Luanda  - Antes da independência das terras africanas de domínio lusitano o dueto Portugal-Brasil (este independente desde 1822) não me parece que carregasse a conotação de lusofonia. Pelo menos a história não dá ênfase a tal facto, se de alguma forma, terá sido reconhecido. Por isso mesmo a lusofonia acarreta muito mais um cunho político do que propriamente cultural e, particularmente, linguístico.


Fonte: SA


Espera-se que sendo o agrupamento de todas as partes falantes do português, a lusofonia pudesse ser, a instituição que reunisse Portugal, Brasil e todas as províncias-ultramarinas portuguesas. Mas, o mais certo é que no Brasil independente, apesar de uma elite ligada aos europeus - até por consanguinidade e também por força da religião católica - sempre houve uma resistência dos mais diversos sectores da sociedade contra qualquer tentativa dos antigos colonizadores de manter o seu império disfarçada de alguma forma.


O pressuposto da lusofonia, com o seu«lusitanismo», era um desses disfarces. E os «tupiniquis» nunca a olharam realmente com bons olhos. Hoje, o aconchego brasileiro pela lusofonia tem respaldo em outros interesses, sobretudo políticos, virados à conquista de um lugar de liderança no xadrez internacional. Não é por menos que, até há pouco tempo, dos membros da CPLP o mais deslocado da cena era o Brasil.


Também não era pouca a oposição dos angolanos – e dos demais africanos, contra o imperialismo linguístico da administração colonial portuguesa. A resistência das nossas línguas nativas dificultava a aceitação pacífica do conceito de «lusofonia», como resultado de supostos laços de fraternidade existentes entre lusos e africanos ligados pela língua portuguesa.


A descolonização e a independência de Angola e dos outros territórios, que vieram a constituir os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa - PALOP, impulsionou imperativamente o surgimento e estabelecimento da lusofonia. Assim, o carácter «luso» da «fonia», reencontra o seu curso praticamente como havia sido pensado e imposto pela ex-metrópole.


O prefixo «luso» sempre foi representativo da presença colonialista portuguesa nos territórios então explorados. Por isso, faz parte da história dos povos colonizados e da história da potência colonizadora com o lugar de honra que merece, no livro das «glórias lusíadas»,para o Portugal de hoje.


Mas para os angolanos, e para os outros africanos imergidos da vitória sobre o domínio colonial português, o «luso» faz denotar, mais do que um viés saudosista, uma inclinação ao «restabelecimento do elo perdido» em todos os domínios ao seu alcance. E os saudosistas portugueses não fazem por menos na manifestação dessa vontade.

 

Uma nuance desse entendimento é a expressão de Agostinho da Silva, poeta e ensaísta português, sendo a qual «o Quinto Império é a Lusofonia». Esse é realmente o projecto encubado das hostes elitistas portuguesas, com a anuência das camadas privilegiadas dos países de língua portuguesa, que têm Portugal como referência de civilização. Todos ainda presos ao passado.


Desde o fim da guerra em Angola que os«tugas», de um modo geral, voltaram a virar as suas atenções para nós. Mas essa atenção vai além da simples cooperação, já que para o próprio governo português a relação com Angola é de carácter estratégico. É no âmbito dessa estratégia que mora o renascimento do sonho de lusofonia.


O artigo de um dueto no espaço cibernético, que não se mostrava mero figurante no palco dos negócios, elogia e incentiva a coragem particularmente de empresas portuguesas da área da comunicação, quer de meios de informação, quer de agências, pela sua visão de investirem naquilo que é para eles o «espaço natural de crescimento além fronteiras: a África lusófona». Sem dúvida!


«Há uma proximidade emocional e relação natural (supostamente entre Portugal e essa chamada África lusófona) que nunca se perdeu, que os franceses ou os ingleses nunca conseguiram cultivar no Continente Negro», diz o texto. «É neste contexto que os meios de informação e as agências de comunicação (portugueses) podem assumir particular importância em Luanda, mas apenas se encararem a sua aventura como algo mais do que apenas negócio por negócio».


O cerne dessa questão reside no juízo segundo o qual, a propósito dos projectos lusitanos em Angola, «convém distinguir entre aquilo que são negócios de cariz limitado, nos quais ganhar dinheiro e obter lucro é o objectivo - perfeitamente legítimo e aceitável, diga-se - e investimentos estratégicos de médio e longo prazo», descreve-se.

 

Todavia, «mais do que uma questão de comunicação corporate, de eventos ou de produtos na realidade local, a presença em Angola de empresas nacionais (portugueses) especialistas em pensar e comunicar é também uma forma de “soft power” e influência de Portugal» já que«na vertente multilateral, as agências (lusitanas) de comunicação, através do seu conhecimento e características, podem ajudar a fomentar e estimular o projecto da lusofonia, que teima em não desabrochar», salienta-se.


Nem seria mais necessário mencionar que, de acordo com os «conselheiros» cibernéticos, apartir daquela altura, esperava-se que «a acção (das empresas lusas) se enquadresse numa visão estratégica em que o papel da comunicação não tenha apenas a finalidade do«business»(...), mas seja vista também como um elemento de reforço do projecto da lusofonia.


Se p’ra nós angolanos a influência psicológica de «lusofonia» relega à ideia de subordinação, para os portugueses o significado do vocábulo pressupõe um universo onde eles são o centro. E é por isso que se tem a impressão de que a importância da lusofonia , para eles, é maior do que o projecto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa -CPLP.

 

Por isso a «deslusofonização» é um processo, antes de mais, de busca do direito equitativo, da defesa do direito do outro de ser independente. É justamente o caminho para o estabelecimento de uma fraternidade, ou irmandade, de facto. Essa mesma irmandade advogada pela«lusofonia» que, entretanto, não vinga por afigurar-se «lusocêntrica».