Luanda - Insólito. Não se tratou do primeiro abraço, mas foi, sim, o mais estranho que Quim Ribeiro distribuiu em pleno tribunal. Desta vez, foi o irmão de Joãozinho quem recebeu tão generosa demonstração de afecto. Nem ele, nem a sua família conseguem entender as razões.
*Mariano Brás
Fonte: A Capital
Na quinta-feira, 17, o tribunal encarregue do julgamento do caso Quim Ribeiro voltou a chamar a família de uma das vítimas de homicídio. No caso, foi ouvido Francisco Domingos João, irmão mais velho do malogrado Domingos Francisco João, ou Joãozinho como era mais conhecido. Mas a grande surpresa foi o que aconteceu no final das declarações do cidadão convocado. O réu Joaquim Vieira Ribeiro levantou-se ao ouvir a ordem do juiz segundo a qual a audiência tinha terminado, dirigiu-se para o irmão da vítima, abraçando-o fortemente de seguida ao mesmo tempo que proferia as seguintes palavras: “agora já lhe posso dar um abraço”.
Como entender esse gesto? A família de Joãozinho colocou-se perante este dilema ante a inesperada acção de Joaquim Ribeiro. Esse questionamento se coloca essencialmente porquanto Joaquim Ribeiro é, simplesmente, a personagem central de todo o processo em julgamento, sendo acusado, mesmo, de ser o mandante dos homicídios de dois quadros do Ministério do Interior, entre os quais o irmão da pessoa a quem tratou de abraçar efusivamente em pleno tribunal.
Francisco João contou, a este semanário, como se sentiu surpreso pelo acto do antigo comandante provincial de Luanda da Polícia Nacional.”Ele mal me conhece, tal como eu a ele”, comentou, mostrando estranheza pelo abraço apertado que recebeu. “Não entendo o que lhe motivou a dar-me aquele abraço”, referiu.
Mas Francisco não reagiu negativamente. Embora não tenha devolvido o abraço, optou, também, por não o reprimir. “Por ser uma pessoa bem educada”. Segundo referiu para este semanário, quando o antigo comandante se achegou a si com os braços abertos “passou-me tudo pela cabeça”. Porém, graças à educação recebida “dos meus pais” ele se conseguiu conter. “Ensinaram-me a nunca maltratar seja lá quem for”.
Reacção diferente teve, entretanto, uma irmã da vítima. Esta, igualmente surpresa com o gesto, teve de ser contida por membros da família ao tentar ir tirar satisfações junto de Quim Ribeiro. “Queria saber a razão pela qual ele foi cumprimentar o meu irmão e, ainda mais, com um abraço”, referiu, insinuando seguidamente: “Estará a pedir perdão ou, então, a gozar com a nossa cara?”, questionou-se enquanto deixava as lágrimas correrem-lhe pelo rosto.
A família mantém-se intrigada, sobretudo por não vislumbrar, com clareza, qualquer razão que motivasse uma atitude de Joaquim Ribeiro. Nem mesmo as declarações que Francisco João prestou ao tribunal ajudam a entender as razões do que aconteceu. Afinal, ele foi chamado, outra vez, a tribunal por requerimento do advogado dos réus, Sérgio Raimundo, que manifestou dúvidas sobre os locais em que Francisco João levou a sua cunhada, a viúva de Joãozinho, para prestar depoimentos na fase de instrução do processo. A defesa alega dispor de elementos sugestivos de que ela tenha sido ouvida pelos Serviços de Informação e Segurança do Estando (Sinse). Mas Francisco foi categórico: “a minha cunhada foi ouvida por três vezes”, contou, enunciando-as em seguida: “uma em nossa casa, no período do óbito, a segunda pela Procuradoria Geral da República (Pgr) e, a terceira, pela inspecção do Ministério do Interior”.
Ainda ao ser inquirido por Raimundo, Francisco foi questionado sobre um hipotético telefonema que teria recebido, antes do assassinato do irmão, a dar conta de dívidas daquele que, se não as pagasse, seria morto. Não, respondeu, manifestando desconhecimento por qualquer dívida do irmão que pudesse levar ao respectivo linchamento.
Foram tão-somente estas as últimas declarações de Francisco ao tribunal. Daí as dúvidas subsistentes, no seio da sua família, sobre as reais intenções de Joaquim Ribeiro. É preciso muita coragem, disseram, para fazer o que fez, sendo ele acusado de “mandar assassinar o nosso ente querido, que deixou mesmo uma carta a dizer que ele o queria matar”. Mais do que isso, reclamou Francisco, ainda há uma testemunha que afirma ter recebido ordens para assassinar o Joãozinho”, agora “com a cara de pau”, Joaquim Ribeiro “vem dar-nos um abraço”. E, depois de recapitular, volta a questionar: “mas o que significa isso?”.
Se for um pedido de perdão, Francisco diz que pretende deixar claro que “não perdoamos” e pede para que não se entenda “o nosso silêncio como fraqueza, pois entregamos tudo à justiça angolana e acima de tudo à Deus, pois quem matou o Joãozinho vai pagar das mãos pesadas de Deus”.
Amnésia geral
A quinta-feira, 17, o último dia em que se realizou uma audiência do caso Joaquim Ribeiro, não se ficou pelas declarações de Francisco e pelo abraço que este recebu de Quim Ribeiro. Houve mais. Foi ouvido, por exemplo, Fernando Júnior, especialista da Direcção Provincial de Investigação Criminal (Dpic) por ter sido o primeiro técnico a colher declarações da esposa de Joãozinho.
Ele contou que recebeu, para o efeito, ordens do seu então superior hierárquico, hoje feito réu neste processo, Paulo Rodrigues. Disse que recebeu a orientação nas primeiras horas do dia 21 de Outubro, no sentido de deslocar-se até ao município do Sambizanga para falar com uma senhora cujo marido tinha sido morto.
Quando lá chegou, recorda, mal sabia do que se tratava.
“Fui sem qualquer pormenor e tudo que escrevi no processo foi dito pela esposa do malogrado”. Por outro lado, disse que os dados, uma vez recolhidos, foram entregues ao chefe das operações, no caso o réu Lango Caricoco que, supostamente, tinha sob a sua responsabilidade um processo a decorrer sobre aqueles assassinatos de Viana. Já Bernardo Gaspar, um outro policial também ouvido, disse que não tinha conhecimento de nada, a ocorrência apenas era do domínio do seu chefe identificado por ‘Mau Mau’ que também já foi ouvido naquele tribunal na condição de declarante.
Dentro em breve: Audição de testemunhas
Toda esta semana que se apresta a terminar não registou nenhuma sessão do caso Quim Ribeiro. As razões são simples. Os advogados estariam envolvidos numa ampla reunião de causídicos da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (Sadc) a decorrer em Angola. Só depois disso as audiências seriam retomadas.
Deve notar-se, por outro, que o julgamento do caso Quim Ribeiro leva já quatro meses, ao longo dos quais foram ouvidos 70 declarantes em 40 sessões. A meta é ouvir um total de 80 declarantes (falta apenas 10) para que se possa, depois, entrar na fase mais esperada, a audição das 17 testemunhas, entre as quais Augusto Viana, considerada a chave de tão mediático processo.