Luanda - Onde anda Augusto Viana (na foto)? Este semanário tentou contactar esta figura hoje tida como a testemunha chave do caso Quim Ribeiro, actualmente em julgamento. Enquanto não foi convocado ele se tem mantido longe das luzes da ribalta. Mas pessoas que lhe são próximas garantem que ele está bem, e goza de boa saúde e que se mantém disposto a revelar tudo quanto sabe sobre o caso.


*Mariano Brás
Fonte: A Capital


Tanto quanto a nossa fonte sabe, ele pretende manter a sua oposição inicial, acusando Joaquim Ribeiro de ter ficado com parte importante do dinheiro e de ter dado ordem para assassinar Joãozinho que, segundo a acusação de Viana, foi executada por Caricoco e Paulo Rodrigues.


Segundo a fonte, tudo o que se diz, nestes momentos, em tribunal, não constituem novidade, já que se trata apenas da confirmação do que foi apurado antes na fase de instrução processual.

 

Quanto às palavras de declarantes segundo as quais Viana gritava que “é muito dinheiro, nunca vi na minha vida, também quero ou tenho que ser general”, a fonte referiu que se referia, então,  a “Quim Ribeiro que ficou com o dinheiro por ser a entidade máxima”.

 

“É intenção da defesa descredibilizar e exigir a prisão de Viana, mas nada disso será possível porque se o Viana cometeu algum crime foi de omissão e ter denunciado uma rede de malfeitores existentes numa instituição castrense como a Polícia Nacional”.


E mais disse a fonte: “ele não participou na operação do dinheiro e muito menos na execução de Joãozinho, está bem e não teme quanto ao seu futuro, pois quem não deve não teme”. 


A fonte, citando uma conversa que manteve com Viana, afirma  que nenhum dos 21 réus é inocente. “Muito menos Quim Ribeiro está a ser vítima de cabala”. Se ele insiste nisso, “então é vítima de uma cabala montada por ele próprio”.

 

O calvário de Jesus


Felipe Jesus Fernandes ostenta a patente de superintendente chefe na Polícia Nacional. Lutero José é subinspector. Mas nem a inferioridade hierárquica, nem a diferença de patentes impediu o segundo de dar ordem de prisão contra o primeiro, sem qualquer ordem superior, recorrendo, apenas, ao seu livre arbítrio. Esta é mais uma revelação que se junta a um rol de tantas outras que têm sido feitas desde o início do julgamento do caso Quim Ribeiro.


Felipe Jesus Fernandes, vulgarmente conhecido como Jesus lá pelas bandas do Comando Geral da Polícia Nacional, onde está colocado actualmente, foi chamado na qualidade de declarante pelo tribunal que julga o caso. Na Base Naval da Ilha de Luanda, Jesus contou tudo quanto lhe competia a respeito do caso, bem como denunciou as sevícias pelas quais passou, que incluem ordem de prisão e humilhação infringidas por um colega que é seu inferior, do ponto de vista hierárquico.


Segundo revelou, tudo começou quando se apercebeu de uma operação policial, realizada no município de Viana, com característica de ter sido subvertida para um autêntico roubo. No dia 22 de Agosto de 2009, António Garcia, seu primo, contou-lhe que um grupo de agentes e oficiais da Polícia invadiram a residência de uma família e de lá saíram com avultadas somas em dinheiro, além de outros bens materiais, incluindo documentos pessoais importantes.


António Garcia era, entretanto, amigo de um primo do casal cuja casa tinha sido, então, invadida pelo grupo de polícias. Esse amigo, apenas identificado como Tiago, recorreu a si na perspectiva de obter ajuda para os donos da residência assaltada, Fernando e Teresa. Foi assim que a história chegou ao conhecimento de Felipe Jesus Fernandes. Soube, através destas conversas, da existência do subinspector, identificado como Lutero José, que não satisfeito com o saque efectuada à família ainda exigia dela mais 100 mil dólares para devolver os documentos surripiados.


Felipe Jesus Fernandes não teve meias medidas. Em posse da informação, recorreu ao seu antigo amigo, como o identificara antes, que não é senão Augusto Viana Mateus, então comandante da divisão policial de Viana. Mas este não se encontrava no seu gabinete. Jesus recorreu ao seu irmão Felisberto Augusto que, naquele mesmo comando, chefiava o departamento de Estudos, Análise e Informação. Partilhada, com ele a informação, Felisberto Augusto manifestou estranheza. Pelo seu cargo, deveria ter sido posto ao corrente da operação realizada mas, também, da apreensão de valores e bens.

 

A alternativa telefónica para contactar o comandante de divisão funcionou, felizmente. Augusto Viana Mateus e Felipe Jesus Fernandes combinaram encontrar-se no outro dia, numa altura em que Viana perspectivava estar no seu gabinete. Encontraram-se no dia e hora combinados. Jesus fazia-se acompanhar do seu irmão Felisberto Augusto. Augusto Viana Mateus estava sozinho. Posto ao corrente do assunto, o comandante mostrou-se surpreso e insistiu, mesmo, em ligar para o seu superior, no caso para Joaquim Vieira Ribeiro. Mas foi Jesus a solicitar que não o fizesse já. Primeiro, sugeriu, era necessário  auscultar o próprio Lutero José e confirmar a veracidade da informação que o tinha levado para o comando municipal. Novo encontro foi marcado para o dia seguinte.


Quando lá chegou, no dia seguinte,  deu de caras com duas figuras conhecidas a saírem da sala.  Tratavam-se de Caricoco e Paulo Rodrigues, hoje réus no processo. Jesus, conforme contou  não fez caso. Mas ficou constrangido ao encontrar na sala, em amena cavaqueira com Augusto Viana, o subinspector Lutero José. E a história passou-se assim, tal como ele revelou ao tribunal. O Viana disse, imediatamente, ao Lutero: “olha, este é o colega que disse que você está a pedir 100 mil dólares a uma família para devolver uns documentos”. Depois, virando-se para ele, acrescentou: “primo Jesus, lhe conta”.


No Sábado, dia em que decorria esse encontro, Jesus se tinha feito acompanhar de quatro jovens, na condição de testemunhas da família e, claro, da chantagem de que Lutero José era acusado. O denunciante ficou sem capacidade de reacção ao ouvir as declarações do comandante Viana. “Não teve o melhor comportamento”, comentou. Ainda assim, ganhou coragem e lá contou tudo o quanto sabia sobre o caso. Mal terminou, começou o seu calvário, aqui descrito pelo próprio: “você, Jesus quer me deixar mal perante o comandante Viana. Onde estão os miúdos que denunciaram?”, contou, citando textualmente as palavras de Lutero José.


Assustado, Jesus saiu do gabinete e foi ao encontro dos quatro jovens que o acompanhavam e que, de momento, aguardavam no pátio da esquadra. Junto deles, Lutero emitiu uma ordem de prisão. “Vocês estão presos”, contou Jesus este que denunciou, ainda, o facto dos jovens terem sido agredidos naquele mesmo instante, tanto por Lutero como por outros oficiais, entre os quais, Augusto Viana e um apenas identificado como Grego. Os jovens foram, de imediato, encaminhados para uma cela, acrescentou o declarante.


Ele, Jesus, passou a ser hostilizado naquele momento. Segundo ele, o Lutero chamou todos os nomes possíveis e imaginários. “Disse que eu era um filho da p..., analfabeto de merda” e, quando se cansou, deu-lhe ordem de prisão. “Você também está preso”. Mais do que isso exigiu ao seu superior hierárquico que retirasse, dos ombros, as patentes que exibia. “Tira essa merda, seu burro, seu à-toa”.


Tão realista era a história contada pelo declarante que o juiz ficou boquiaberto. Entretanto, questionou-o sobre as razões de não ter reagido, tratando-se, afinal, de um oficial de patente superior comparativamente com o seu oponente. Mas Jesus respondeu prontamente: “não sou uma pessoa de levar desaforo para casa, Venerando juiz. Naquele dia, porém, fiquei calmo porque eles alegaram que o dinheiro decorria de desvio do caso BNA e alegavam estar envolvido muitos oficiais superiores da Polícia. E, para não ser acusado disso, optei por me manter calmo”.


Ainda assim, o juiz não se deu por satisfeito. “E o comandante Viana, o que disse a respeito?”, questionou. E Jesus respondeu: “apenas gritava que era muito dinheiro, que também queria ser general, que nunca tinha visto tanto dinheiro na sua vida”, revelou o declarante.


Mas o cortejo de maus tratos continuou até que a mulher de Jesus, que assistia incrédula ao filme, ameaçou fazer uma chamada para o comissário Joaquim Ribeiro. “Eles pararam de me humilhar”, contou. “E me disseram para ficar no gabinete do meu irmão até novas orientações”. Partiram, então, em busca do proprietário da residência onde se encontrou o dinheiro, cujo paradeiro era dado como incerto. “Só regressaram às 22 horas”, afirmou. Porém, bem antes disso, e em conexão com o Felisberto Augusto, seu irmão, o oficial lá conseguiu escapar das garras do enraivecido oficial subalterno.


Temendo pela sua vida, tão logo o sol nasceu, Felipe fez-se ao gabinete de Joaquim Vieira Ribeiro, então comandante provincial de Luanda, com o objectivo de pô-lo ao corrente dos factos. “O comandante ficou extremamente surpreendido. Pediu-me para escrever para o departamento de inspecção do Comando Provincial para abrir um processo disciplinar contra Lutero. Mas também já me tinha garantido para ficar descansado, que nada de mal me aconteceria”.

“Estou traumatizado”

Na quarta-feira, 25, António Garcia foi chamado a depor no tribunal. Ele é o primo de Jesus e um dos quatro jovens que o acompanharam à romaria desastrosa pela divisão policial de Viana. Perante o juiz, ele confirmou tudo o que Felipe Jesus Fernandes contou e acrescentou que, no dia em que receberam ordem de prisão, foram colocados numa sala onde foram espancados por um grupo de polícias, entre os quais Lutero, Grego e “outros tantos de que já não me lembro”.


O espancamento foi de tal ordem que, tanto tempo depois, ele ainda se sente traumatizado, a ponto de não conseguir esquecer. “Ficamos por lá uns cinco dias. Os senhores Lutero e mais um Polícia queimado no rosto e nos braços, não nos deixavam em paz”. Segundo contou, eram acordados de madrugada. “tiravam-nos da cela e batiam-nos muito com coronhada de pistola na cabeça, ameaçavam  matar-nos, pondo a pistola na boca. Diziam-nos para ficarmos calados”. Lembrou-se ainda que, numa certa noite, levaram o jovem Tiago, que era familiar dos donos da residência vandalizada, até à esquadra do Cazenga. Ali, foi “cruelmente espancado”, retratou, dirigindo-se para o juiz.


Garcia disse que, como consequência das sevícias por que passou, perdeu 50 por cento da visão e, hoje, ainda vive com fortes dores no corpo. “Não consigo ver devidamente, ler e trabalhar porque sinto fortes dores no corpo”. Mais contou ainda que, no dia em que fomos soltos, o senhor Sebastião Palma, também réu no processo, foi ter comigo e se assustou pela forma como me encontrava. “Ainda assim me disse para não procurar a imprensa e se tiver sentir-me pior para ligar-lhe. Deu-me o seu contacto telefónico”.


Ao ser ouvido, por sua vez, em tribunal, o intendente Felisberto Augusto, irmão de Jesus, disse que acompanhou o episódio narrado pelos declarantes. Porém, esclareceu que, em momento algum, viu Augusto Viana a bater nos jovens. Apenas reafirmou que não tinha sido informado sobre a operação, tão pouco viu o dinheiro dela resultante.


Troca de mimos


Ao longo dos três meses de decorrência do julgamento, os militares afectos à base naval de Angola, destacados para garantir a segurança da sala de audiência, têm adoptado uma postura pouco dignificante para a assistência. Além das revistas descaradas e do facto de terem de deixar os respectivos haveres à porta, registam-se atitudes que acabaram por gerar um certo burburinho na sala.


No passado dia 19, o réu Yuri Vilarigues, que se mostra adoentado, não pode receber a medicação das mãos da sua esposa que, em certa medida, foi ferida na sua dignidade por um dos militares. Em reacção, o mais jovem dos 21 réus do processo quase que investia contra o militar, mas foi travado a tempo pelo comissário Joaquim Ribeiro que impediu que Yuri fizesse uso das técnicas de judo que domina, enquanto cinturão negro.


Na terça-feira, o drama continuou. As esposas dos réus foram impedidos de sair da sala para as casas de banho, sob pena de não poderem regressar mais ao palco das audiências. Por pouco o caldo não entornou. Lango Caricoco, enraivecido, ameaçou bater num dos oficiais e valeu, mais uma vez, a intervenção de Joaquim Ribeiro para que o pior acontecesse. Os 21 arguidos ameaçaram boicotar as audiências caso o tribunal não rever tais posições. A ideia era furtarem-se das audiências e, consequentemente, serem julgados à revelia. Ao que tudo indica, tal atitude extrema não foi necessária. No dia seguinte, as coisas mudaram drasticamente. Por agora,  já se pode ir à casa de banho, assim como já se pode entrar na sala com a carteira e chaves do carro.