Luanda – O analista Fernando Pacheco, coordenador do Observatório Político e Social de Angola, considera que José Eduardo dos Santos consolidou, nos 32 anos na presidência angolana, a ideia de nação mas não soube abandonar o poder. Como factor positivo do exercício de mais de três décadas na presidência de JES, que completa 70 anos na próxima terça-feira, Fernando Pacheco destaca "todo o processo de resistência ao 'apartheid'".

Fonte: Lusa

Isso permitiu, segundo disse o coordenador do Observatório, "consolidar, e de que maneira, um sentimento de unidade nacional muito forte, mesmo tendo em atenção a relação que a UNITA tinha com a África do Sul". A continuidade da guerra, prosseguiu, "permitiu essa consciência de nação de uma forma muito mais profunda do que noutros países africanos".

Em contrapartida, JES "não soube retirar-se [do poder] na altura em que Angola entrou em paz", o que, afirma Pacheco, "teria vantagens para o país e para ele", uma vez que evitaria que o seu "o prestígio ficasse abalado".

O analista entende também que José Eduardo dos Santos "não respeitou o Estado de Direito", permitindo que a lei seja "frequentemente desprezada", nem cumpriu "a promessa que tocou fundo aos angolanos de luta contra a corrupção". Este assunto, lembra, tem estado ausente do discurso do partido no poder na campanha para as eleições gerais de 31 de agosto e, quatro anos depois das legislativas, "isso pode alterar o voto de muita gente".

Fernando Pacheco, ex-militante do partido no poder, que há muito se inclinou para o campo cívico, foi fundador da Associação de Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) e é actualmente coordenador do espaço de reflexão Observatório Político e Social de Angola, criado no pós-guerra, em 2004.

"Nunca estive tentado em exercer o poder, mas preocupo-me que o poder seja usado de determinada forma", declara, considerando que um dos maiores problemas de Angola está no artigo 1.º da Constituição. "O artigo número um da Constituição da República diz 'Angola é uma República'. Não, neste momento Angola comporta-se como as monarquias de há uns séculos. Há um rei, há uma rainha, os príncipes, os duques...", descreve.

Este quadro resulta da ausência das elites, no sentido amplo, dos assuntos essenciais do país, e da falta de consolidação das instituições. "Não podemos construir um país bom sem boas instituições públicas ou privadas", argumenta.

Fernando Pacheco, engenheiro agrónomo de formação, sente-se "triste, mas não frustrado" por não ver realizada a Angola que imaginava na adolescência e por não encontrar nas propostas de nenhuma das forças partidárias que vão a votos no dia 31 "alternativas a um projecto de sociedade" que corresponda às suas questões de fundo. "Vi todos os tempos de antena e sinto que não há preocupação de se levantar questões estruturantes da sociedade", que incluem também uma justiça independente e uma boa educação. "Sem isso, não se faz um bom país".

Mas a experiência que leva de décadas de observador atento da evolução de Angola leva-o evitar quadros de "bem e do mal, de preto e do branco, porque também há o cinzento e, dentro deste, o escuro e o claro". "Poderá não convergir a curto prazo com o que desejamos mas é nossa obrigação lançar a semente para que o fruto apareça um dia", afirma, afastando a ideia de revoluções, porque o mais importante "é construir a República".