Citação de Autoridade: «Para que a sociedade angolana possa mudar e tenha uma Democracia efectiva é necessário que haja mais gente a lutar, não pela realização de eleições, mas pela realização da Democracia» RAFAEL MARQUES.

Caro Ferrenho Anónimo.
Respeitosas saudações.

Com o fim da campanha eleitoral e com a estrondosa consagração do «teu partido» não esperava voltar a receber mais uma das tuas famosas mensagens de intolerância política e de exaltação do monopartidarismo.

Antes de discutirmos o conteúdo da tua mensagem triunfal, vou pedir-te que deixes de escrever-me sob anonimato. Acho que não é uma atitude séria, justa, livre e transparente.

Meu caro, não posso fazer o que me exiges: render-me à tão propalada ideia de que Angola deu um grande exemplo ao mundo e admitir que as nossas eleições foram livres e transparentes. Porque? Porque o que se passou em Angola não corresponde a nada daquilo que li, estudei, vi, vivi e sei acerca de processos eleitorais Por isso e atendendo as complicadas democracias dominantes em África, acho apenas que as nossas eleições foram… aceitáveis.

Caro Ferrenho Anónimo. Não é, nem pode ser, apenas o dia do voto que determina a justeza, a transparência e a liberdade de uma eleição. É preciso considerar a globalidade do processo eleitoral. Porque um processo exemplar implica o cumprimento rigoroso e transparente da sequência de passos, acções e tarefas que vão desde o registo eleitoral à publicação dos resultados definitivos.

Assim, o acto eleitoral de 5 de Setembro e a publicação dos resultados deveriam ser um honroso e jubiloso culminar de um processo eleitoral cívico, livre, justo e transparente. Mas tal não aconteceu. Em minha opinião, só a atitude dos eleitores é que foi cívica e só os formatos das urnas é que foram transparentes. Quanto ao resto do processo… é o que todo mundo viu.

Pedes para pararmos de choramingar e para nos convencermos de que, com esta esmagadora vitória do «teu partido», a democracia veio para ficar. A minha resposta não seria tão certeira como a de Rafael Marques: «Houve eleições sem ter havido um verdadeiro processo democrático (…) O problema em África é que as eleições acabam por ser utilizadas como substituto da democracia. As eleições vêm conferir legitimidade democrática a uma situação na qual os pressupostos democráticos continuam a ser diariamente violados (…) Não podemos continuar a confundir eleições com democracia».

Caro ferrenho Anónimo. Não podemos aceitar uma democracia onde os ditos democratas não se sintam obrigados a cumprir as regras do processo democrático e a respeitar os valores fundamentais de um Estado de direito. E não basta uma pessoa ser do MPLA, falar bem português, viver em Luanda e vestir fato e gravata para ser automaticamente considerada democrata. Isto porque, os democratas são se presumem. Comprovam-se pela prática reiterada dos grandes valores da Democracia.

Por exemplo: o debate eleitoral é um dos requisitos necessários para que o processo eleitoral seja considerado justo, livre e transparente. Durante a campanha eleitoral, não houve nenhum debate (televisivo ou radiofónico) entre os presidentes dos principais partidos. Assim, a CNE, o Governo, a Televisão Pública e a Rádio Nacional não podem vir dizer que estiveram ao serviço da Democracia quando não foram capazes de tornar possível um debate entre Samakuva e Eduardo dos Santos. O divino e intocável Presidente do MPLA não pode vir gabar-se de ser um democrata, absolutamente, empenhado na democratização do País quando se recusa a debater ideias com os «desprezíveis mortais» que lideram os outros partidos que concorreram as eleições.

Portanto, estamos muito longe da verdadeira Democracia. Quando é, então, que poderemos ter uma Democracia a sério? Certamente acompanhas os meus artigos e, por isso, já deves saber a minha opinião sobre o processo democrático em curso. Para mim, só com o fim do futunguismo e com o surgimento de um MPLA-Renovado é que Angola poderá caminhar rumo a edificação de um verdadeiro Estado de direito democrático alicerçado na soberania popular, na dignidade da pessoa humana e no pluralismo.

Assim, enquanto os futunguistas continuarem com o seu longo e doloroso reinado e enquanto não emergir na cena política de Angola um MPLA-Renovado capaz de promover a democratização e reconciliação do MPLA-Histórico e dar outro rumo ao processo de democratização do nosso promissor País, teremos de nos contentar com essa democracia dos futunguistas que será sempre insonsa, morna, confusa, translúcida e titubeante.

Dizes que nós que estamos sempre a falar mal do «teu partido» já devíamos aprender que não se brinca com o «grande MPLA». Obrigado pela advertência. Mas não estás a dar nenhuma novidade. É que os poucos partidos que se atrevem a fazer oposição política e os cidadãos e as instituições que ousam fazer oposição cívica estão conscientes da luta desigual que travam contra o poderoso futunguismo. E o conturbado processo eleitoral serviu apenas para provar que continuamos sem ambiente, sem meios e sem condições para provocar a queda do futunguismo e promover a mudança que desejamos.

Porque? Porque os futunguistas têm sido muito bons nas disputas maquiavélicas pela manutenção do poder. E, depois de esmagarem Viriato da Cruz, Mário Pinto de Andrade, Gentil Viana, Matias Miguéis, Daniel Chipenda, Joaquim Pinto de Andrade, Nito Alves, Mostro Imortal, Zé Van Dunem, Sita valles, a FNLA, a poderosa UNITA de Savimbi, as FLEC´s e o antigo PADEPA sentem-se, agora, sem adversários à altura e no auge da sua força e do seu poder. O pior de tudo é que a dependência do petróleo deu-lhes uma ascendência sobre a política externa dos Estados Unidos, da China, da França, da Inglaterra, da Rússia, do Japão, de Portugal e doutros antigos defensores acérrimos da Democracia e dos Direitos Humanos. Por isso, não há no mundo de hoje instituição divina ou humana capaz de travá-los, contrariá-los, questioná-los ou censurá-los.

Dizes que fomos esmagados e que esta estrondosa vitória do «teu partido» serve para mostrar de forma inquestionável que «o MPLA é o povo e o Povo é o MPLA». Acredito que um dia a grande maioria dos adeptos e militantes do «teu partido» há-de perceber o que muitos do MPLA já perceberam: esta vitória representa a consagração absoluta de um poderoso grupo de maus governantes astutamente mascarados de democratas e que sobrevive a custa da poderosa imagem do MPLA.

Sabes, isto de termos sido esmagados eleitoralmente e de forma humilhante faz parte de um antigo sonho dos futunguistas que desde sempre pretenderam dominar a sociedade angolana de forma hegemónica e intolerante, por se acharem os mais «civilizados», os mais «capazes», os mais «iluminados» e os mais «evoluídos» dos angolanos.

No blogue «morrodamaianga.blogspot.com», do grande jornalista Wilson Dadá, está publicada a seguinte frase que um conhecido futunguista proferiu muito antes do dia 5 de Setembro: «Nós não vamos ganhar, nós vamos esmagar os adversários».

É verdade, caro ferrenho. Nós fomos brutalmente esmagados pelos futunguistas. Sabes porquê? Porque durante a viagem eleitoral os futunguistas, ao volante da sua poderosa e gigantesca máquina eleitoral, teimaram em circular em contramão, insistiram em viajar em sentido contrário, lançando o pânico e a confusão entre os utentes das vias eleitorais e colidindo violentamente contra os principais valores da Democracia e do Estado de direito. Essa prepotente aventura provocou um brutal acidente eleitoral em cadeia que fez inúmeras vítimas e causou imensos danos ao processo democrático em curso.

Bem, por hoje é tudo, caro ferrenho anónimo. Despeço-me com uma frase pronunciada pelo controverso ditador português António Oliveira Salazar depois da mega fraude eleitoral de 1958 e que retrata o estado de espírito dos apoiantes do futunguismo depois de terem esmagado os opositores (nacionais e internacionais) e terem feito triunfar a obscura democracia futunguista:
«Está tudo bem assim e não podia ser de outra forma».

 

*José Maria Huambo/ Semanário Folha 8
Fonte: angolainterrogada.blogspot.com/