Luanda  - O conceito de lusofonia sempre foi colonialista. O prefixo «luso» era representativo da presença dominadora portuguesa nos territórios colonizados. O «novo conceito» é um projecto saudosista, principalmente de Portugal.

 
Fonte: SA

 
Há muito que vivo a matutar sobre «lusofonia». Na verdade desde que descobri que penso. E nessas «matutadas» adentrei o campo da  psicolinguística e a conclusão é só uma: Angola não é um país lusófono. Nem os outros países de língua portuguesa deveriam aceitar ser chamados de «lusófonos», fora da conotação de simples figura de estilo. A «excepção» fica mesmo só por conta - exclusiva e naturalmente - de Portugal: o único país realmente lusófono.
 

Afinal, derivada do latim, «lusofonia» é a composição de «luso» (referente a Portugal; o mesmo que lusitano, lusíada; portanto, o mesmo que português) e de «fonia» (voz ou, neste caso, língua). Isso quer dizer que «lusofonia», no sentido lato, quer dizer língua de Portugal. Língua de Portugal pra mim é a língua portuguesa falada em Portugal.

 
No tempo do colono fazia sentido considerar «língua de Portugal» aquela  que era falada nos territórios subjudados, mesmo com todos os sotaques que adquirisse, já que essa língua era uma imposição do dominador. Era imperativo usá-la de acordo com as regras do imperador.Tanto era assim que o português que naquele tempo se desviava da normativa estabelecida por Portugal, era chamado, em Angola, de «pretuguês».

 
Pode até deduzir-se que o «pretuguês» tanto poderia ser o falar dos nativos que não se assimilava ao jeito português de falar- quer dizer que não «afinavam» na maneira de falar - quanto o uso das corruptelas pelos próprios portugueses. Então, o «pretuguês» era o universo onde se cruzavam a língua do colonizador e as línguas dos colonizados – as nossas línguas nacionais, as línguas angolanas.

 
Numa ilação, talvez mais pretensiosa do que preponderante,  posso afirmar que aquele «pretuguês» foi o precursor do actual «muangolês» - a língua portuguesa popular dos angolanos com todas as suas variedades regionais, seja o sotaque do sulano como o arrastado do nortense. Uma forma que encontra maior liberdade de ser – e de ser linguisticamente valorizado e absorvido – com o advento da nossa independência.
 

O regime colonial não levava em consideração a influência das línguas nativas no léxico da língua portuguesa falada pelos povos locais. Quando raras vezes isso acontecia os termos mais usados eram justamente aqueles que desconsideravam a pessoa e reforçavam o cariz pejorativo e descriminatório dos colonos em relação aos nativos, como a «catinga».
 

A lusofonia hoje
 

O actual conceito diz que lusofonia é o conjunto dos países de língua portuguesa. E não se esquece de incluir até os ex-territórios de colônia lusitana, localizados na Índia (Goa) e na China (Macao), onde o português  está confinado à uma pequena população, maioritariamente composta por mais velhos e por homens de negócios.
 

Entende-se que a lusofonia, antes de mais nada, relega-nos ao lusismo ou lusitanismo, à língua de Camões – a fala portuguesa própria de Portugal – contribindo, para a sua definição, os sotaques, a morfologia, a ortografia e os demais aspectos concernentes a linguística.
 

Então, falar oficialmente o português, não se configura como condição imperativa na denominação de lusofonia sem que as nuances linguísticas culturais, e mais propriamente as regras acadêmicas de fala e de escrita, se insiram oficialmente no contexto lusitano.
 

As peculiaridades da língua portuguesa falada na banda - a semelhança do que acontece no Brasil (onde já é uma realidade legitimada) e segue o mesmo sentido, em Cabo verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste - longe do padrão europeu, constituiram «outra língua portuguesa», numa vertente angolana. Então a malta não tem quase nada a ver com Camões. Não é por que falo português que a minha língua é de Camões! O meu potuguês é de Nzinga Mbandi, Mandume, Ekuikui...
 

Se nós não tomarmos consciência disso ninguém tomará por nós; vamos continuar a mentir a nós mesmo que somos independentes e soberanos, quando para escrevermos a língua que falamos teremos de esperar que as regras venham de Portugal. E continuaremos dando vida a essa tal lusofonia em detrimento de qualquer que seja a «bantofonia» que resida na nossa lingua portuguesa e que, por isso mesmo, faz dela NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA.
 

Nós temos o dever moral, cívico e patriótico de reconhecer isso. O reconhecimento da existência dessa vertente, dessa língua portuguesa angolana, o reconhecimento do seu dinamismo e da sua abrangência, e o reconhecimento da independência do seu desenvolvimento, é o princípio da revogação do conceito corrente de lusofonia. É a «deslusofonização» – um processo que a oralidade, como o ponto evidente  de qualquer língua, já se encarrega de executar naturalmente, tanto aqui na banda, como em outros quadrantes falantes do português.