecer”, detalhou.
De acordo com os autos, a planificação e execução de Domingos Francisco João e Domingos Mizalaque foi discutida pelos arguidos Quim Ribeiro, António João, António Rodrigues, João Caricoco, Sebastião Palma, Manuel Coceiro, José Gaspar, Nicolau Teixeira, António Simão, Eduardo Silva, João Caixa, Yuri de Matos e José Mateus, pela forma como estes responderem ao interrogatório na fase de instrução processual. O julgamento está a ser dirigido pelo tenente general Cristo António Alberto, coadjuvado pelos brigadeiros Francisco Augusto e Domingos Salvador da Silva, todos juízes-conselheiros do Supremo Tribunal Militar. A Procuradoria é representada pelo tenente general Adão Gabriel António, auxiliado por dois magistrados judiciais.
A equipa de advogados de defesa é constituída por Sérgio Raimundo, William Tonet, José Carlos Miguel, Constantino Mendes, José Manuel Ventura, Mariano Gomes, José Manuel, Cipriano de Jesus Pires, Casimiro Calei, Daniel Andrade. A assistência dos familiares das vítimas é constituída apenas por David Mendes e Afonso Mbinda.
PROVAS DO CRIME
O Ministério Público (MP) aponta como provas materiais dos crimes a autópsia dos cadáveres de Domingos Francisco João e Domingos Mizalaque, a conversa mantida entre alguns dos réus e uma agenda pertencente ao arguido Nicolau Abel Teixeira, supostamente encontrada numa das viaturas utilizadas pelos autores dos disparos contra as vítimas. Como prova documental foi também evocado o conjuunto de chamadas telefónicas dos réus fornecidas pela rede móvel Unitel, as relações das viaturas da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) orgânicas e apreendidas que os arguidos muitas vezes utilizavam com matrículas operativas (como aconteceu no dia do homicídio) e as cartas denúncias escritas pelo malogrado Joãozinho.
A fototábua elaborada pelos peritos Lourenço da Silva e Gaspar Lima apontam que foram três homicidas que dispararam contra a viatura emboscada e às duas vítimas. A mesma indica o tipo de arma utilizada, a falsificação das provas, as causas das mortes e a reconstituição do crime. Suspeita-se que a viatura seja uma Ford Ranger que se encontra apreendida, assim como algumas armas. O representante do Ministério Público salientou que os arguidos pretendiam fazer crer que os meios eram das vítimas, mas apurou-se que foram retiradas de um lote apreendido pelo Departamento de Investigação Criminal de Viana durante algumas micro-operações realizadas no mesmo município.
O Ministério Público tem ainda em sua posse uma presumível confissão do crime do arguido Domingos José Gaspar feita pelo director adjunto dos serviços prisionais, José Manuel Teixeira, e os invólucros e projécteis que terão sido usados na morte de Joãozinho e Mizalaque.