Argentina - Estou em "casa", Buenos Aires, depois de mais de duas semanas intensas por causa de mais um período de aulas do curso de Doutorado em Direito., bem mais tranquilo, pensando nos desafios em relação às eleições de 31 de agosto que se avizinham em Angola, e também pelo fato de fazer mais de um mês que não posto nenhum artigo neste sitio, decidi compartilhar com vocês algumas inquietações; inquietações essas que, a meu ver, são reflexo das discussões que tivemos ao longo dos seminários em sala de aulas.


Fonte: Club-k.net

Talvez sejam inquietações com as quais meu coração e racionalidade se tem deparado nesses dias que aqui estou, principalmente quando conjecturo a despeito da realidade angolana. Acredito piamente que essas conjecturas são as conjecturas do nosso povo.

Comprei um livro fantástico que tem me dado outra ideia do que seja realmente a democracia. Trata-se do livro "A Democracia e os Seus Críticos" de Robert A. Dahl, professor emérito de Ciência Política da Universidade de Yale, EUA publicado pela Editora Martins Fontes de São Paulo. O livro é espectacular e de uma leitura simples, porém, acurada dos variados aspectos e espectros da democracia desde a época grega até aos nossos dias.

Tomei a liberdade de, inspirado por ele, escrever algumas ideias que ele trata no capítulo democracia como meio eficaz para o desenvolvimento humano, sem, contudo, me prender aos escritos do autor apesar de seguir a mesma linda de pensamento, mas poder me ajudar a desenvolver o meu raciocínio e inferências.

Porquê é que eu sou tão apaixonado, devotado e a favor da democracia?

Robert A. Dahl me ajuda não somente a responder essa inquietação, mas a me derreter, ainda mais, por esse sistema de governo elaborado de forma tão apaixonante e contraditório na alma e espírito humano ao longo da história.

Partilho essencialmente da visão de John Stuart Mill ao aduzir que o carácter de um regime e a qualidade de seu povo se relacionam de alguma forma de um lugar-comum da filosofia política desde os tempos gregos. Em suas considerações sobre o governo representativo, esse grande pensador já vislumbrou no horizonte essa visão ancestral.

Uma vez que o primeiro elemento do bom governo [...] é uma virtude e a inteligência      dos seres humanos que compõe a comunidade, o ponto de excelência mais importante      que qualquer forma de governo pode possuir é a promoção da virtude e da inteligência      do próprio povo. A primeira questão concernente a qualquer instituição política é até      que ponto ela tende a promover, nos membros da comunidade, as várias qualidades morais e intelectuais desejáveis. (Mil [1861] 1958, 25)

Mesmo sendo favorável à democracia como forma de organização política das sociedades humanas principalmente na “super” “hiper” “mega” “ultra” “power” modernidade" a qual nos encontramos, tenho consciência de que não existe combinação na história ou ciência da filosófica política consenso quanto à natureza exacta da relação entre os regimes e o carácter humano, nem quanto à direcção dessa causalidade.

Mas, mesmo assim sou favorável à democracia porque entendo e partilho da ideia de que é, essencialmente, um regime de governo que tem maior probabilidade comparativamente a outros regimes de promover certas qualidades desejáveis entre os seus cidadãos.

Na acepção de Mill, ao proporcionar oportunidade aos seus cidadãos, ou seja, todos aqueles que participam activamente na vida política, a democracia encoraja, como nenhum outro tipo de regime, as qualidades de independência, autoconfiança e espírito público. O argumento segundo o qual a participação política desenvolve qualidades pessoais e sociais desejáveis nos cidadãos democráticos foi desenvolvido muitas vezes desde o tempo de Mill, particularmente pelos defensores da democracia participativa, dentre os quais eu me inclino.

Precisamos nos lembrar de que embora atraente e plausível, esse argumento, como justificativa para a democracia, sofre uma grande dificuldade: ele depende inteiramente, afinal de contas, de uma hipótese empírica que afirma uma relação entre as características de um regime e as qualidades de seu povo. Determinar a relação entre os regimes e as qualidades de seu povo é uma tarefa difícil, e os cientistas sociais modernos pouco avançaram em relação as especulações e conjecturas de Platão, Maquiavel e Mill.

É claro que a democracia é um valor que teve origem, essencialmente, no sentido moderno, nas sociedades ocidentais e que foi se aperfeiçoando ao longo da história até adquirir os feitios que possui hoje, tomando configuração de um valor universalmente aceito; mas também creio que a democracia é uma valor atrelado ao espírito humano, tanto é assim, como eu frisei, adquiriu caráter de valor universalmente partilhado, em outras palavras; nós seres humanos, nascemos para viver em Estados democráticos pelas razões supra mencionadas.

Assim, na “hiper” modernidade, a democracia é questão de sobrevivência e preservação da espécie humana. É dessa forma que eu vislumbro Angola. Para nós, a democracia é mais do que uma questão se sobrevivência de quem nós somos; é uma estão de soberania!

Embora os teóricos modernos tenham ocasionalmente proposto que "uma personalidade democrática" pode ser necessária às instituições democráticas ou pode ser produzida por elas, as tentativas de definir as qualidades distintas de uma personalidade democrática e de verificar sua relação com os regimes ou práticas democráticas não têm tido muito sucesso.

Por exemplo, a conjectura de que a participação política tende a criar um senso mais forte de valor pessoal, maior tolerância e mais espírito público tem um suporte mínimo da investigação (1). Isso por si só levanta a ideia de que vários obstáculos metodológicos para verificar a hipótese são tão grandes que eles tornam essa conjectura, no máximo, uma justificativa débil e vulnerável da democracia - justificava essa que por si só não teria peso quase nenhum.

O que tenho no meu espírito é que a democracia não nem um sistema perfeito, aliás, diga-se de passagem, nenhuma forma de organização e de condução das sociedades humanas ao longo da história foi perfeita. O que entendo é que é a democracia uma forma mais justa, mais aceitável, comparativamente às outras formas que a humanidade, principalmente o mundo ocidental já experimentou apesar das suas imperfeições.

Todavia, se considerarmos as justificativas prévias da democracia, podemos observar essa questão de outro modo. Vamos supor que acreditamos que as pessoas adultas devam possuir estas qualidades, entre outras: devem possuir a capacidade de cuidar de si próprios, no sentido de ser capazes de cuidar de seus interesses; devem, na medida do possível, ser moralmente autónomas, em particular quanto às decisões de grande importância para si mesmas e para outrem; devem agir com responsabilidade, no sentido de pensar os cursos de acção disponíveis da melhor maneira possível, ponderando suas consequências e levando em consideração os próprios direitos e obrigações e os das outras pessoas; e devem ser capazes de participar de discussões livres e abertas com outras pessoas de modo a poder chegar a juízos morais.

A observação, causal ou sistemática, proporciona bons motivos para crer que muitos ou talvez quase todos os seres humanos possuem, ao nascer, o potencial de desenvolver essas qualidades, e que o grau que alcançarão no desenvolvimento delas depende primariamente das circunstâncias nas quais eles nasceram e nas quais ocorre seu desenvolvimento - ou a falta dele.

Entre essas circunstâncias, está a natureza do regime político no qual uma pessoa vive. E somente os regimes democráticos podem propiciar as condições sob as quais as qualidades que mencionei têm a probabilidade de se desenvolver novamente., ou seja, na acepção de Robert A. Dahl esses valores são ou tem mais probabilidade de acontecer num regime democrático.

A justificativa plausível é que todos os outros regimes reduzem, às vezes de maneira drástica, o escopo dentro do qual os adultos podem agir para proteger seus próprios interesses (que dirá os interesses dos outros), exercer a autodeterminação, assumir a responsabilidade pelas decisões com outrem de uma busca pela melhor decisão.

Uma vez que a existência de um processo democrático no governo do Estado não pode ser uma condição pode não ser condição suficiente para essas características se desenvolverem, e como, de qualquer forma, os regimes reais nunca são plenamente democráticos, os obstáculos metodológicos à verificação empírica permanecem.

Mas se as qualidades que descrevi forem desejáveis, parece razoável sustentar que, para que elas possam se desenvolver entre uma grande do povo, é necessário, se não suficiente, que o povo governe a si mesmo democraticamente.

Ora, ao vislumbrar o nosso sistema de organização política, temos como princípio fundamental o estabelecimento do Estado democrático e de Direito (Art. 2, 1 da CRA), o significa que nós angolanos entendemos que a democracia é o nosso modelo de organização social; nós somos uma sociedade que decidimos proporcionar um ambiente de liberdade (...), onde qualquer angolano possa efectivamente desenvolver suas qualidades mais intrínsecas sem reserva mental alguma, pois, isso é típico do que realmente seja uma democracia.

Assim, nosso problema não é de definição ideológica, mas de implementação; ou seja, o de transformar na prática; na realidade, aquilo que no espírito decidimos ser; é por isso que eu acredito e creio na democracia. Isso significa que o que temos a fazer é trabalhar destemidamente para que não sejamos uma democracia ideal, mas uma democracia real e possível, pois, assim como o homem imagina em seu coração assim ele é.