Luanda  - No futuro, se a proposta da bancada do MPLA de estatuto dos deputados vier a ser aprovada, os parlamentares (bem entendido, da oposição) que abandonarem uma sessão no momento da votação de qualquer diploma legal serão penalizados. Entre as reprimendas sugeridas a lápis vermelho pelo MPLA aos seus colegas que abandonem as sessões parlamentares no momento das votações figuram uma lista de castigos em ordem crescente: advertência e censura registada, podendo-se seguir suspensão ou mesmo descontos salariais.


Fonte: Makaangola.org


ImageOs parlamentares da oposição são deste modo tratados como insubordinados simplesmente por não se dignarem dar o benefício da sua presença em votações de diplomas com os quais não concordam. O despropósito desta inusitada iniciativa só poderia ter lugar num país onde a democracia conjuga com unanimismo, ausência de contraditório e, pior que isso, posturas disciplinadoras.


Trata-se de mais uma iniciativa que atesta a sobranceria dos seus autores, mais propensos nos tempos que correm à intolerância e ao arbítrio, do que à disputa pacífica de ideias e políticas, como ficou bem ilustrado nas agressões físicas gratuitas a cidadãos indefesos que se manifestaram recentemente em Luanda e Benguela.


Para os potentados do pensamento único, insatisfeitos com a maioria de 92 e incomodados com os poucos votos da oposição, torna-se preciso “pôr na ordem” os deputados das demais bancadas parlamentares.


O que dirão, por exemplo, da Europa, quando ainda há poucos dias (29 de Março) algumas dezenas de parlamentares espanhóis declararam em alto e bom som a sua não participação nas sessões parlamentares, por terem ido para as ruas apoiar a greve geral convocada pelas duas centrais sindicais contra a reforma laboral e as medidas de austeridade do governo recentemente eleito de Mariano Rajoy, líder do Partido Popular?


É claro que esta tentativa abusiva, política e moralmente, de disciplinar as atitudes dos parlamentares da oposição, mereceu as críticas mais veementes, de diversas bancadas da oposição, desde a UNITA à FNLA e PRS, que a consideraram como um atentado à liberdade, independência, autonomia e dignidade dos deputados, num Estado que se pretende democrático e de direito. Uma atitude secundada por observadores de diversos quadrantes.


A pretensão de disciplinar os deputados da oposição, infelizmente, não parece ser um acto isolado. Ela surge num contexto em que, tanto no plano político como pelo viés jurídico-legal, e sobretudo no plano prático do exercício da cidadania e das liberdades consagradas na Constituição, se assiste a um cerceamento sistemático e recorrente do espaço democrático. Um verdadeiro retrocesso.


Só a resistência solidária dos cidadãos, pela democracia, pode obstar os saudosistas do unanimismo. Daquele tempo em que, como me contou certa vez no seu humor cáustico o saudoso poeta Aires de Almeida Santos, quando ia para a velha Assembleia do Povo e cansado, ao fundo, às vezes se lhe fechavam os olhos. Quando despertava, tudo tinha sido aprovado por unanimidade.

 

Nota: Este artigo não chegou a ser publicado na última edição do semanário A Capital, alegadamente por ter sido enviado tardiamente.