Luanda  - A somente agora revelada atribuição, pelo Conselho de Ministros, do estatuto de instituição de utilidade pública à Fundação Africana de Inovação, uma desconhecida fundação criada por José Filomeno dos Santos (Zenu), é apenas a mais recente manifestação de abuso de poder por parte do Presidente da República.


Fonte: Makaangola.org


Ao longo do seu consulado, mas sobretudo nos últimos anos, o Presidente da República tem-se multiplicado em iniciativas que concedem absurdos e inexplicáveis privilégios aos seus familiares diretos e pessoas de sua confiança.


Com a cobertura do pai, Isabel dos Santos, a primogênita de José Eduardo dos Santos, criou, em escassos anos, um dos mais maiores e diversificados impérios empresariais existentes no mundo. O seu império estende-se pelas telecomunicações (UNITEL), diamantes (ASCORP, Camafuca, etc.), limpeza e saneamento básico ( Urbana 2000), banca (BIC, BIC Portugal, BFA, BESA). A “Princesa”, como também é conhecida a primogênita do PR, estendeu os seus tentáculos à empresa de cimentos Nova Cimangola e, no domínio do imobiliário, dá cartas na SODIMO. O seu mais recente “hobby” no domínio da mídia foi a criação da ZAP, uma plataforma de distribuição de conteúdos televisivos.

 

Mas Isabel dos Santos não tem sido a única beneficiária da condição de filha do Presidente da República. Os seus irmãos Zenu, Tchizé e Zedú também têm sido generosamente contemplados. Eles são detentores de património pessoal e empresarial incalculável.

 

Quando em 2009 fingiu olhar para o lado para que o então ministro da Comunicação Social doasse o Canal 2 e a TPA Internacional a Tchizé e Zedú dos Santos pensou-se que o pai-Presidente tivesse apenas cedido a devaneios e caprichos passageiros dos seus filhos. Nada mais falso. Hoje, quer o Canal 2 quer a TPA Internacional são valas sem fim para onde o Orçamento Geral do Estado – por via do Ministério da Comunicação Social e da própria Presidência da República – drena anualmente milhões e milhões de dólares. Essa sangria de fundos públicos pode ser interpretada como a recompensa do país ao génio empreendedor dos dois filhos de José Eduardo dos Santos, segundo a inteligente sugestão do então chefe da bancada parlamentar do MPLA e actual ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa.


Em cima da massa, como diz o linguajar popular, também está o filho varão do Presidente da República. José Filomeno dos Santos, vulgo Zenú, é o dono do banco Kwanza Investimentos, além do seus conhecidos interesses na construção civil. Recentemente veio a público que a sua próxima incursão será na área da comunicação social.


O círculo dos mais endinheirados empresários angolanos é fechado por pessoas muito próximas a José Eduardo dos Santos de entre as quais avultam os generais Kopelipa (ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República), Dino Fragoso (ex-chefe das Comunicações da Presidência da República e atual assessor do chefe da Casa Civil) e Manuel Vicente, o recém nomeado ministro de Estado da Coordenação Económica e Produtiva..


Sob a batuta do Presidente José Eduardo dos Santos a fusão de interesses públicos com privados, o livre arbítrio e o nepotismo tornaram-se rotina e num manual de conduta.


Àqueles que assistem, impávidos, aos festival de privilégios que José Eduardo dos Santos se atribui a si, aos familiares e aos seus cortesãos convém chamar a atenção para a leitura de O Poder e a Doença.


O autor, David Owen, antigo secretário dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido (1977 a 1979) e neurologista de profissão, fala de uma doença que afecta políticos com altas responsabilidades governativas.


A palavra Hybris, o nome da doença, foi primeiramente usada pelos gregos para definir o herói que conquista a glória e que, inebriado pelo poder e pelo êxito, começa a comportar-se como se um deus fosse, capaz de qualquer coisa.


Desenvolvendo o conceito, David Owen diz que, geralmente, a doença de Hybris começa com megalomania e termina numa acentuada paranóia. Owen caracteriza o síndrome de Hybris como uma “das desordens de personalidade mais inquietantes”. Este síndrome também pode ser classificado como uma variante de “intoxicação de poder”, que se traduz em auto-confiança desmedida, cujos sintomas mais comuns são o isolamento, o déficit de atenção e a incapacidade para escutar os próximos ou os especialistas.


“Chega um momento em que aqueles que governam deixam de ouvir, tornam-se imprudentes e tomam decisões por sua conta e risco. E mesmo que as suas decisões se revelem erradas, que não tenham servido para nada, eles nunca reconhecerão os seus equívocos e continuarão a pensar que estão na senda da verdade”.

 

E quem são os políticos mais propensos a essa doença? O livro de Owen dá a resposta: é mais propenso ao síndrome de Hybris a “pessoa que de repente alcança o poder”. Owen diz que no princípio essa pessoa é tomada pela dúvida sobre se estará à altura da nova responsabilidade. “Mas logo abandona a dúvida quando a legião de incondicionais que o cerca não param de felicitá-lo, dar-lhe palmadinhas nas costas e reconhecer-lhe enormes virtudes. É então que a pessoa, que antes duvidava da sua capacidade, se transforma e começa a pensar que chegou ali por mérito próprio. E uma vez que os elogios não cessam, o homem começa e ver-se como rei da farra que está acima de todos”.

 

Depois deste primeiro estágio, o homem passará para outro em que acredita totalmente em tudo o que faz, diz e pensa. O seu narcisismo diz-lhe que sem ele nada sobreviveria e tudo iria abaixo. Nessa altura ele acredita já ser insubstituível e torna-se intolerante para com todos os que discutam ou rebatam as suas ideias.


David Owen diz que entre os estadistas já acometidos por esse transtorno figuram Winston Churchill (antigo primeiro ministro britânico), John Kennedy e George Bush Jr., ambos antigos presidentes dos Estados Unidos. Todos eles eram líderes “que não escutavam, que não aceitavam decisões que não fossem as suas, que acreditavam que eram donos da verdade absoluta, que não davam o braço a torcer, que ficavam cegos diante das evidências, que confundiam a realidade com a fantasia”.


No caso angolano não há a menor evidência de que o Presidente José Eduardo dos Santos padeça do síndrome de Hybris. Contudo, alguns dos seus comportamentos sugerem alguma preocupação. O festival de distribuição de benesses e privilégios aos seus filhos e cortesãos mostra que deixou de ver os limites do que é digno e indigno. Ele subiu a um pedestal a partir do qual julga que tudo lhe é permitido. Tem à volta uma corte reverencial que o induz a crer que é um deus e que as outras pessoas são instrumentos para os seus desejos. Mas David Owen alerta: “Para essas pessoas tudo irá bem enquanto desfrutarem das extravagâncias do mando e posso, mas mal perdem o poder começam as suas visitas ao psiquiatra para cuidar a depressão”.