Washington - Na minha qualidade de líder da oposição na República de Angola, desejo transmitir ao povo americano, em especial aos homens de negócios, à academia e aos governantes, uma mensagem da maioria do povo angolano: em 2012, tem que haver mudança em Angola! A vontade real da maioria do povo angolano tem de ser reflectida em eleições livres, justas e transparentes, porque só assim será possível remover o regime do poder.
Fonte: Washington Post
Publicado no Washington Post
A pobreza extrema no campo e nas cidades num país tão rico como Angola, tem de acabar. A corrupção institucionalizada, que obstrói a concorrência e corrói a fibra moral e as receitas fiscais da nação, tem de acabar. Os constantes abusos dos direitos humanos – que já assumiram a dimensão de terrorismo de estado - têm de acabar. Este governo, que nunca foi eleito e muito menos reeleito e só conseguiu a maioria que tem com base em fraudes de grande escala já provadas antes, tem que devolver o poder ao povo e permitir o triunfo da democracia. Se o recurso à fraude continuar, o povo angolano jamais conhecerá o verdadeiro sabor da democracia e da liberdade.
O povo angolano – o meu eleitorado – tem que efectuar esta mudança pacificamente e por métodos democráticos. As décadas de conflito armado deixaram um triste legado de minas espalhadas pelo nosso solo e crianças criadas com doenças em vez de esperança.
Contrariamente ao que alguns países do ocidente pensam, Angola tem riqueza suficiente proveniente das suas reservas petrolíferas, diamantes, diversos recursos naturais, capital humano e oportunidades ilimitadas em várias áreas, desde o turismo à indústria transformadora. Os angolanos têm agora que implementar reformas sociais, políticas e económicas para poderem usufruir de um crescimento sustentável, criar empregos, eliminar a pobreza e promover o desenvolvimento humano por via de um sistema de educação sólido, competitivo e credível. Temos que transformar o nosso país num bom cidadão do mundo. O meu país tem o potencial de gerar riqueza para todos os seus filhos se os futuros governos finalmente começarem a governar pelo povo e para o povo, e não para si próprios.
Angola é um país rico, com cerca de 18 milhões de habitantes. Produz cerca de 1,8 milhões de barris de petróleo por dia. Uma geração depois da independência e dez anos após o calar das armas, 68% dos meus conterrâneos vivem agora abaixo da linha da pobreza. Angola é classificada em 158° lugar na lista dos países mais corruptos e menos transparentes do mundo, segundo a Transparency International Há imensos projectos em carteira na indústria mineira e não só, cuja implementação poderia servir de base para a expansão sustentada da economia, mas isso não acontece, devido aos altos custos da corrupção associados à sobrefacturação e altas comissões que têm de ser pagas aos membros do governo e suas famílias para a efectiva concretização de todo e qualquer projecto de construção e desenvolvimento.
Depois de 32 anos no poder, o Presidente José Eduardo dos Santos elegeu a si próprio como a fonte de todos os poderes do país, incluindo o poder institucional, administrativo, económico e político. Da última vez que enfrentou eleições presidenciais, e não obstante o controlo exaustivo que exercia na Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e de ser provado que o seu aparato manipulou electronicamente a contagem dos votos, o Presidente e o seu partido não atingiram o número de votos necessários para alcançarem a maioria parlamentar. A sua derrota na segunda volta seria virtualmente assegurada. Citando o vosso manual da CIA CIA Fact Book, que é público, o Presidente cancelou a segunda volta para se manter no poder. O CIA Fact Book também revela que os supostos detentores do poder judicial são escolhidos a mão pelo próprio Presidente, o que implica dizer que qualquer disputa eleitoral num tribunal angolano não irá longe. Aliás, a justiça angolana recentemente designou uma advogada do partido no poder como Presidente da CNE não obstante a lei dizer claramente que tal cargo deve ser ocupado por um magistrado.
Através do seu regime autocrático, o Presidente Eduardo dos Santos organizou uma nova eleição fraudulenta em 2008, mudou a Constituição a seu bel prazer, em 2010, passando a exercer desde então uma influência desmedida sobre o poder legislativo e judicial. Além disso, edificou um estado patrimonialista assente no clientelismo e no medo, onde a economia é controlada por uma só pessoa. É comum ouvir angolanos a emitirem a piada que a nossa democracia evoluiu “atípicamente, de comunismo para uma espécie de monarquia. Dado o poderio financeiro e económico que os filhos do presidente estão a acumular, abertamente, alguns questionam se esta piada não constitui já uma realidade.
O regime não democrático do Presidente Dos Santos, tem utilizado este curto periodo de paz para eliminar vozes discordantes, atentar contra os direitos e liberdades dos cidadãos, asfixiar partidos na oposição e intimidar física, financeira e psicològicamente adversários políticos e jornalistas independentes. O regime corrompeu a fibra social e moral da nossa sociedade, incluindo funcionários públicos e igrejas. Este clima produziu uma crise social e institucional sem precedentes, que é tão perigosa para a nossa estabilidade quanto foi a guerra no passado recente. Esta situação tem de ser corrigida.
Já se passou uma década inteira desde o fim da guerra civil em Angola. Os Acordos de Paz assinados em 1991 entre o Governo do Presidente Dos Santos e a UNITA – com a garantia dos governos dos Estados Unidos, União Soviética e Portugal – prometeram democracia e reformas económicas para o país num quadro de reconciliação nacional. Por analogia, podemos dizer que, se a fórmula da paz no médio-oriente é “Dá-me a Terra, Que eu te Dou a Paz”, a fórmula negociada para a paz em Angola foi “Dá-me a Democracia, Que eu te Dou as Armas”.
De facto, a UNITA desfez-se das suas armas, desarmou por completo a sua ala militar, e transformou-se numa organização institucional, cívica e politica, baseada totalmente na confiança que o meu eleitorado depositou na garantia oferecida pelos Estados Unidos. A UNITA juntou-se então aos partidos da oposição que exigem que o governo cumpra a sua promessa.
Esta promessa foi em vão. Depois de sucessivos atrasos, o meu país realizou as segundas eleições legislativas da sua história em Setembro de 2008, com o entendimento de que as eleições presidenciais viriam à seguir. A sociedade esperou em vão. O Presidente Dos Santos ignorou os apelos da comunidade internacional para que realizassem eleições presidenciais. Dois anos depois, em 2010, ele forçou uma revisão constitucional, por via da qual aboliu as eleições presidenciais directas e tornou-se de facto num presidente eterno, sem mandato. Nem a política africana nem a mundial precisam de mais outro presidente eterno.
Os interesses económicos do regime no poder em Angola carecem de alguma forma de legitimidade. Por isso, o presidente Dos Santos está a preparar eleições gerais para Setembro de 2012. Há escassos seis meses do pleito, está mais do que claro que não teremos um processo eleitoral sério, democrático e credível, porque: a) o partido no poder apoderou-se ilegalmente do controlo absoluto de todos os órgãos públicos de comunicação social, da mesma forma como os regimes leninistas controlam a propaganda política do partido-estado; b) aumentou a perseguição e a intimidação de adversários políticos e jornalistas independentes; c) o poder judicial reconduziu no cargo a actual Presidente da Comissão Nacional Eleitoral não obstante a lei eleitoral a desqualificar intencionalmente para o cargo; d) O governo impediu o acesso dos cidadãos ao Ficheiro Informático Central do Registo Eleitoral, vuja base de dados acredita-se não estar adequadamente protegida nem encriptada, o que permite a qualquer pessoa entrar no sistema e alterá-lo anonimamente e de forma invisível.
Considerando o facto histórico de que o Governo angolano manipulou as eleições anteriores (1992 e 2008) – que a União Europeia e outros observadores recusaram-se a qualificar de livres e justas – é difícil acreditar que o povo angolano obterá de facto a satisfação das suas aspirações de liberdade e democracia, que conquistou de armas na mão.
Os mediadores dos Acordos de Paz não podem permitir que o Presidente Dos Santos e o seu regime continuem a utilizar o espectro da guerra do passado para manipular o processo eleitoral e impedir que os angolanos exerçam o seu direito legítimo de operar mudanças no governo. A guerra acabou há 10 anos, mas o preço da paz continua por pagar. Dez anos depois da guerra, Angola precisa ainda de implementar as reformas estabelecidas nos Acordos de Paz, instituir de facto o Estado de direito e estabelecer um governo realmente democrático que permita em liberdade o surgimento de uma sociedade civil activa e de um sector empresarial privado dinâmico.
A actual situação de crise social e institucional aliada ao espectro de uma nova fraude eleitoral, constitui uma receita para a implosão social e a instabilidade.
Não podemos garantir a estabilidade política e social duradouras se continuarmos a viver num país onde o papel do governo é subvertido, onde não há instituições senão uma só – a pessoa do Presidente. Não podemos pedir ao nosso eleitorado para continuar a deixar os seus filhos morrer de má nutrição e de doenças perfeitamente curáveis, ou à fome, todos os dias, enquanto que os filhos do presidente enchem as suas contas bancárias com dinheiro público e são treinados para o suceder no trono. Os nossos valores – iguais aos vossos- são ofendidos sempre que adversários políticos são espancados e abusados; quando jornalistas são forçados a deturpar a verdade para manterem o emprego; e quando uns poucos controlam toda a riqueza nacional, enquanto que a maioria vive em pobreza extrema e são forçados a encontrar divertimento e dançar entre minas anti-pessoais e campos agrícolas abandonados.
Nós podemos – e devemos – evitar os ventos da Primavera Árabe por aprender das suas mais profundas lições enquanto enfrentamos o nosso cacimbo. É verdade que cabe aos angolanos, e só eles, a responsabilidade de efectuar a mudança que Angola reclama. E a UNITA está pronta para fazer a sua parte. Todavia, considerando a história, a geografia, o potencial económico de Angola e o papel histórico que os Estados Unidos assumiu em ajudar Angola a sair da Guerra Fria, a comunidade internacional também tem um interesse significativo no sucesso de Angola.
Angola encoraja as empresas americanas, as ONGs, a comunidade académica e as instituições do governo americano, a utilizar o seu peso político e exercer a sua influência credível, para, de forma independente garantir que:
a) Angola estabeleça de facto o regime democrático que prometeu;
b) o processo eleitoral volte aos carris, seja e continue transparente e credível;
c) a sociedade civil e os partidos da oposição tenham acesso a recursos e treinamento adequados para desenvolverem as suas actividades e cumprirem com o seu papel constitucional;
d) que a corrupção crónica páre; e, por fim,
e) que o desenvolvimento económico se traduza no progresso social para a maioria dos
cidadãos angolanos.
O povo angolano pede que a comunidade internacional o apoie na sua luta contra o autoritarismo e não seja parte interessada na consolidação do mesmo.
Tendo-se calado as armas, ajudem o triunfo da democracia!
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