Com todas as suas ambiguidades e ambivalências, o actual texto constitucional angolano consagra antes de mais a existência de uma figura vertical e vertebrada chamada Primeiro-Ministro (PM) a quem incumbem em geral dirigir, conduzir e coordenar a acção geral do Governo.

O texto, que se prepara para passar a história, diz-nos ainda que o Primeiro-Ministro é responsável politicamente perante o Presidente da República (PR), a quem informa directa e regularmente acerca dos assuntos respeitantes à condução da política do país.

Paulo Kassoma, um “rangelito” de gema oriundo do planalto central, que na sua biografia oficial apresenta-nos a particularidade de ser montador-electricista como profissão em paralelo com uma licenciatura em engenharia electrotécnica, já esclareceu que (“não”) vai respeitar a constituição no que diz respeito a assunção das suas responsabilidades mais especificas. Ele disse que a sua principal prioridade será “efectivamente materializar as orientações do Presidente da República”.

Essa, destacou, “é a principal actividade, daí a palavra coadjutor”.Com tal “deriva”, Paulo Kassoma quis, obviamente, colocar-se nos seus devidos lugares, como se diz por aqui.Voltamos a ler o já mencionado texto constitucional e não encontramos nenhuma passagem do seu articulado que diga, ipsis verbis, que o PM é coadjutor do PR.

Como é evidente, Kassoma fez uma interpretação política das suas responsabilidades constitucionais no seu relacionamento com o Presidente da República no contexto da nossa história, do nosso muito suis generis modelo de governação e da própria hierarquia e disciplina do partido que é membro e onde milita ao mais alto nível com o PR.
Se fosse um pouco mais ambicioso, Paulo Kassoma talvez devesse ir buscar uma outra passagem da Lei Constitucional onde se diz que o Presidente da República pode delegar expressamente ao Primeiro-Ministro a Presidência do Conselho de Ministros.

Enquanto não se aprova uma constituição mais esclarecedora do nosso sistema político, este recurso até poderia ser uma solução inteligente para se permitir a existência de uma primatura menos tutelada e mais de acordo com a vontade do eleitorado que é chamado a eleger indirectamente o governo nas legislativas.

Seja como for, com esta sua “nota de recusa”, Paulo Kassoma agradou a muitos, mas terá igualmente decepcionado outros tantos, mesmo dentro da sua família que, sem pretenderem ver nele uma repetição a prazo do caso M.Moco, esperavam ouvir da sua boca uma declaração inicial mais robusta.

Não nos podemos esquecer que tudo se está, entretanto, a passar intramuros, não constituindo propriamente uma novidade este “ritual do beija-mão”, quando ouvimos destacados dirigentes do maioritário começarem invariavelmente os seus discursos com os habituais encómios à clarividência do “Camarada Presidente”.Mesmo assim, talvez ainda haja algum espaço para “corrigir” Paulo Kassoma, fazendo-lhe recordar que a grande prioridade do PM antes de receber orientações de alguém, é governar e bem, de acordo com o ambicioso programa do MPLA que acaba de ser escrutinado pelo eleitorado com nota quase 10.

Fonte: http://www.morrodamaianga.blogspot.com/