Luanda - O presidente da Associação dos jornalistas e juristas “ Mãos livres”, Salvador Freire, defendeu a libertação total e incondicional do terceiro subchefe da Polícia Nacional Baptista Kialelo Kumesso (na foto) que se encontra encarcerado há mais de dois meses na Unidade Prisional do Peu Peu na província do Cunene. Em sua opinião, está a cumprir uma detenção ilegal, depois de ter esgotado a prisão preventiva.


*Ireneu Mujoco
Fonte: O País


“Queremos que as autoridades competentes libertem imediatamente o nosso constituinte, que está a cumprir uma prisão sem nenhuma culpa formada, mas tão somente por ter denunciado um crime em que estão supostamente envolvidos altos responsáveis do Comando Provincial da Polícia local”, afirmou, reforçando que “ sendo crime o tráfico ou consumo desta droga nociva, o polícia detido teve a coragem de denunciar este delito que está tipificado no nosso ordenamento jurídico”.


Em conversa com O PAÍS esta semana, em Luanda, o também advogado disse estar constrangido com a detenção do seu cliente há 80 dias, sem que para tal se esclareça o real motivo que esteve na base da sua detenção. “Ninguém disse exactamente o crime que ele cometeu, apenas foi-lhe exibido um mandado de captura e foi forçosamente detido e levado até ao Cunene, onde funcionava”, acusou.


O detido, exchefe de secção de combate contra as drogas pesadas da Direcção Provincial de Investigação Criminal(DPIC) do Cunene, foi detido no dia 19 de Março, através de um mandado de captura emitido pelo Tribunal Provincial do Cunene e assinado pelo meritíssimo juiz e presidente do mesmo Tribunal, Jerónimo Gonga Cassule, datado de 5 de Março de 2012.


Sob o processo nº 643-F/11, contra Kialelo Kumesso, pendem acusações de ter cometido crimes que não admitem liberdade provisória, segundo o douto despacho de pronúncia proferido no dia 1 de Março que ordenou a captura do arguido, disse a O PAÍS o seu advogado. “Depois da detenção foi levado ao Cunene onde está presentemente a cumprir uma prisão ilegal”, explicou.


Salvador Freire justificou que a detenção é ilegal na medida em que o caso está a seguir os seus trâmites legais na Procuradoria -Geral da República (PGR), no gabinete de inquérito, para onde o processo tinha sido encaminhado. “Está-se a trabalhar no caso, mas infelizmente o homem foi detido e o Tribunal não especifica que tipo de crimes alega não permitir liberdade provisória e nem tão pouco a prisão seja substituída por caução”, argumentou.


Perseguição


Segundo o advogado, o seu constituinte começou a ser perseguido e recebendo ameaças de mortes desde que denunciou que alguns dos principais responsáveis da DPIC-Cunene estavam envolvidos supostamente no negócio de droga que vinha do Brasil, com passagem por Luanda, Ondjiva e Namíbia. “Desde que essa denúncia veio a público, o Kialelo nunca esteve seguro. Já escapou a raptos e recebeu ameaças de mortes por desconhecidos através de telefonemas anónimos”, afirmou.


Disse ainda que antes da detenção do seu constituinte, as autoridades a quem o jovem polícia de 30 anos havia denunciado este crime nunca lhe prestaram o devido apoio no concernente à garantia da sua integridade física, mesmo depois de constantes alertas feitos por ele e pelos seus advogados. “Escrevemos ao Comandante Geral da Policia Nacional, ao ministro do Interior, à DNIC, à PGR e à Provedoria de Justiça, mas sem qualquer reacção”. O advogado disse que a instituição que dirige não vai cruzar os braços e continuará a solicitar às entidades competentes para se pronunciarem sobre o caso.


Referiu que compete ao Estado garantir a segurança deste oficial que denunciou corajosamente este crime que é punível nos termos da lei, caso contrário em momento algum poderá aparecer mais alguém ousado para revelar situações deste género que tem provocado o enriquecimento ilícito de uns e a degradação de muitas pessoas. “As drogas têm esses dois lados opostos. Enriquecem os traficantes e prejudicam os consumidores ”.


Reconhecimento


Apesar desta situação, Salvador Freire reconhece o empenho do Governo no combate à droga, mas segundo ele, é preciso fazer-se mais para se banir este mal que continua a proliferar silenciosamente. “Este esforço tem de ser redobrado para dar resposta a situações desta natureza. É necessário que se investigue as acusações, como é o caso concreto do caso que envolve os dois responsáveis policiais do Cunene para se apurar a verdade dos factos e não remeter o caso a um silêncio sepulcral”.


Na sua opinião, deve haver justiça à dimensão de cada crime, e o da droga não deve ser uma punição de ânimo leve, avançando que no país suspeita-se haver grupos organizados de criminosos que enveredam por esta prática prejudicial, a julgar pelas estatísticas reveladas publicamente pela Polícia Nacional. “ Sendo um acto criminoso de dimensão internacional, é necessário que os tribunais apliquem as leis para se combater este mal ”, afirmou.


Como tudo aconteceu


Foi no dia 12 de Outubro de 2010, altura em que acusou o director provincial da DPIC, e o chefe do Departamento de Narcotráfico, Miguel Arcanjo Sumbo e Luís João, respectivamente, numa carta endereçada à Procuradoria Geral da República(PGR) e à própria DNIC ,de estarem supostamente ligados ao negócio da droga. Face às denúncias, Baptista Kumesso viria a ser transferido para Luanda, por uma questão de segurança, mas aqui também não encontrou a tranquilidade que esperava.


A situação do denunciante agravou-se no dia 18 de Julho de 2011, quando recebeu uma “nota de culpa” da DNIC, acusando-o da prática de “ divulgação na imprensa de notícias desprestigiantes e atentatórias ao bom nome da Polícia Nacional. Espelhavam os autos que o acusado distribuiu à várias entidades, documentos de interesse policial que reflectem a matéria estampada no Jornal O PAÍS na sua edição número 139, de 8 de Julho de 2011.

A referida notificação alegava que o denunciante faltou ao cumprimento dos deveres disciplinares do regulamento em vigor. Infringiu o disposto no decreto nº 41/96 de 27 de Dezembro, no seu número 45 d artigo 5º, segundo uma cópia a que O PAÍS teve acesso através de uma fonte familiarizada com o assunto.


Primeira ordem de prisão


Como se não bastasse, a PGR do Cunene emitiu também no ano passado um mandado de captura contra Kialelo Kumesso, acusando-o de ter cometido os crimes de rapto e ameaças de morte contra um cidadão estrangeiro, que se encontrava a circular numa viatura ligeira com matrícula namibiana, na comuna da Santa-Clara (Namacunde), em Junho de 2010.


Segundo a PGR, no dia 19 de Junho do ano de 2010, Kialelo Kumesso terá recebido um telefonema anónimo, dando-lhe a conhecer da presença de estrangeiros ilegais que circulavam em Santa-Clara, tendo este ido até à casa dos suspeitos sem qualquer mandado de captura, onde terá praticado os crimes de que é acusado. A presumível acção terá sido concretizada com o auxílio de um outro polícia, José Domingos, colocado no Comando da Unidade de Protecção de Individualidades Protocolares(UPIP).


A PGR provincial alegava que os crimes imputados aos dois co-arguidos não admitia a concessão de liberdade provisória, daí a pronúncia do mandato de captura assinado pelo magistrado do Ministério Público, Filomeno dos Santos, datado de 22 de Julho de 2011. Entretanto, Kialelo Kumesso em declarações prestadas a este jornal, antes da sua detenção, havia refutado todas as acusações, alegando tratar-se de uma cabala com o fim de penalizá-lo por um crime que disse não ter cometido. “ Não fiz nada, o que eles pretendem é desviar a investigação sobre o envolvimento de responsáveis acusados no tráfico de droga”, defende-se.