O MPLA, tendo em conta aspectos-chave da realidade angolana, dispunha de condições privilegiadas para sair vencedor das eleições, nomeadamente a vantagem que lhe advinha do controlo do sistema eleitoral; conjugado com a hegemonia do Estado e da administração, tal controlo conferia-lhe a possibilidade real de praticar irregularidades e fraudes.

Desorganização em Luanda foi aproveitada como cortina de fumo

 

De acordo com métodos de acção inerentes à cultura e à praxis do MPLA, o cenário do recurso fraude como estratagema a usar para prevenir um embaraço semelhante ao do Zimbabué, foi iludido com uma intensa exploração propagandística de ideias que associavam o processo eleitoral angolano a uma legalidade exemplar.

A fraude, sob múltiplas formas, algumas das quais descritas como grosseiras, ocorreu especialmente nas províncias. O alarido público gerado pela desorganização verificada em Luanda, foi aproveitado como cortina de fumo para o que estava a passar-se nas províncias; e também como pretexto para estender a votação para dois dias (outro factor propiciador da fraude).

2 . O gordo resultado eleitoral do MPLA é, de per si, passível de suscitar dúvidas sobre a autenticidade do processo e, por acréscimo, de o desacreditar. Tendo em conta a possibilidade efectiva que o MPLA tinha de ser artífice do seu resultado, o que foi anunciado pode não ter sido o pretendido; ou era, mas foi mantido em segredo. No caso de não ter sido o resultado pretendido (bastava uma maioria qualificada), o episódio é atribuído a factores como os seguintes:
- Excessos de zelo do staff do MPLA mobilizado para o acto eleitoral, a todos os escalões (grande fixação no objectivo de assegurar a vitória, a que correspondeu uma proliferação superior de expedientes).
- Grande desmobilização e não comparência nas assembleias de voto por parte da base eleitoral dos partidos da oposição, em especial a UNITA, como reflexo de acções de coacção e aliciamento do antecedente (a grandeza da desmobilização da oposição proporcionou o excesso da mobilização do MPLA).

As conjecturas segundo as quais o resultado anunciado reflecte um cálculo é, porém, a mais plausível. A surpresa com que o mesmo foi acolhido em meios do regime decorre do facto de ter sido mantido em segredo estrito pelos meios presidencialistas do sistema – um cuidado destinado, sobretudo, a não criar alarme interno.

Sectores do regime considerados não afectos ao círculo presidencial ou distantes do mesmo, encaram com inquietação o resultado eleitoral do MPLA, ao qual associam “virtualidades” para saneamentos internos destinados a atingi-los – por via da constituição da nova bancada parlamentar e do próximo governo.

A ala presidencial do regime não nutre simpatia pelos modelo ocidental de democracia multipartidária ou parlamentar. Adopta-o na aparência, mas prefere uma democracia autoritária (tipo Putin, conforme é dito). A UNITA, na sua expressão política anterior (c 60 deputados, agora c 20), pronunciava o modelo parlamentar da democracia.
A redução da UNITA a uma expressão menor, paralela à quase extinção de outro partido histórico, a FNLA, e à derrocada da FpD, também permite a José Eduardo dos Santos (JES) e ao seu círculo preponderar no MPLA e no regime. A UNITA e a oposição em geral perdem importância como alento ou respaldo moral para sectores contestatários do próprio regime.

JES apropriou-se da vitória do MPLA, não dando visibilidade na campanha a nenhuma figura importante do partido e marcando ele próprio presença activa na última semana da campanha. No comício de encerramento da campanha e em declarações de circunstância no momento em que votou sobressaem duas ideias:

- As eleições iriam permitir uma consolidação de democracia (prevenir dúvidas acerca do rumo futuro do país, no quadro de uma posição de grande domínio do MPLA).

- O regime precisa de ser moralizado (justificar, com uma boa razão, afastamentos e nomeações que se avizinham).
Do conceito de consolidação da democracia que se supõe estar na mente de JES também faz parte uma revisão da constituição, que até ao presente sentiu dificuldades em pôr em marcha. O projecto conhecido reforça os poderes do PR (estabelece novos poderes e dá forma de lei a outros, exercidos numa base informal).

Há conhecimento de alguns desabafos de JES, nomeadamente junto de personalidades internacionais, de acordo com os quais a corrupção no país seria mais eficazmente combatida através de uma evolução do regime no sentido de lhe dar mais coesão e assim unidade de comando.

3 . Além do controlo cerrado do sistema eleitoral e do aparelho do Estado (incluindo o uso de fundos públicos), como condição basilar para “produzir” um resultado, o MPLA e o regime aplicaram-se também em “branquear” tal evidência e em garantir a aceitação do resultado – o que conseguiu com o recurso a expedientes como os seguintes:
- Alinhamento notório dos grandes
meios de comunição social nacionais (mcs) com os seus interesses e conveniências; o intento principal foi o de sublimar a pujança do MPLA e apoucar a oposição.

- As restrições calculadas a que a observação internacional do processo foi sujeita; idem em relação à cobertura do acto eleitoral por parte da imprensa internacional (rumores de que houve discretas interferências na própria escolha de enviados de grandes mcs internacionais).

- A certeza de que o acto eleitoral e o resultado subsequente seriam reconhecidos como válidos por parte de organizações como a CPLP, SADC, e OPAC ou mereceriam o beneplácito de países como Portugal e Brasil - condicionando assim pareceres considerados mais incertos, de outras organizações e governos.

Em meios de Luanda com habilitado conhecimento do assunto, circulam rumores, não verificados, de acordo com as quais a atitude inicial de reserva da chefe dos observadores da União Europeia, deu lugar a múltiplas diligências, a todos os níveis, tentando moderá-la.

A partir de sábado, 6.Set, foram igualmente referenciadas múltiplas acções envolvendo figuras da elite política e económica angolana junto de indivíduos e/ou meios de influência em países considerados “decisivos” (Portugal entra na classificação), tendo em vista propiciar uma rápida aceitação dos resultados.

O pensamento corrente entre os responsáveis políticos angolanos (idem na elite identificada com o regime), é o de que o país tem importância económica suficiente para dar azo a actos céleres de reconhecimento das eleições por parte dos seus principais parceiros, assim condicionando actos de países aos quais Angola não está ligada por interesses.

4 . No plano interno, preocupação prioritária do regime no decurso do acto eleitoral e no rescaldo do mesmo, consistiu em prevenir manifestações populares de agitação ou de violência – um objectivo destinado a “facilitar” a aceitação internacional do resultado. Nesta missão esteve especialmente envolvida o Sinfo e a Polícia.

Prevê-se que o desfecho das eleições em Angola, em particular a cilindragem das oposições, venha a provocar um retrocesso de tendências que se vinham manifestando ultimamente no sentido de tornar mais transparentes as eleições em África – mesmo apesar de outros países não disporem de capacidade de manobra equivalente.

Fonte: África Monitor