Luanda - O medo volta a apavorar as populações, sobretudo, em comunidades do interior do país tudo porque os políticos, em plena campanha eleitoral ameaçam e falam da guerra. Nasci em tempo da guerra colonial e cresci na guerra fratricida, entre irmãos da mesma terra. O mundo assistiu com tristeza a uma das mais longas guerras civis. Meu pai foi chefe do Sector Comandante Gika. Foi raptado, acorrentado, espancado até à morte e atirado nas matas do Tongo. Dos sete irmãos 5 foram militares dos quais 2 mortos, um mutilado de guerra e outros ainda no activo (um, agora, na polícia e outro no exército).


Fonte: Club-k.net

É uma dura realidade, senão, um calvário olhar para o passado e ler nele os sinais da guerra que tanto dividiu os filhos de uma mesma mãe. Perdi e perdemos não só a família entre parentes e amigos como o pouco que havia (mos) acumulado. Ainda, assim, tinha a esperança como qualquer angolano que nada, na face desta terra, era eterno. Alimentava, sempre, o desejo da paz. Olhei para a história do resto do mundo e consolei-me porque sabia que tarde ou cedo a paz havia de chegar. E sobre o sangue do outro irmão angolano achei que era a paz sem victória de uns e derrota de outros. Por isso, fechei a porta do passado cheio de rios de sangue de Cabinda ao Cunene.


Injustamente, os políticos abriram essa porta trazendo de volta o horror da guerra com dedos a A ou B. Temos de convir que em plena campanha eleitoral a concorrência entre os candidatos, partidos e coligações deveria deixar para a memória colectiva dos angolanos uma lição de arrependimento, de respeito, de unidade e amor para com esse povo que “um dia” foi submetido ao sofrimento, dor e luto pelos senhores da guerra. Infelizmente, o discurso da guerra parece marcar os sinais de alguma saudade pelo ribombar dos canhões.

 

Nisso, o Bié tornou-se a praça dos mártires da guerra. Em relação a isso, permitam-me tecer breves considerações: primeiro, há que respeitar aqueles que morreram em todas as guerras (colonial e fratricida). E, salvo melhor entendimento e respeito a eventuais e raríssimos casos individuais, quero crer que não preferiram a morte aqueles que morreram no Bié como os Mártires da Uganda, Kimpa Vita e alguns catequista e pastores mortos em 1961 de quem ninguém quer falar. Portanto, não é justo que se faça uma bandeira, sobretudo, partidária sobre homens e mulheres que se viram no limite de si até à morte; Segundo, não seria um acto de coragem içar a mesma bandeira de mártires sobre as mais de 100 crianças mortas na Cela-Waku-Kungu. Portanto, ou falamos de todos e não discriminamos ninguém ou deixamos de falar de todos e a todos respeitamos e rendemos a mesma homenagem. Isso é justiça. O que é que o povo do Waku-Kungu deve para ver na história, ainda que partidarizada, a memória e honra de seus filhos mortos na escola? De que medo têm os filhos da Cela-Waku-Kungu para homenagearem e falarem essa verdade silenciada quando outros mortos são homenageados? O peixe, os calçados, as motos calaram para sempre a história? Teremos nós, os filhos da Cela, legitimidade e a coragem de apagarmos a nossa própria história?


Na verdade, ninguém gostaria de ser advogado dos mortos, mas silenciar conscientemente a verdade e não honrar a memória dos nossos mortos é ser covarde e estar do lados dos seus algozes. Por favor, deixem de intimidar as populações com discursos e imagens incendiários. Por favor, parem de falar da guerra poque ela dividiu-nos e em nada contribui, neste momento, para a construção desta jovem nação que queremos mais unida e solidária.  Que os que gostam das armas fiquem em quartéis e deixem a política para os politólogos.