Luanda -  Uma composição de mais de 150 fiscais do Governo Provincial de Luanda, apoiados por efectivos da Polícia Nacional fortemente armados, efectuaram, na madrugada de 24 de Maio, a demolição de perto de 80 habitações precárias mais arrumos de pesca à beira-mar, na zona da Mabunda, no Bairro da Samba, em Luanda.


*Rafael Marques
Fonte: Makaangola.org

Violação dos direitos humanos

Por volta das 3h00, os agentes, batiam às portas dos casebres apenas para permitir a retirada das pessoas e, logo de seguida, demoliam as residências e seus haveres com pás carregadoras, e imediatamente transportavam os detritos em vários camiões.


O pescador Luciano Macala perdeu, nas demolições, oito arcas onde conservava o pescado, material de pesca e afins que se encontravam no seu depósito. O seu caso é paradigmático. A 10 de Abril de 2012, pescador pagou 25,520 kwanzas (US $250) de impostos, mais o montante de 8,510 kwanzas (US $85) à Capitania do Porto de Luanda, relativo ao primeiro trimestre da sua licença de pesca. A licença concede-lhe o direito de espaço para o encalhe da sua embarcação em terra e espaço para aprovisionamento de material de pesca e afins. Há 10 anos que o cidadão paga as suas contribuições e, apesar disso, viu também a sua embarcação a ser destruída, na proa, por uma das pás-carregadoras de rodas, de marca Caterpillar.


Por sua vez, Maria António Pedro, 53, nem sequer teve tempo de recolher os documentos pessoais ou o material escolar dos filhos. “Os fiscais do Governo Provincial de Luanda deram um pontapé na porta, obrigaram-nos a sair aos gritos, apenas com a roupa do corpo, e partiram tudo”. Carla Marinete também teve apenas permissão para retirar os seus quatro filhos. Já a viúva Elisabete Maria, 38, anos conseguiu retirar alguns haveres importantes, como documentos e utensílios domésticos devido aos seis filhos que tiveram mãos para carregar o que podiam.


O caso mais dramático foi o de Graciete de Oliveira, 27 anos, deficiente física, a quem os fiscais cuidaram de salvar a sua cadeira de rodas e mais uns parcos haveres. “Nem sequer deixaram-me tirar a pasta onde tinha o dinheiro”, disse. Demoliram a sua habitação, com os seus bens, incluindo o seu negócio de bebidas alcoólicas. Sem marido, a jovem encontra-se ao relento com quatro filhos, dos seis aos 10 anos e sem mobilidade. “O que faço agora?”, interroga-se.


Em Fevereiro passado, segundo testemunhos de vários populares, fiscais do Governo Provincial de Luanda realizaram o cadastramento da área, tendo numerado as habitações de chapas de zinco para o suposto realojamento dos residentes. Segundo Luzia António, 57 anos, “os fiscais disseram-nos que as casas seriam partidas antes das eleições, numeraram as nossas casas, pediram-nos fotocópias dos bilhetes de identidade, números de telefone e nos disseram que seríamos transferidos para o Zango”.


No local, notou-se uma comunidade marcadamente matriarcal, com muitos dos agregados familiares dependentes de viúvas que se dedicam, na sua maioria, à venda de peixe. Por outro lado, os pescadores forma a outra componente da comunidade, e ocupavam espaços de armazenamento de material de pesca e conservação. Para o efeito, estão devidamente licenciados pela Capitania do Porto de Luanda e são cumpridores das suas obrigações fiscais conforme atestavam os documentos exibidos por vários.


O comandante da polícia, destacado no local, justificou a acção como uma medida destinada a limpar a área de “lumpens” que “têm contribuído para o aumento da criminalidade em Luanda”. Fê-lo após tentativa de detenção do autor, porque este colhia depoimentos. O oficial enviou comunicação sobre a presença de um jornalista no local e prontamente surgiram dois indivíduos, numa viatura de luxo BMW X5, de quem passou a receber instruções. Veio a revelar-se que o condutor do veículo era o administrador da municipalidade da Samba, Adão Malungo. À ordem para que o jornalista entrasse na viatura, a população, maioritariamente mulheres, juntou-se aos gritos e cercou a viatura. Exigiam que, se o jornalista fosse detido, todas as vítimas teriam de ser detidas ali mesmo. A agressividade da população, indiferente à aproximação dos fiscais para as dispersar, acabou por ditar o desfecho da recolha de testemunhos e imagens.


As demolições da Mabunda são uma violação flagrante da Constituição, referente ao respeito e à protecção que o Estado deve à pessoa e à dignidade humanas. Várias foram as pessoas retiradas nuas das suas residências, sem serem autorizadas a recolher as suas roupas, conforme depoimentos das vítimas.


A Constituição garante a inviolabilidade do domicílio, não havendo consentimento de quem o habita ou mandado de autoridade competente. A nenhum dos residentes, sobre cujas anotações ascendem a 80, foi exibido qualquer mandado de autoridade competente. Nem sequer receberam avisó prévio, mesmo verbal, sobre a acção conjunta do Governo Provincial de Luanda e da Polícia Nacional. Também não se reportaram quaisquer casos de flagrante delito ou de emergência que justificassem, constitucional ou legalmente, tais actos.


Os agentes policiais e fiscais espancaram violentamente, no local, o cidadão Salvador Sabalo que, indignado com a destruição da sua habitação, atirou uma garrafa à pá carregadora. Segundo testemunhas oculares, mais de 10 agentes revezaram-se a pontapear e a desferir golpes de cacetete à vítima, indiferentes aos pedidos de clemência dos seus familiares. O cidadão foi detido. A Constituição proíbe a tortura e os tratamentos crueis, degradantes e desumanos, mas os agentes da autoridade, investidos de poderes arbitrários pelos seus superiores, ignoram as leis. “A mim, a polícia bateu-me na cara apenas porque estava a olhar para a minha casa enquanto a demoliam”, lamenta António Bumba.


A peixeira Julieta Pedro, também afectada pelas demolições interroga-se: “Será que nos devemos alegrar com este acto do governo? Quando eles agem assim, o povo não fica triste?” pergunta.


O responsável máximo pela operação de violação dos direitos humanos, que ocorreu esta madrugada, é o actual governador de Luanda, Bento Bento. Este acumula também as funções de primeiro-secretário provincial do MPLA, na província, e deve responder publicamente sobre as razões que o levaram a autorizar o acto, violando a Constituição. Do mesmo modo, a deslocação de força policial, para um acto claro de violação dos direitos humanos, recai sobre a comandante provincial da Polícia Nacional, a Comissária Elizabeth Rank Frank que tem o poder de autorizar a participação dos seus agentes.