Luanda -  O meu artigo da semana passada irritou alguns oponentes radicais e sectários do actual governo angolano. Outros “opinion makers” locais, que realizam o mesmo esforço de equilíbrio que tenho procurado manter em relação à situação global do nosso país – o que, como disse no texto anterior, não é fácil em tempos de crispação política -, foram alvo da mesma reacção, a qual, em muitos casos, atingiu a fúria, a grosseria e a indigência argumentativa.


Fonte: Novo Jornal


ImageUm ou outro desses adversários do governo tentou reagir com ironia, como os que alegaram que a constituição angolana não prevê “contramanifestações”. O argumento é risível, pois é óbvio que a expressão se refere à possibilidade de realizar manifestações deliberadamente contra outras manifestações. Em todo o lado há exemplos desses, por que razão teria de ser diferente em Angola? Entretanto, neste caso, valeu pelo menos a tentativa de recurso ao humor – atitude e “ferramenta” que muito prezo -, embora mal sucedida.


Antes de quaisquer outras considerações, portanto, e “só para dar mais raiva”, formulo a inevitável pergunta: que democratas são esses?


Parte da irritação a que me refiro deve-se à ignorância pura e simples. Mesmo levando em conta que as palavras são simbólicas (logo, passíveis de várias leituras), algumas pessoas, lamentavelmente, não sabem sequer interpretar um texto, quanto mais tentar captar a estratégia de comunicação (e política, no sentido amplo) por detrás daquilo que lêem. Mas vou arriscar: a maioria desses oponentes radicais e sectários do actual governo acaba por ter a mesma postura que critica, às vezes com razão, mas nem sempre, no partido no poder. Tenho de insistir, por isso, numa tese que há muito defendo: em Angola, o défice de cultura democrática é um problema transversal e não estritamente partidário. Para que conste, pois, vou esclarecer duas coisas.


Primeiro: defendo, sem quaisquer ambiguidades, o direito dos cidadãos à manifestação, como está consagrado na constituição angolana. Os temas de qualquer manifestação também não podem ser limitados, isto é, os cidadãos têm o direito de manifestar-se sobre tudo aquilo que entenderem. Por outro lado, as manifestações devem ser realizadas de maneira pacífica. Os agentes do Estado não devem reprimir as manifestações pacíficas e ordeiras. Se, eventualmente, as manifestações fizerem parte de alguma estratégia “conspirativa” e “criminosa”, nos termos da lei, os seus responsáveis devem ser detidos e julgados e não espancados. O único caso em que a repressão policial se justifica é quando e se os manifestantes também recorrerem à violência, depredando bens públicos ou privados ou atacando os agentes da ordem. Por fim, se houver confrontos entre manifestantes pró e contra, a polícia deve intervir, para repor a ordem e a tranquilidade.


Segundo: embora defenda o direito geral à manifestação, qualquer que seja o tema ou as “bandeiras” defendidas pelos manifestantes, discordo em absoluto, no caso das actuais manifestações antigovernamentais realizadas em Angola, de reivindicações inúteis e, em certos casos, golpistas, como a exigência da saída do presidente José Eduardo dos Santos sem eleições. Não partilho, igualmente, da violência verbal e física, assim como da boçalidade dos argumentos e dos gestos, que alguns “jornais” (as aspas são intencionais) locais, na sua conhecida estratégia de criar “excitação” social e política, não hesitam em estampar nas suas páginas.


Dito isto, não escondo que me senti pessoalmente reconfortado com as conclusões da última reunião da Conferência Eclesiástica de Angola e São Tomé (CEAST) sobre o assunto. Como foi noticiado, a CEAST manifestou expressamente “alguma apreensão quanto à forma violenta como são realizadas e reprimidas algumas manifestações de alguns grupos de cidadãos, nas cidades de Luanda e Benguela, apelando ao respeito da dignidade alheia, à calma e ao diálogo pacífico”.       


Não tenho dúvidas de que essa posição corresponde ao sentimento da grande maioria da população. Ou seja, os cidadãos não aplaudem os excessos repressivos com que alguns agentes do Estado, minoritários e desprovidos de uma autêntica estratégia política, gostariam de lidar com o fenómeno das manifestações, mas também não estão dispostos a embarcar em radicalismos insensatos e vazios de conteúdo, cujas consequências são facilmente previsíveis, para quem possui a consciência política madura e refinada dos angolanos, fruto da sua experiência histórica.

Está claro?