2 - Como africano , também não gostaria de comentar sobre a pessoa de Agostinho Neto. E, não sendo historiador, tão pouco possuo as ferramentas de trabalho para o estudar. Mas, como jornalista , vou procurar visualisar o que seria Angola se Neto não tivesse morrido.

 3 - A morte de Neto, anunciada pouco depois do seu desaparecimento fisico, a 10 de Setembro de 1979, fez derramar lágrimas a milhares de angolanos que se encontravam, quer por vocação como por condição, do lado do MPLA. Mesmo nós, os pioneiros que não entendiamos nada sobre política, vendo as mães jorrarem algumas lágrimas, também as derramamos. Se de Crocodilo ou não, as derramamos. O país havia ficado em luto e órfão, pois havia morrido o poeta maior; o fundador da nação; o saudoso camarada Presidente Doctor António Agostinho Neto; Enfim, eram tantos os adjectivos que às vezes pensava-se estarem a falar de pessoas diferentes.

4 - O partido no poder, neste caso o MPLA, sofreu uma grande agitação interna. O substituto natural da altura, Lúcio Lara, que ocupava o cargo de presidente da assembleia   do Povo, e era membro fundador do partido e um dos companheiros fieis de Neto do tempo do “ maqui ” (guerrilha) , igualmente seu padrinho de casamento, não convinha ocupar a vaga deixada por ser de raça branca. O país não estava preparado para ver reentrar um branco logo após a “ corrida ” de um outro. O s outros mais velhos da época ou já haviam sido expulsos do partido ou abandonado ou então não tinham capacidade intelectual para substituirem Neto na direcção do partido e do País. Daí que os soviéticos, segundo algumas versões partidárias, sugerissem um jovem brilhante, braço direito do saudoso e seu ponta de lança para as questões mais delicadas, como as Relações Exteriores, o Planeamento e para a chacina do 27 de Maio. O Jovem foi escolhido também por ter brilhado na escola de contra inteligência do KGB no início dos anos sessenta. Pensava-se que a escolha deste jovem iria garantir a eternização do Comunismo em Angola. Cria-se que com ele, o País jamais iria aderir ao Capitalismo e à Democracia. Este jovem, de apenas 37 anos de idade e de naturalidade duvidosa, atende pelo nome de Jose Eduardo dos Santos (JES).

5 - JES, após ter tomado posse como Presidente do MPLA e da República Popular de Angola, moldou quer o partido MPLA como o País à sua maneira; à seu gosto. Foi afastando, paulatinamente, os velhos companheiros de Neto dos cargos políticos mais relevantes, substituindo-os por jovens sem carreira partidaria, mas de sua conveniência. Foi alterando o sistema económico, ensaiando vários programas, saíndo de Socialista convicto à Capitalista abastardo; abandonou “publicamente” o Comunismo para apregoar uma Democracia só para o “inglês ver”...

6 - Mas, se Neto estivesse vivo, dizem os mais velhos, o País já estaria em paz há muito tempo. Não teria morrido tanta gente como aconteceu e tão pouco o país teria sido destruido ao ponto em que se encontra. O Manguxi, como também era conhecido, tinha um plano de paz que até ao momento não é conhecido publicamente. Vamos acreditar que o mesmo existiu e que ele pretendia fazer as pazes com Holden Roberto, da FNLA e Jonas Savimbi, da UNITA. Contam os mais velhos que tencionava primeiro ir a República do Zaire pedir a Mobutu, seu entao Presidente,   para mediar uma mesa de negociações entre o MPLA e a FNLA e depois, a África do Sul fazer o mesmo pedido de mediacao, neste caso, entre o MPLA e a UNITA.

7 - Seria interessante se este plano, se é que existe, viesse ao conhecimento público a fim de poder esclarecer sobre vários aspectos como, por exemplo, após tudo isso, qual seria o sistema de governação do país? A reconciliação seria apenas entre militantes de diferentes partidos ou o MPLA iria reconciliar-se também internamente? Qual seria o papel dos soviéticos, cubanos, zairenses e sul-africanos neste processo? O que se iria fazer com os bens que haviam sido nacionalizados no processo de independência do País...?

8 - Vamos supor que este plano nunca tenha existido e que não passa de uma mera invenção... Como seria o país então? Neto teria 86 anos de idade. Se tivesse optado em deixar de beber talvez ainda estaria em condições de saúde para dirigir o País. S e não tivesse, então não estaria em condições técnicas. Vamos optar pela positiva. Da maneira como Neto gostava de mandar e ser chefe, continuaria a ser o presidente e o JES o Vice Presidente ou então o Primeiro Ministro.

9 - Como as coisas não sucedem como a gente quer, hoje a realidade é bem diferente: temos um presidente que teima e reteima em permanecer no poder. E, enquanto isso, vai desgastando a imagem dos seus colaboradores mais próximos que vão ganhando simpatia e popularidade quer no seio do partido como da sociedade em geral. Alguns nomes: João de Matos, Nandó, Marcolino Moco, Lopo do Nascimento, João Lourenço, Miala...

10 - Será que o país fosse mudar tanto se Neto ainda estivesse entre nós? I don’t think so...

 

Aspiração - Agostinho Neto

Ainda o meu canto dolente
e a minha tristeza
no Congo, na Geórgia, no Amazonas

Ainda
o meu sonho de batuque em noites de luar

ainda os meus braços
ainda os meus olhos
ainda os meus gritos

Ainda o dorso vergastado
o coração abandonado
a alma entregue à fé
ainda a dúvida

E sobre os meus cantos
os meus sonhos
os meus olhos
os meus gritos
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado

Ainda o meu espírito
ainda o quissange
a marimba
a viola
o saxofone
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco

Ainda a minha vida
oferecida à Vida
ainda o meu desejo

Ainda o meu sonho
o meu grito
o meu braço
a sustentar o meu Querer

E nas sanzalas
nas casas
no subúrbios das cidades
para lá das linhas
nos recantos escuros das casas ricas
onde os negros murmuram: ainda

O meu desejo
transformado em força
inspirando as consciências desesperadas.

* Carlos Alberto
Fonte: Club-k