Em princípio, em termo de opinião, o primeiro volume expressa o sentimento possível de encontrar na maioria dos jovens angolanos que, oriundos de «classes dificultadas», estão a se formar e ao mesmo tempo ‘batalham’ na busca da felicidade. Esse volume é relativamente interessante pela actualidade observada unilateralmente – o que não diminuiu em nada o seu esplendor opinativo descritivo – mas requer ao mesmo tempo uma releitura estrutural e uma leitura orientadora pela diversificada temática e a não-sistematização desta. Da sua diacronia, fizemos essa releitura:
1. A estrutura livresca em unidades (ou capítulos) responde a linha opcional, embora haja cautela de começar pela História. A desenvoltura descritiva que apresenta pode ser apreciada em dois ângulos contrastes: a) justificar o restante dos capítulos a partir do princípio; b) questionar a história a partir dos temas abordados a posteriori. Ambos procedimentos são aceitáveis na exposição dianteira (manifeste).
2. A linguagem utilizada é jornalística e carrega nela um fel que já nos anos 80, Th. Obenga advertia como a arma contra a máquina intelectual que produziu a história adulterada e forjada de África. (Obenga Th., La dissertation historique en Afrique. A l’usage des Etudiants de 1ère année d’Université, 1980, introdução). Exprimindo-se por EU, a linguagem aponta a ‘exclusiva’ opinião do falante. E apesar de citar intermitentemente outras opiniões, fá-lo com poucas pausas texturais, o que seduz menos a leitura e enfraquece a engenheira argumentativa no campo analítico do discurso (Retórica, 1439b).
3. A essência que determina os objectivos é óbvia, embora os suportes (capítulos e subcapítulos) estejam mergulhados de desvios temáticos e, sobretudo, as lidações transitórias na arrumação argumentativa. (Duvignaud J., Le sous-texte, Arles, Actes Sud, 2005.26-41)..
No primeiro capítulo, o autor tenta apresentar uma ‘filosofia da história angolana’ levantando uma série de factos e substratos historiográficos interessantes, mas não constrói o sistema pensativo que a ansiedade do leitor científico esperava.. O autor mostra a intenção de corrigir a história existente de Angola, mas infelizmente cai vítima de contribuir na mistificação. A bibliografia sobre a História de Angola, das origens até nossos dias, é superabundante de modo que limitar-se a Ki-Zerbo, Padre Imbamba, A. Seitas e M. Commerford só pode ensombrar ainda mais. Outra coisa: a história não é só descritiva, como deve o autor saber, mas também ela é analítica. Para isso, é preciso a comparação dos dados na ordem bibliográfica e na sua colocação epistemologicamente rupturesca. Talvez tal exercício poderia enriquecer mais ainda os audaciosos argumentos que apresenta quer para a) justificar, tanto como para b) questionar a história a partir dos temas abordados nos capítulos subsequentes. (Lefebvre G., O nascimento da moderna historiografia, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1981, pp.32-56 e 89).
São repetidos parágrafos em subcapítulos diferentes (pp.70 e 89) dum mesmo capítulo (unidade 3), quebrando assim a diacronia textural e a leitura temática. Também a linha ideiática é, as vezes, rompida para ser continuada algumas vezes sem desfecho: os influxos sociológicos que desmesuradamente o autor aborda nos pontos 4.3, 4.4, 4.5, 4.6 e 4.7 (quarto capítulo) encontram sua cómoda incorporação no capítulo 2 (economia angolana). Isso é por um lado. Por outro, alguns problemas que o autor levanta no capítulo 3 (A política) encontrariam suas fundamentações no capítulo I caso o autor fizesse análise e comparação da diversidade bibliográfica. Exemplo: ‘oposição frágil’, ‘Unita e a democracia’, ‘democracia e autoridades tradicionais’, etc. Temos em carteira uma obra (Verdade e inverdade históricas na criação casual do Estado: de colonização a República de Angola) que pensamos publicar na nossa velhice, caso o Kalûnga outorgar-nos mais vida, porque carece ainda da bibliografia diversificadamente satisfatória por um lado e por outro a discrepância dos conteúdos das informações que possuímos (entre CIA, PIDE, K.G.B, Arquivos cubanos 1961-1974, etc.) não nos permitem ainda hipotecar de forma cómoda o que fizeram os Angolanos na criação do seu Estado. Alguns desses problemas, com fraca substância, bibliográfica especializada foram levantados superficialmente pelo autor.
Nesse trabalho o método é escasso na primeira unidade, torna-se ausente na segunda unidade e quase tremeluzente na terceira. Na última unidade há desarmonia de métodos. Do princípio até ao fim a linguagem jornalística predomina de modo que a ‘observação directa’, a ‘comparação incompatível das partes’ e a ‘análise menos quantificada’ são as principais linhas metódicas visíveis. (Aconselhamos Lakatos E. & Marconi M.., Fundamentos de metodologia científica, Editora Atlas, São Paulo, 1991, pp.19-37).. A razão principal parece-nos a quietude de converter as suas opiniões circunstanciais em ‘observações objectivas’ sustentadas pela instrumentalização sociológica e histórica. Dai o EU falante exerce uma prepotência aristotélica, o que é menos aconselhável na exposição desse género. (Retórica, 1447a).
A conclusão levanta outros problemas (caso de ‘agenda do consenso’) e sendo a conclusão apenas o resumo literal das questões abordadas ao longo da dissertação, o subtítulo ‘Em Angola tudo está mal!!!’ indica talvez esteja já traçada a linha definidora da temática do próximo volume.
Em suma, a intenção do autor é boa para uma Angola moderna; a iniciativa é louvável no processo da democratização do país; a afoiteza é fundamental para erguer Angola de agora e de amanha; mas faltou a diligência científica e o rigor metódico. Ainda há algumas inverdades que aconselhamos o autor superar nas próximas edições quer na bibliografia, na estrutura textual tanto como na arrumação das suas hipóteses (opiniões subjectivas objectivadas) e comparação dos dados.
O que dizer em última instância sobre «Para Onde Vai Angola: Vol.1?»? Quantas obras clássicas ficaram arquivadas e olvidadas!? Quantas obras tidas outra vez como medíocres enchem hoje em dia as bibliografias das teses valiosas!? Deixem joio e trigo crescerem juntos, diz Jesus Cristo, serão bem diferenciados quando amadurecerem. O joio será queimado e o trigo salvo. Ingêta!
*Filósofo, historiador e docente.
Fonte: Club-k.net
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