Luanda - Em todo o mundo onde o exercício eleitoral é praticado é sempre assim que as coisas acontecem, com maior ou menor turbulência, com maior ou menor nervosismo, com maior ou menor animação.

Fonte: Club-k.net

Literalmente os países param, incluindo a produção petrolífera, ao ponto de alguém me ter dito que estas eleições angolanas poderão ser as mais caras de toda a história das democracias representativas que tardam em ser participativas.


O meu interlocutor, afecto a uma das multinacionais que trabalha em Angola, chegou a esta desastrosa conclusão, tendo em conta o custo/prejuízo para o país que resultará da paralisação por cerca de uma semana ou mais, da maior parte das plataformas on/off shore. Assim deverá ser, porque nestas plataformas trabalham milhares de angolanos que também têm direito ao voto e não querem prescindir dele.


Efectivamente, gastam-se balúrdios de dinheiro, que bem podiam ser aproveitados/canalizados para outras andanças mais viradas para o combate directo à pobreza.


Sabe-se, contudo, que no caso de Angola as eleições criam sempre novos-ricos (poucos mas medíocres) que acabam por “dividir melhor” todos os milionários remanescentes do processo preparatório, cujas contas nunca são fechadas e muito menos auditadas.


Nas eleições zangam-se as comadres e os compadres, onde se incluem amigos de longa data e os parentes que sempre se deram bastante bem até terem decidido apostar em cavalos diferentes, passe o melindre da comparação, que nenhum dos dois deverá gostar muito, quer os políticos, quer os equídeos.


Estes últimos, os cavalos de corrida, alegam que só correm da forma desalmada como o fazem, porque foram os homens que lhes colocaram talas nos olhos para não verem para os lados com o risco de perderem a preciosa velocidade necessária para ganharem as apostas.


Curiosamente também há políticos que acusam os seus adversários de estarem a colocar talas nos olhos dos eleitores para evitar que eles vejam tudo, desviando-se assim do mais importante que é não votarem no candidato do lado.


Os adversários, onde se destacam os inimigos do passado recente, prometem tudo e mais alguma coisa, incluindo o regresso à “porrada”, com o esgrimir de alguns fantasmas preocupantes, que grande parte dos eleitores desconhece completamente como é o caso dos jovens que hoje têm 18 anos.


A temperatura sobe bastante mesmo quando o cacimbo ainda está a bater forte. A calma desaparece quase completamente. Ficam as igrejas a rezar mas mesmo assim com alguns dos seus pastores mais afoitos a darem orientação de voto, uns na calada do “boca a boca”, outros mais “transparentes” do alto do imponente e luxuoso púlpito recém-construído e inaugurado para a glória de Deus nas alturas e do financiador na terra.


O tal de debate contraditório mesmo quando acontece formalmente acaba por ser dominado pela troca de galhardetes/mimos, pois nunca há tempo suficiente para se entrar com profundidade na substância dos manifestos/programas.


O mais importante é mesmo “caçar” votos a qualquer preço, ganhando aqui a corrida quem tem mais para oferecer, enquanto se aguarda pela tradução em números, assentos e percentagens de todo o investimento feito em meios líquidos, sólidos e mediáticos, numa disputa em que a propaganda falou tão alto que acabou por asfixiar o jornalismo.


Nesta altura e depois de todos, os que conseguirem, terem ido acertar as contas do país com as urnas, vai instalar-se o habitual período de incerteza e mesmo de alguma angústia entre a população, enquanto os resultados não são oficialmente proclamados, digeridos e aceites, para que o país possa regressar urgentemente à normalidade interrompida durante algumas semanas.


Por mais democráticas que sejam como garantia do próprio sistema, as eleições não são boas conselheiras para a estabilidade politica e emocional de qualquer país, mesmo os mais adultos e consolidados do ponto de vista do funcionamento do sistema político democrático. O ideal seria a procura do consenso entre os vários protagonistas, o que em termos práticos já se revelou impossível devido ao tempo que é preciso para se alcançar um acordo em torno de um programa exequível de governação.


No caso de Angola, como todos sabem, seria preciso no mínimo uma eternidade, “produto” que ainda não se encontra disponível na dispensa nacional para consumo imediato.


Como nota de roda-pé diria que o que menos gostei nestas eleições (e foram vários os motivos que alimentaram os meus desgostos para não variar), foi a CNE ter escolhido o ameaçador lema “Vota pela Paz!”, num alinhamento total com a estratégia política de um dos concorrentes. Com a paz fechada a cadeado no abraço trocado entre os generais Cruz Neto e Kamorteiro, para mim o desafio que ainda existe é o da reconciliação nacional.


Este desafio tarda em ser vencido, porque é contrário à uma certa lógica da confrontação politico-partidária, que mantém o país na “idade média da democracia”.


É esta a narrativa que prevalece transformando os cidadãos em reféns das camisolas partidárias e impedindo que Angola evolua rapidamente para uma República de Eleitores, de acordo com o que reza o artigo 3º da sua LCA. A República dos Partidos vem a seguir.


* Este texto foi publicado na edição desta sexta-feira da Revista Vida/O País (31/08/12)