Luanda – Comemora-se mais um “27 de Maio”, a data que simboliza o horror em Angola. Foi nesta data, em 1977, que arrancou um dos maiores genocídios perpetrados no Mundo. No dia 27 de Maio de 1977, o céu desabou sobre Angola tendo dizimado os melhores filhos do país, os poucos indígenas formados e não pelo colonialismo português.


Fonte: Club-k.net

makuta nkondo clubk.jpg - 12.02 KbNa altura, encontrei-me me no Luangu, uma das quatro aldeias das Zonas anexas de Matadi, a capital da província do Bas-Zaire hoje Baixo Congo, na ex-República do Zaire, actual República Democrática do Congo (RDC). Luangu era uma das bases militares do ELNA (Exercito de Libertação Nacional de Angola – braço armado da FNLA), a mais operacional.


Quando aconteceu a insurreição popular de 27 de Maio de 1977, Luangu fervilhava de milhares de soldados da FNLA que regressaram de Angola donde foram derrotadas e expulsas pelo MPLA. Não vivi, não testemunhei, nem senti os horrores da referida data.
Para evitar a especulação, este Sikama vai limitar-se a reproduzir alguns textos publicados nos livros referentes ao 27 de Maio de 1977.


O genocídio foi perpetrado pelo MPLA contra seus próprios militantes entre os quais aqueles que usurparam o poder em Angola, a favor deste Movimento marxista-leninista (MPLA). São eles, Nito Alves, Monstro Imortal, Bakaloff, Sita Vales, Ze Van-Dúnem, para citar ainda só estes, que instauraram o Poder Popular em Angola e expulsaram «manu militari» os “inimigos lacaios do Imperialismo Yankee” da UPA-FNLA e UNITA de Angola.


São estes temíveis comandantes da Primeira (1ª) Região Militar do EPLA (Exército Popular de Libertação de Angola – braço armado do MPLA) que defenderam Agostinho Neto no Congresso de Lusaka, na Zâmbia, contra o seu rival Daniel Chipenda. São estes que foram caçados e executados impiedosamente por seus antigos companheiros de luta.


Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus escrevem no seu livro “Purga em Angola” o seguinte: “Militantes e simpatizantes, amigos e familiares dos ‘purgados’, dezenas de milhar de pessoas, homens e mulheres, velho e novos, passaram por cadeias e campos de concentração. E muitos foram mortos após aterradores interrogações ou em fuzilamentos sumários, sem nunca terem sido julgados e sem se saber sequer onde repousam as suas ossadas. Por estranho que possa parecer, as atrocidades cometidas no Chile de Pinochet assumem modestas proporções, se comparadas com o que se passou na Angola de 1977.”


Como as palavras voam e escritas ficam, muitos livros já foram escritos por alguns que viveram na carne e alma o referido genocídio, como Américo Botelho no seu livre “Holocausto em Angola", Miguel Francisco (Michel) com “Nuvem Negra – O drama de 27 de Maio de 1977” e “Angola – O racismo como cerne da tragédia de 27 de Maio de 1977”, José Fragoso com “O meu testemunho – a purga do 27 de Maio de 1977 e as suas consequência trágicas”, José Fragoso e Lucas Pedro “Comandante Nito Alves – A última vítima do MPLA no século XX” e os que ouviram a ocorrência da tragédia como Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus no livro “Purga em Angola – Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem, o 27 de Maio de 1977”.

Eis, a seguir o que relatam alguns dos referidos livros:
 

Eis, a seguir o que relatam alguns dos referidos livros:

 
No dia seguinte (de 27 de Maio de 1977), as 19.00h, o responsável do cemitério da Mulemba (cemitério 14) esta a jantar com a família quando aparece um telefonema estranho. O seu chefe de repartição ordena-lhe que volte ao cemitério e aguarde. O cacimbo ensopra-lhe a roupa quando, de madruga param no portão dez carrinhas celulares. Carlos Jorge e Nelson Pinheiro (Pitoco), elementos da DISA, chefiam a expedição que estaciona junto a uma vala comum de 200 metros.


Mal os prisioneiros se apeiam, soam rajadas das kalachnikov. Alguns ainda têm tempo de gritar: Salvem-me que eu não fiz nada. Pitoco, chefe do pelotão de fuzilamento, atende rápido ao apelo das vítimas: Esse é perigoso, fica para mim. Um dos coveiros aplana a terra da vala com um tractor. Ainda se ouvem gemidos. O chefe do cemitério está aterrorizado e Pitoco avisa-o: Em Angola não pode haver uma contra-revolução, por isso, se falares, vais fazer companhia a estes.” Expresso (Revista), 25.01.92


- Estes são verdadeiros Pol Pot. Já leste a história de Khmers vermelho no Camboja?
Quem são os assassinos em Angola? São Carlos Jorge, Pitoco, Manuel Rui Monteiro, Pepetela, etc.


- Sabe como assassinaram os comandantes Nito Alves, Monstro Imortal, Zé Van Dunem, Juca Valentim, Bakalov,  Virinha, Nandinha, dos Comissários (governadores) provinciais de Malange, Luanda e Benguela e o ministro do Comércio, Minerva, e centenas de milhares de indígenas  angolanos?


Que foram os mandantes, os executores, membros das comissões de inquéritos e da comissão de lágrimas que decidiram sobre a sorte dos “detidos” muitos destes foram fuzilados?


Busca saber o papel que jogaram o Ministério da Defesa, a Fortaleza São Miguel hoje Museu das Forcas Armadas, a Casa de Reclusão e a cadeia de São Paulo em Luanda, assim como os vários Gulags (campos de concentrações) disseminados pelo país. Os torcionários e assassinos passeiam a vontade em Angola e dão festas”.


Referência: “HOLOCAUSTO em Angola” de Américo Botelho e “Purga em Angola”, de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus.

Era uma dessas noites pos-27 de Maio (de 1977). No Ministério da Defesa encontravam-se Onambwe, Director nacional adjunto da DISA, e Dimuca, que chefiava as investigações gerais da Comissão Militar de Inquérito. Também lá estava o conhecido torturador Carlos Jorge.

Uma noite no Ministério da Defesa:

Fuzilamento de 30 oficiais das FAPLA

 

 

A noite é enviada uma ordem para a sede da DISA: “Preparar viaturas para missão muito importante na Barra do Cuanza”. Da sede da DISA seguem cinco jipes para o Ministério da Defesa. Entram pelas traseiras que dão para o edifício da Missão Militar Soviética. Ai aguardam. A chefia pertence ao futuro capitão Tino. As viaturas levam bidões de gasolina e os soldados estão armados com automáticas akas. Desta missão toma parte Moisés, ex-aluno da Casa Pia de Lisboa, cuja família era oriunda da Guiné-Bissau, e que me informou de grande parte destes acontecimentos.


Onambwe e Dimuca vêem à porta confirmar que tudo está como foi pedido. Dirigem-se a uma das salas do rés-do-chão do edifício onde esteve a antiga Companhia de Comando do QG português. As portas abrem-se. Dentro estão cerca de trinta (30) oficiais descalços, de mãos amarradas atrás das costas e em roupa interior. Todos eles apresentam ferimentos graves. Há caras tão inchadas que já não é possível ver os seus olhos. O “espectáculo” surpreende os próprios agentes da DISA.


Como se poderá adivinhar, eram militares acusados de terem participar no golpe de 27 de Maio. A selecção para o fuzilamento era da responsabilidade de Carmelino Pereira. Mas tal correspondia à política do MPLA: o extermínio de toda a oficialidade de Luanda e da 1.ª Região Militar foi a maneira de garantir que nenhum dos traidores escapasse. Isto apesar de os oficiais terem insistido na sua inocência e esclarecido que apenas cumpriram ordens superiores. Não esquecer, em relação a estes factos, que Neto havia, precisamente, anunciado que não seria justo “utilizar o processo habitual” e que, portanto, iria ser ditada uma sentença adequada. Estes processos sumários foram, por conseguinte, sancionados ao mais alto nível.


Pelas 22 horas, são prontamente deslocados para as viaturas. O cheiro a gasolina anuncia a morte. Eles têm agora a certeza de que vão morrer. Solta-se, então, o seu desespero e um coro de choro e gritos invade aquela noite: “Deixem-nos, ao menos, despedir das nossas famílias… das nossas mulheres…dos nossos filhos”. Entre os gritos ouvem-se os nomes das mulheres, dos filhos. Já as viaturas haviam passado o plano marginal do muro alto do Ministério e ainda se ouviam estas vozes do desespero. Alguns agentes da DISA choram, entre os quais o próprio Moisés que partira com muita renitência. Os 70 Km que separam Luanda do local escolhido na Barra do Cuanza foram desgastantes: o choro, as suplicas, os gritos. O rosto dos militares que os acompanhavam exprimia a sua estupefacção e o seu silêncio não iludia o constrangimento e a inominável repulsa que os habitava. Tenha-se presente que muitos eram subordinados daqueles oficiais prisioneiros. Ontem, eram disciplinados valentes chefes militares; hoje, condenados que choram como crianças. Um dos militares tinha mesmo um primo entre os condenados, facto que ilustra bem a arbitrariedade desta execução.


Em São Paulo, no pos-27 de Maio, as noites que eram vandalizadas por vozes de chamamento traziam um medo impronunciável. Não só porque esses horizonte pendia sobre a cabeça de quase todos, mas também porque, na organização destas procissões de condenados, reinava frequentemente a arbitrariedade. Pense-se nos casos em que as vítimas foram levadas e assassinadas por engano, ou naqueles outros casos em que, sobrando espaço nas viaturas, os carrascos regressavam às celas para, a olho, seleccionar mais algumas vítimas (é viva em mim a memoria do sucedido com o Augusto Inglês, preso no 27 de Maio, que foi levado para a ambulância da morte em vez de um tal José Inglês, acabando por ser salvo ‘in extremis’ daquela confusão).


Por vezes o requinte era tal que alguns algozes vinha para São Paulo contar com pormenor o que se tinha passado nos fuzilamentos. Refira-se um exemplo. Kapakala e mais dezasseis condenados foram fuzilados por ordem do Tribunal. Ora, no dia seguinte, aquele mesmo que tinha ordenado o fuzilamento estava em São Paulo a contar como tudo se tinha passado perante o horror no rosto dos ouvintes – diziam que esse metido era do agrado dos dirigentes máximos do MPLA.


Na Barra do Cuanza


27 de maio.jpg - 209.64 KbChegam, por fim, ao local destinado. É noite cerrada. Uma clareira perto da estrada. Uma barraca de apoio aos militares que guardam esta zona, e tudo o mais é deserto. Os prisioneiros são descidos das viaturas e a gasolina descarregada. As viaturas são dispostas de forma a iluminarem o sítio indicado pelo guarda militar local. Este policiamento local e permanente justificava-se pela frequência destas execuções.


Tino levava instruções para fazer sofrer os condenados até aos limites da sua imaginação e experiencia. E, de facto. Tino revelou-se um notável executor de tais instruções. Este, é, sem dúvida, um dos testemunhos mais eloquentes da violência arbitrária e brutal que o MPLA fez perpetuar no território angolano.


Com o pelotão de execução já alinhado, dirige a palavra aos condenados, como se de um julgamento se tratasse:

- Camaradas, houve um golpe em Luanda. Determino que vocês, aqui perante mim, digam a verdade – e acrescenta – Quem não disser a verdade será imediatamente abatido!

De seguida aponta para o primeiro e pergunta:

- Fizeste parte do levantamento?

- Camarada, eu fazia parte da 9.a Brigada … - responde este com a voz inundada de medo.

- Camarada, eu não tomei parte em nada – afirma o segundo.

- Ah! Não tomaste parte! Muito bem! – Ordem que este oficial seja colocado de costas para o mar e grita:

- Fuzilar!

Os militares disparam. O barulho é ensurdecedor (por isso procuram um local como este, descampado, com uma única testemunha isenta, o oceano). O terror aumenta no rosto dos oficiais. O corpo fuzilado cai no chão trespassado de balas. Sob as ordens de Tino o corpo é regado com gasolina e incendiado. Arde como um archote e incha como se de um balão se tratasse. Por fim rebenta, ardendo até ficar reduzido a cinza. O arrependimento estampa-se no rosto dos próprios militares da DISA. Mas o aviso está feito:

- Digam a verdade, caso contrário vai já acontecer o mesmo – vocifera Tino.


Seria difícil imaginar um processo de execução mais violento, sádico e, sobretudo, mais eficaz na fermentação do medo na consciência daquelas vítimas seleccionadas para este “abate”. A noite, a completa irracionalidade do interrogatório, os tiros, o sangue, a gasolina… adensaram o terror, fazendo desta antecâmara da morte um verdadeiro inferno. De facto, diante de tudo aquilo que viram e ouviram, todos optaram por confessar o que lhes era pedido. Porem, quando o último se acusou, logo recomeçou a execução; a morte tinha sido adiada por poucos minutos. Foram mortos um a um, para que cada um fosse obrigado a ver na morte dos companheiros, prelúdio da sua própria. No fim, depois dos “ritos” da bala, seguiu-se o banho de gasolina e a respectiva cremação dos corpos num autêntico gesto de ostentação do horror. A pá lançou os últimos resíduos ao mar, selando o destino trágico desta geração angolana de oficiais e procurando calar qualquer evidência que denunciasse estes fuzilamentos.


Por agora tinha acabado, mas no dia seguinte a sessão continuou. Moisés, entre outros elementos da DISA, tentaria esquivar-se a este serviço certamente por acharem que aquelas modalidades de fuzilamento se revestiam de uma desumanidade insuportável.”


Ref.: BOTELHO, Américo Cardoso, HOLOCAUSTO em Angola, pp. 92-95, Nova Veja, 2007


Quem é este Tino e onde anda?

 

“Torturas e morte”:

Fuzilamento de Nito Alves, Monstro Imortal e Juca Valentim

 Maria da Luz Veloso conta: “Ouvi os interrogatórios de muitos homens. Mas de um lembro-me em especial, pelo silêncio entre cortado de gemidos horrorosos. Vinham do mais fundo das entranhas, um sofrimento lancinante. Era o Juca Valentim. Quando morreu, os algozes passaram no corredor. E riam ao pronunciar-lhe o nome:
- Juca Valentin. Juca Valentiiiiiiim.


Acusaram-no de querer matar o Presidente. E no entanto fora ele que lhe salvava a vida. João Jacob Caetano, o lendário “Monstro Imortal”, morreu com o garrote de nguelelo. Também consta que o tinham cegado.


Foi interrogado por Pedro Tonha (Pedalé), o qual, possivelmente como prémio, subira do 10º para o 4º lugar na hierarquia do MPLA. No entanto, nem coragem tinha para lhe fazer as perguntas. Os algozes deixavam na sala um gravador, para depois reproduzirem o que dizia. E iam apertando o garrote. João Jacob Caetano só dizia: - Mas quem são vocês. Não vos conheço. Chamem o Neto para me interrogar.
Ao que parece, atiraram o corpo de um avião.

 

Um último caso, o de Nito Alves

 


João Kandanda, militar das FAPLA, e agente da DISA, depois de afirmar que Nito nunca foi julgado, porque não havia tribunal para o julgar e condenar, declara: “Tinha sessões de tortura psicológica e às vezes físicas, para dizer o que queríamos. Havia dias em que passava fome e ficava de pé na estátua. Lembro-me de uma vez ter ficado cinco dias sem comer nem beber.


Afirmava que sabiam perfeitamente que nunca quisera dar um golpe de Estado  e muito menos matar Agostinho Neto. Julião Mateus Paulo (Dino Matross), actual secretário-geral do MPLA, afirma ter visitado Nito Alves na Fortaleza (actual Museu das Forcas Armadas). E diz tê-lo ouvido dizer que estava a defender Agostinho Neto.


A indicação para o seu fuzilamento terá sido do presidente da República (Agostinho Neto), embora na Fortaleza, onde estava, a ordem tenha sido dada por Iko Carreira, Henrique Santos (Onambwe) e Carlos Jorge (Cajó). Nito não quis que lhe tapassem os olhos, pois queria ver os que iam matar. O corpo foi varado por umas três dezenas de balas. E um dos chefes ainda lhe foi dar o tiro de misericórdia. O seu corpo foi atirado ao mar, com um peso.
A Fortaleza de São Miguel é para a qual foram os presos mais importantes, Monstro Imortal, José Van-Dunem, Bakalov.”


Ref.: MATEUS, Dalila Cabrita, et MATEUS, Álvaro, Purga em Angola, Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem, o 27 de Maio de 1977, pp. 121-123, ASA Editores S.A., Lisboa, 2007.