Luanda -  O País foi confrontado a meio da semana que hoje finda com declarações extremistas e bombásticas por parte do Presidente da UNITA, Isaías Samakuva. Em conferência de Imprensa, anunciava que o seu partido “iria mobilizar o povo angolano para boicotar as eleições de 31 de Agosto caso elas se processassem fora da lei”. E o que fazia então o «Maninho-Mor» lançar tão aziago agoiro sobre um processo que, criança ainda de apenas dois dias, todos desejam que seja nado vivo e saudável?


Fonte:  SA

As razões aduzidas por Isaías Samakuvas têm a sua razão de ser e devem ser cuidadosamente tidas em conta. Segundo ele, é preciso prevenir que elementos estranhos interfiram no caminho dos dados desde a mesa de voto até os centros de escrutínio provinciais. Para isso, parafraseia a Lei que ordena que os dados sejam transmitidos pela via mais rápida e segura.


Aqui chegados, Samakuva não se fica por meias medidas: exige que todas as mesas de voto tenham um grupo gerador para fornecer energia eléctrica; uma fotocopiadora para que cada delegado de mesa receba cópia das actas; Um scanner e computador para enviar as actas ao Centro de Escrutínio Provincial ou pelo menos um fax – que, como sabemos tem que estar ligado a um telefone: de uma das nossas redes móveis, de um fixo… ou de um satélite, diriam os técnicos. Por junto e atacado, seria necessário comprar pelo menos 11.000 geradores, o mesmo número de fotocopiadoras, fazes telefones, centenas de metros de cabos eléctricos, com os respectivos acessórios como tomadas, bocais e transformadores; computadores, nem que portáteis com os seus acumuladores e impressoras; a isso somar-se-ia o treinamento de técnicos de comunicações via fax e INTERNET.


Comprada essa quantidade nada exígua de materiais, viria a hercúlea tarefa de planificá-lo para as mais de 10.000 mesas espalhadas pelo país; e depois fazer a sua transportação para os 164 municípios e as mais de 1.000 comunas do país. E o processo não pararia por aí: haveria que ter o combustível para os geradores, o que os kificanos como o autor destas linhas sabem como é. Não seria nada mal avisado ter à mão o técnico para ver as avarias da fotocopiadora, as arrelias das ligações eléctricas com tendência de «dar o berro» nas horas em mais se precisa dela, a mesma coisa com o fax, ou a INTERNET que decide «perder aquilo na hora própria». E tudo isso em muitos, muitíssimos lugares onde «essas modernices» como diz sabiamente a minha dona nunca tinham lá andado.


Resumindo e concluindo: Para Samakuva e pares ou isso ou nada de eleições. Se as eleições avançarem, são fraudulentas e não devem ser aceites. Ou devem ser repetidas. Alguém se lembra quando o Semanário Angolense avançava isso como estratégia da UNITA há alguns meses atrás?


Ainda assim e em nome da mais elementar justiça, há que reconhecer que a preocupação da UNITA é legítima na sua essência. Indo mais longe, e caso o seu objectivo não seja o boicote das eleições como ela própria diz, a UNITA está a cumprir e bem o seu papel ao chamar a atenção da sociedade para uma dicotomia que não abona bem para a nossa jovem democracia: o facto que estamos perante uma lei com fortes características de inexequibilidade, mas à que as autoridades competentes parecem não dar o devido interesse e atenção. O que deixa uma pergunta sem dúvidas angustiante: como ficamos? Cumprimos a lei (com as consequências inerentes caso não); mudamos a lei (haverá tempo); ou adiamos as eleições para dar tempo para que ou haja condições para o cumprimento da lei ou para mudá-la.


São estas três perguntas que o Semanário Angolense, ouvido Isaías Samakuva a levantar a questão, traz aos seus leitores esta semana. Para a sua reflexão, traz os postulados legais, recolhe a informação disponível. Falamos com a CNE mas, pelo facto de a sua porta-voz, Júlia Ferreira ter viajado, apenas pudemos contar com uma fonte que solicitou o anonimato «por estar a falar na sua capacidade individual». Contactámos fontes da UNITA que não acrescentaram grande coisa ao que o seu líder já dissera. Mas, no essencial, o que foi possível respigar é o que se segue nas próximas linhas.


O QUE DISSE SAMAKUVA


A UNITA ameaçou na quarta-feira 1 de Agosto em Luanda, que "utilizará todos os meios legais e pacíficos" para "mobilizar o povo angolano" e "impedir que se realize no dia 31 de Agosto uma eleição que não respeita a lei". A ameaça foi feita em conferência de imprensa pelo seu presidente Isaías Samakuva, que deu prazo até dia 15 deste mês para, citamos, “a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) respeitar a legislação eleitoral aprovada pelo parlamento”.


Em causa estará, segundo Samakuva, a falta de equipamentos que permitam aos presidentes das assembleias de voto transmitir, no final da votação, os resultados para o Centro de Escrutínio, e a distribuição, no local, de cópias das actas de voto aos delegados das formações políticas concorrentes assim como a realização de uma auditoria "séria e independente" ao sistema e equipamentos centrais de escrutínio. Com isso, a UNITA estaria a evitar intrusões externas no sistema de dados eleitorais. "Sem esta auditoria, e considerando que as duas fraudes anteriores … (de 1992 e 2008)… foram realizadas também através dos computadores e dos sistemas de transmissão de dados, os angolanos não têm base para confiar na integridade dos programas fontes e dos sistemas de transmissão de dados que a CNE planeia utilizar no dia 31 de agosto", disse o líder da UNITA na ocasião.


Samakuva diz ainda que a falta de condições para a transmissão dos resultados eleitorais para efeitos de apuramento provisório e gestão dos centros de escrutínio a todos os níveis, deve-se ao facto que o valor do contrato assinado com a empresa espanhola INDRA vale 130 milhões de dólares. Consultado o mercado, verificou que uma solução tecnológica para colocar equipamentos em todas as 10.349 assembleias de voto, transmitir os resultados, instalar e gerir os centros de escrutínio, a todos os níveis, custa cerca de 25 milhões de dólares. "Além de em termos económicos ter feito um mau negócio, Angola vai pagar mais de 100 milhões de dólares para a CNE desrespeitar a lei", acusou.

 

Palavra para a CNE: ISSO É UM ABSURDO!

«O que o Presidente da UNITA diz não faz sentido. Passa até a ideia que quer propositadamente minar o processo. Senão vejamos: como é que, a UNITA tendo gente sua no CNE que pode trazer as preocupações do seu partido não o faz e de repente vem com ultimatos e ameaçando logo boicotar as eleições?!» Foi assim que reagiu uma fonte altamente colocada no CNE que pediu para não ser identificada pois «esses assuntos devem ser tratados pela porta-voz» justificou.

Porém acontecia que a Dr.ª Júlia Ferreira viajava nesta quinta-feira à noite e estava indisponível para o contacto. Pelo que o SA voltou a carga junto de outra fonte, esta que, talvez por mais insatisfeita com o que achava ser um «golpe baixo» aceitou falar, embora também sob anonimato.

É esta fonte que disse ao SA que o que a UNITA estava a pedir «era simplesmente irrealizável» como fez questão de frisar. «Você que conhece o país real, está a ver distribuir centenas de geradores a lugares remotos do Kuando-Kubango, por exemplo? Num país em que a rede telefónica nem sequer atinge ainda todas as capitais municipais, como é que se vem falar de faxes e INTERNET ao nível de todo o país? Quem vai manusear toda esta tecnologia, com a exiguidade de quadros que temos? Essas são apenas algumas das perguntas que, eu se fosse jornalista faria ao Sr. Samakuva na tal conferência de imprensa» disse visivelmente agastado.

Questionado quanto ao facto de a lei estar aí e ter sido aprovada pela Assembleia Nacional, o nosso interlocutor remeteu-nos «ao espírito do legislador». Segundo ele, é normal e correcto que ao legislar tenha-se em conta «a situação ideal que, sabendo-se que o país vai tarde ou cedo atingir, proteja da melhor forma possível os direitos do cidadãos. Porém, quando condições objectivas de carácter temporário colocam empecilhos a esse usufruto, devem-se encontrar alternativas que, não dando o pleno usufruto dos direitos em causa, salvaguardem o espírito do legislador. É isso que a UNITA parece não querer fazer por motivos só dela conhecidos» explicou.

Foi no CNE que o SA soube que, embora não da forma como o Presidente da UNITA exige que se faça «com condições que não se encontram em nenhum país africano com excepção talvez da África do Sul, Egipto e Marrocos» como fez questão de salientar os aspectos levantados pela UNITA estão acautelados. «Cada delegado de mesa receberá a sua cópia assinada das actas e os dados chegarão tão célere e seguramente aos centros de escrutínio provincial quanto permitam as nossas condições específicas. O resto parece mais uma manobra eleitoral ou uma estratégia capciosa que visa alcançar objectivos inconfessos» acrescentou, remetendo o resto para o comunicado de imprensa que o CNE faez sair nesta mesma noite.


ESTES TIPOS… QUANDO VÃO APRENDER A SE ENTENDER?

 

Aqui chegados, e na qualidade de voz do povo, não tem como não lembrar essa tirada do finado Savimbi: esses tipos não aprendem. Só que, desta vez os tipos são da sua classe política, incluindo o seu sucessor. Os políticos mwangolês parecem fadados a jamais «se endenderem».

Analisados os factos em presença, chega-se à conclusão que todos têm razão e ao mesmo tempo ninguém a tem. Como aliás acontece em todas as brigas de casais ou de irmãos. Porquê?

Porque se é verdade que o que Samakuva reclama é justo e necessário, também não é menos verdade que há que ter em conta as condições próprias do nosso país, que ainda não são as ideais. Sendo verdade e compreensível que a UNITA quer evitar elementos estranhos que adulterem os resultados eleitorais, não é menos verdade nem menos compreensível que os meios tecnológicos e humanos que ela exige para considerar as eleições transparentes são financeiramente onerosos, tecnicamente sensíveis e logísticamente complicados de fazer chegar lá onde seriam necessários. Por isso, aos partidos representados na CNE nada mais resta que uma postura de boa fé necessária para a negociação e para o diálogo.

Postos aqui, não há isenção jornalística que nos faça fugir ao facto que, a ser verdade que a UNITA não tem apresentado esses assuntos à discussão na CNE e depois o seu presidente vem ameaçar «mobilizar o povo para com todos os meios legais e pacíficos boicotar as eleições de 31 de Agosto» é um grave atentado à estabilidade da Nação da parte deste partido e do seu líder. É que fica a pergunta: se ainda há espaços de diálogo e concertação, porquê já a ameaça do extremo? Ou será que já o queria fazer e vai buscando hoje aqui, amanhã acolá os pretextos para assim proceder? O Semanário Angolense lembra que já confrontou a UNITA neste mesmo espaço se essa seria ou não a sua intenção…

Porque se por um lado deve-se dar o mesmo espaço e a equidistância no tratamento a todos os partidos políticos concorrentes às eleições – assim ditam as regras da deontologia e ética jornalística – tudo isso cai por terra quando algum ou alguns desses partidos atentem contra os pilares da Nação. A sua estabilidade. E em qualquer pais do Mundo, inviabilizar eleições é tão somente um crime de lesa-pátria, a não ser que motivos graves e patentes aos olhos de todos assim o justifiquem. Agora, fazê-lo porque se quer faxes, telefones , INTERNET e electricidade onde isso não existe não é, definitivamente da classe dos tais «graves motivos patentes aos olhos de todos». Porque não resolver o problema com meios mais simples e mais adequados à nossa realidade? Quais, esses mesmos políticos que estão a receber o dinheiro dos contribuintes têm a obrigação patriótica de resolver.

E para fecho mesmo, caímos na senda do dono da coisa: o contribuinte. O eleitor. Será que este, o dito dono último da soberania estará interessado em ir às ruas – outra vez – abanar as instituições do Estado, quais ventos primaveris de arábias hoje destroçadas e regressar à indigência, ainda que espiritual da qual a dita comunidade internacional virá depois com sacos de milho salvar-nos? Pensar que sim, parece complicoso para uma classe que quer paz, segurança e desenvolvimento.

Portanto… senhores políticos. Mostrem que estão a gastar bem a dinheirama que receberam dos contribuintes. Comportem-se… e vejam lá se se entendem, caramba!