Luanda - Pensará alguém que exagero na minha abordagem, mas o calvário que levamos neste país que nos viu nascer, Angola, é isso mesmo: Sequestro. É como se estivéssemos a bordo de uma nave raptada por piratas que nos privam de tudo e aspiram com isso, se possivel privar-nos da propria vida e a das nossas crianças, muitas delas já com enormes dificuldades de ocuparem o espaço a que teriam todo o direito.


Fonte: Unitaangola.org


Colonialismo

Pertenço à essa geração de angolanos, que apesar de nâo termos vivido o tanto do que sofreram os nossos pais e avós, ainda vimos e guardamos do colonialismo, recordações vividas na carne como por exemplo e para citar só duas:


- Ser capturado por um cipaio e ter que ir cumprir trabalho forçado por tempo indeterminado por ordens do administrador de posto, sem alimentação nen remuneração;


-Ter como documento certificativo do teu nascimento, uma cédula onde vinham os teus dados completos e na esquina superior do documento, a figura de um bebé pintado de negro como carvão, e no extremo da humilhação, uma especie de cauda. Isso foi o colonialismo, e os angolanos nascidos depois dos sessenta que não sabem que foi assim têm o direito e o dever de sabê-lo.


Não se trata de rancor ou algum desejo de revanchismo. Trata-se de dados da História de Angola que ninguém mais pode alterar. Apesar de ter estado na moda falar-se tanto do racismo sul africano que foi de longe superior, não havia também nesta nossa terra, toda igualdade racial. Brincávamos com os nossos amigos brancos, a quem tinhamos que tratar de “menino” ainda que fossem ja adultos, mas eles nâo tinham este documento.

Espero que haja alguma cédula dessas em algum museu do país, e se não há, prontifico-me a oferecer uma copia dessas famosas “vitiapas”, assim se chamavam pelo menos na lingua umbundu.

Ainda me lembro como ontem, da alegria que encheu o meu coração e claro o dos angolanos em geral, naquele inesquecível 25 de Abril, quando recebi a noticia da queda do regime de Caetano. As primeiras reacções foram de incredulidade, mas pouco a pouco as pessoas se foram familiarizando com a noticia e explodiu a alegria.

A alegria de nos vermos livres do colonialismo, dos maus tratos recebidos da potência dominante. Era incalculável. Caira um regime e tinha terminado um calvário. Contra toda a série de injustiças o povo se havia levantado em armas e tinha conseguido libertar-se. Bem, este foi só um fragmento da história colonial. Homenagem seja prestada, aos que tanto em Angola como em Portugal lutaram para que isso terminasse.


Liberdade raptada


Seguiu-se o que já sabemos e quase quarenta anos passados desde a independência, vivemos hoje uma situação que revolta a todo o angolano consciente. Tudo porque no meio dos antigos libertadores, surgiu um grupo cujos dirigentes, tomando as rédeas da nave, esqueceram-se que a independência e a conversão de Angola em um estado democrático, foi uma conquista de todos os angolanos.


O nosso país ficou sequestrado no dia em que o leme desta grande nave caíu nas mãos de gente que no seio do MPLA, tinha medo de abrir-se ao seu próprio povo que no entanto, foi sempre utilizado como meio para sua sobrevivência.


O libertador de ontem virou algoz do seu próprio povo, massacrando jovens inocentes no Pica Pau em Luanda, massacrando angolanos na ponte do rio Kuanza em 1975, fusilando nos chamados campos da revolução com a população obrigada a assistir as macabras “lições”, com destaque para a dos cinco, do dia 3 de Dezembro de 1978 no Lobito e a dos quinze fusilados em Luanda em 1980; (quem se esqueceu de nomes como os de Artur Elavoko Albino, Armando Kapitiya, Emidio Loide Nuñulo entre outros?); soma e segue, massacrando seus próprios militantes na inesquecível tragédia do 27 de Maio de 1977 ainda fresco à espera de reconciliação genuina; mesmo ritual em Outubro de 1992 em Luanda e demais cidades; em Janeiro de 1993 contra os bakongos; nos bombardeamentos sobre a martirizada população do Huambo, onde no entanto se esqueceram de erguer o cemitério dos mártires.

É lamentável termos que falar disso num momento como este, mas pode ser que isso ajude a refrescar a memória de gente como Norberto Garcia, secretário para assuntos politicos do MPLA que, em vez de acusar a UNITA e tentar pôr a salvo o seu MPLA como se fosse um anjinho, devia saber, que o perdão ao povo deve ser pedido por todos actores da guerra, a começar por quem teve sempre a habilidade de a começar, o MPLA.

Lembro-me como ontem, que quando 1975, já o MPLA e a FNLA se guerreavam e o dr. Savimbi andava de comício em comício apelando a que parassem de se matar e que dialogassem, lhe apelidavam de “pombinha da paz” e diziam que o que ele tinha era medo e falta de força.

No aspecto sócio económico, o dia a dia do Angolano fala por si. Salta à vista de qualquer observador, a existência de cidadãos de primeira e os de segunda classe; a discriminação no acesso à educação, ao emprego, à assistência médica adequada, aos bens de consumo etc.

Todos os dias ha novos negócios que se abrem no país, ha novos aranha céus que se erguem , mas os nomes dos titulares são os mesmos que não só o fazem roubando o que é do erário público, senão que por cima, impedem os outros cidadãos talvez mais honestos de acederem a alguma oportunidade. Inventam-se leis que facilitam a exclusão, combatendo assim o crescimento de uma classe média de que se sentem ameaçados..

Esse minúsculo grupo de angolanos que tem o leme nas mãos, promove a mediocridade na formação da maioria da nossa juventude, enquanto os seus filhos “angolanos de 1ª” são enviados para as grandes escolas no estrangeiro, donde rgeressam já nomeados para ocuparem os postos deixados pelos progenitores, uma forma de perpetuar a dominação.

Tal atitude vai torturando moral e fìsicamente os angolanos, conduzindo-os aos limites da paciência quando essa exclusão começa a transformar-se em algo que os promotores querem, talvez, que seja entendida como normal. Assim se pode ver o quadro tão triste que convida os angolanos a responderem. Que hoje, surjam cada vez mais noticias, segundo as quais até na nossa famosa capital da sonhada “Trincheira firme da Revolução em Africa” existam sitios onde, incluso por razões de raça, algumas pessoas, (negros em particular) não podem entrar, ou que um jovem me conte que no seu actual emprego, mesmo em conversa privada, lhe está completamente proibido fazer referência ao partido da sua preferência e em particular à UNITA, sob risco de ser despedido, é o cumulo do nosso atraso e da nossa vergonha. Isso é insuportável na terra de Ginga .


Astuto, o nosso regime que num futuro breve se chamará “antigo regime,” quiz anular a juventude com as eternas maratonas da cerveja. Uma forma de, mais fàcilmente evitar que ela se apercebesse da acentuada privação dos seus direitos.

A esperada vida decente conquistada a custa de tanto sacrificio se eclipsou enquanto o futuro dessas nossas crianças foi ficando cada dia mais comprometido. O Estado até abdicou dos compromissos assumidos na feitura da paz, deixando cair no esquecimento, aqueles que deram o melhor de si mesmos, para a concretização dessa paz A nossa nave parece seguir sem rumo ou com um rumo que só os próprios piratas e seus familiares devem estar ainda convencidos que poderão seguir indefinidamente na mesma direcção.

Felizmente assistimos, nos últimos tempos a um despertar da nossa juventude que já não aceita como ontem, os métodos pidescos do MPLA. Assitimos as primeiras manifestações da nossa valente população e dos ex-militares desejosos de fazer ouvir que já não aceitam que na sociedade que eles edificaram com seu próprio suor e sangue, sejam hoje reduzidos à classe de espectadores e mendigos dos seus chefes de ontem.

Temos hoje uma melhor arma em nossas mãos: Temos uma Constituição Republicana, aceite por todos. Uma das características peculiares da democracia que o nossso país abraçou é a alternância, que se faz com base no pronunciamento livre do povo, verdadeiro titular da soberania, mediante consulta periódica por eleições livres, transparentes e comprovadamente justas. Bastará o respeito escrupuloso dessa Constituição.

Mas é impressionante e desolador ver que nessa nossa nave, cada vez que nos aproximamos das eleiçôes verificamos aspectos que nos magoam: Primeiro, uma articulação que denota a extrema falta de respeito em relação aos cidadãos. Considerando os angolanos como gente que nem sequer reflecte, aparece o MPLA com os mesmos métodos de oferecer bens a pessoas que durante os quatro anos que terminam nunca sequer considerou que existiam.

A recente distribuição de viaturas a alguns lideres religiosos e nâo só, é um desses insultos que esperemos que os visados tenham entendido. O nojento aluguer de bocas de alguns compatriotas que não aguentaram a passada da sede do dinheiro fácil declarando renunciar algo em que dizem ter acreditado durante anos a fio, é outro exemplo. Esses bens, normalmente pertença do Estado são entregues às suas “vitimas”, como se fossem do MPLA, outra forma de catalogar as vitimas de ignorantes.

Segundo aspecto, alguns dirigentes do MPLA e digo bem “alguns,” (porque patriotas amordaçados também não faltam no seio deles), em vez de trabalharem no sentido de fazer das eleições, processos limpos, credíveis e granjear assim, o respeito de todos, o nosso “glorioso” insiste em fazer recurso aos métodos de pirataria, eufemísticamente chamados fraudulentos.

Parece haver no seio dos camaradas, uma grave alergía a eleições transparentes cujo resultado possa de facto reflectir a real vontade popular. O assunto se transformou em uma cultura que tende a ser dificil de erradicar na mente do antigo PT. Necessitam ajuda de todos.

A mudança necessária

Afirmo-o com base no que hoje é sabido por todos do que foi a pirataria de 1992. Afirmo-o na base do que vimos em 2008 e mais tarde comprovado pelos resultados das peritagens feitas e que já são conhecidos de todos. Afirmo-o na base do que se viu no esforço que os do MPLA foram fazendo para violar constantemente as leis que eles próprios aprovaram na nossa Casa das Leis ao longo da preparação do actual processo e naquilo que ja estamos a ver, nos poucos dias que dura a campnaha eleitoral.

Se, tal como estamos habituados a ouvir, o MPLA é o que acomoda as grandes massas e não tem problemas em vencer as eleições de 31 de Agosto, porquê tanta persistência em continuar a violar as regras? Porque é, que o M tem que obrigar os funcionários públicos, e até o pessoal das escolas, incluindo os que deviam estar em aulas, a subir aos autocarros públicos arrancados aos trabalhadores, para irem assistir aos seus actos de forma compulsiva, como se viu no acto do inicio da campanha em Viana ?

E porque é que tem que obrigar a média pública a distorcer a realidade e actuar de forma tão indecorosa, impedindo a cidadanía de estar informada da situaçâo real? Porque é que orienta os seus agentes a obstruirem as actividades politicas de outros partidos, como sucedeu repetidas vezes nas provincias do Huambo, Benguela e recentemente contra a JURA em Luanda? Porque é que as queixas da oposição e não só, relativas à ataques violentos que sofrem, têm sempre como denomidador comum o causante MPLA?

Francamente o MPLA devia responder a essas perguntas.

O povo está maduro e essa tendência vai em crescendo. Seria muito salutar que o comando da nave soubesse leer muito bem os ventos que vão soprando, para que depois de tudo o que sofremos, mereçamos, pelo menos uma transição tranquila tanto para os sequestradores, como para os que foram vitimas disso, para que a alegria resultante seja igual, ou maior do que a da queda do regime de Caetano a que me referi no inicio.

O país precisa de se reencontrar sem mais turbulências, mas isso parece estar a depender muito da última vontade dos poucos que se encontram ao leme da nave, aos quais, em particular me dirijo.

Que o Senhor os ilumine para que saibam ser humildes e os Angolanos saibam conceder o `perdão a todos e nos reconciliemos na hora da alternância, em prol do bem estar e do progresso de todos, nesta Pátria Angolana. Esta é a minha prece.

Virgilio Samakuva
Luanda, 08 de Agosto de 2012