A corrupção é um fato em Angola

 Não precisamos de muita imaginação  para   concluir que atrás desse programa existirá um esforço social  para que  objetivos e metas  sejam  alcançados, e sempre foi assim, e é assim em qualquer latitude geográfica. Uma quantidade imensa de recursos públicos  deverão ser usados. Nessa quantidade de recursos está incluído todo o patrimônio público: capital, financeiro e humano. Toda a riqueza que a nação cria, vem criando ou criará. Enfim, o esforço humano, o talento, o conhecimento  de todos angolanos  para se produzir riqueza  deve ser usado para que os programas do governo possam ser executados. Melhor ainda, o  Governo no poder tem  legitimidade e condição de governabilidade para canalizar e direcionar todos esses recursos que deverão ser usados com o objetivo de melhorar a vida dos  angolanos nestes primeiros quatro anos.

Camarada Presidente, José Eduardo dos Santos, nós acreditamos não só no seu trabalho e na equipe que  Vossa Excelência acabou de formar e estruturar para governar esse país. Acreditamos também na boa intenção dos homens que compõem o atual  governo. Confiamos  nos atos de cada um deles –como diz Fidel Castro- <<é preciso  acreditar nos homens>>, não porque sejamos burros ou idiotas, mas porque não temos alternativas. Além disso, <<é com os homens que convivemos e lidamos>>: são eles que cuidam de nós, desde os primeiros dias do nosso nascimento até a nossa velhice. Mesmo sabendo que dele também vem toda maldade e a pior das incertezas. Acreditar nele, no homem, é uma questão de civismo de educação, que determina o  bom equilíbrio nas relações humanas.

Acreditar nesse homem não significa fazer pensar  ao mesmo que a liberdade e a impunidade   confundem-se. Ao contrário, em qualquer sociedade exigi-se a existência de mecanismo que parametrizem e definem  o que é liberdade e o que é impunidade.

Vivemos numa sociedade democrática, terceiro mundista com ambições capitalistas  e recém saído de uma guerra, onde o rancor e o ódio não  foi totalmente superado. Qualquer deslize, desvio de parâmetros serão quantidades suficientes para se pôr em jogo programas, metas e objetivos  traçados pelo governo. Não podemos nos esquecer que a legitimidade e o grau de governabilidade aceito, que está refletido nos quase 82%, também podem  ser visto como uma batata quente nas mãos do partido no poder. Ou seja, com tudo isso só aumenta a responsabilidade de quem está governando. Aumenta as exigências, e com todo direito, a fiscalização, de preferência a fiscalização que o povo tem direito de fazer. Não essa a da oposição, sempre macabra e mal intencionada, oportunista, com jeito de raposa ou de lobo  sempre querendo tirar proveito no galinheiro onde se encontra.

A questão aqui é: já que existe um governo ( composto por   ministérios e secretarias), um programa, metas e objetivos; que instrumentos, mecanismo  se usará para se fiscalizar  todo esse programa e os caminhos que levarão o mesmo a um possível  êxito? A resposta talvez seria os órgãos de fiscalização e de policiamento do Estado Angolano, que são mais do que suficiente. Entre eles, o frágil e dependente  do executivo,  Tribunal de Contas. Isso seria verdade se vivêssemos num país em condições normais.

Não é intriga ou inveja da oposição dizer que vivemos num dos países mais corruptos do mundo, não é simplesmente má fé. Não é conversa de passageiro dentro do candongueiro ou no ônibus da TCUL; conversa de quitandeira ou peixeira na praça dos congoleses, São Paulo ou no Roque Santeiro. A corrupção é um fato ( um fardo, dir-se-ia) que nem precisamos abrir os olhos para ver ela a passar. Ela existe, está nas ruas, em nossas casas, nas nossas consciências,   e há quem até sobrevive graças a ela – irônico isso- mas é verdade!  A corrupção está nas escolas, onde vão todos os dias os nossos  <kandengues> ou pioneiros –se alguém ainda se recorda desta última expressão- com a intenção de aprenderem e serem alguém no futuro. Está nos hospitais onde todo mundo tem pavor de ir parar um dia, não pela doença, mas só de imaginar que vai ter que lidar com um mensageiro corrupto em nome dos médicos e da própria instituição hospitalar que imporá condições a ele e a seus familiares para que o mesmo possa ser tratado como devia ser. Está nas instituições públicas, ministérios e secretarias públicas de todo o país. E infelizmente está no governo. Esse governo que o povo teve, sim, a sabedoria de legitimar. Também (o povo) precisa que o mesmo (governo) agora mostre sua capacidade de governança. E para isso não bastam anúncios  de  programas e metas, é preciso, sim, mecanismos de fiscalização e combate a corrupção que sejam eficientes e credíveis. Ou, ainda, os mesmos anúncios deveriam, também, estar acompanhados  de tais mecanismos.

Em outras palavras, além de um Governo e  Programa existente, é preciso mostrar,  dar segurança e convencer a população de  que a corrupção está sendo combatida. É preciso convencer-se que fora das repartições públicas  de todo o país existem homens sérios ao ponto de exigirem fiscalização e rigor na execução da coisa pública ( e essa gente são as mulheres e homens humildes do povo: quitandeiras, peixeiras, o agricultor, o camponês, o operário e como não podia deixar de ser, também, os nossos intelectuais). Assim, uma pergunta surge. Qual é a garantia que esse Estado ( angolano) dá ao seu cidadão de que uma fração de seus  recursos ( que não é pouco) e o seu patrimônio não está sendo desviado, consumido  e engolido pela corrupção?

Alguém no club-k já propôs a  criação de uma procuradoria contra a corrupção  dentro do aparelho do estado angolano– esse alguém é o Grande Kabazuka.  Coisa bem-vinda e que achei  interessante. Mas eu prefiro ir mais além. Não  adianta  se criar uma  procuradoria a mando ou sobre as ordens de um ex-General todo prepotente e arrogante para se dirigir tal procuradoria, com a agravante de que o mesmo trabalhe em função de dar cobertura e segurança aos  amigos, familiares e comparsas.

Alguém por aí disse-me que Angola é um país sui generis   como conseqüência do processo que  atravessamos  nesses mais de 30 anos de independência. Por que não aproveitarmos essa nossa característica para criarmos também coisas boas. Quem sabe um dia até podemos sentir o orgulho de dizer  que pessoas, povos, nações de latitudes  y ou x  andaram executando o que nós concebemos  há décadas ou anos atrás. Eu pessoalmente acredito que o que está sendo proposto aqui não é nenhuma  novidade regional ou mundial, já deve existir em algum canto desse mundo. É só copiarmos muito bem e adaptarmos a realidade Angolana.

Se necessário é preciso criar um mecanismo, no caso,um Órgão com statu de Secretaria de Estado,  corroborado pela própria  Constituição que tenha como função e atividade os seguintes verbos bem definidos: investigar,  fiscalizar, auditar, denunciar  e ir atrás de todos os indícios de criminalidade contra o Estado e a ordem Pública. Com o objetivo de ceifar, neutralizar, impedir e coibir a corrupção. Que essa Secretaria seja composta dos melhores promotores de justiça  e juízes que o pais tem e os melhores  advogados. Assim como auditores nas áreas de Contabilidade e Finanças. O objetivo dessa Secretaria é de ser um Órgão de Controle Interno do Estado e do Governo nos três poderes e ao mesmo  tempo ser uma ouvidoria, e  que não se confunde em nada com o Tribunal de Contas. Ou seja, seria o estado auto controlando-se jurídica, administrativa e criminalmente. E ainda como segurança, transparência  e credibilidade dos atos do governo e da própria Administração Estatal a nomeação e exoneração do Secretário desse  organismo deve ser de tal forma que seja vinculada aos três poderes. Em outras palavras, uma vez nomeado o secretário ou o colegiado não pode ser exonerado e/ou demitido a bel prazer do chefe do executivo, assim como sua nomeação.

Outro detalhe,  se exigirmos que esse departamento ( ou secretaria) seja composto com os melhores profissionais de determinada área é justo reconhecer que os mesmos devem ser bem remunerados. Para evitarmos que funcionários públicos mal remunerados e famintos possam ser presa fácil do próprio sistema de corrupção que já está instalado há mais de 30 anos nesse  país.  Devemos nos lembrar que a péssima remuneração dos funcionários públicos é um dos  motivos catalisadores  da corrupção. Atrás da boa remuneração virão às exigências legais e as responsabilidades para cada um desses funcionários, investigadores ou pesquisadores que fazerem parte dessa secretaria. Na verdade isso deveria  fazer parte das regras de   todo o servidor  público ( da relação dele com a Administração Pública). Antes de terminar esse parágrafo, Camarada Presidente, Vossa Excelência, que tal a partir de agora sacramentar, levar a sério, vincular  tudo o que se faz nesse país, em nome do Estado e de uma boa  Administração Pública,  uma Lei de Licitação, Contratos e Concursos Públicos. Ou seja,  chegou a hora desta República ter a sua Lei de Licitação e Concursos Públicos, mas uma lei séria que deve valer a pena e ser respeitada por qualquer um dos mortais que viva de baixo dos Céus desse país.

O exposto aqui parece ser redundante  e algo conhecido pelos especialistas da área. A idéia aqui não é querer bater na mesma tecla de sempre. Mas concluirmos que, se como país temos características próprias geradas pela nossa trajetória histórica, devemos concordar então que o combate contra alguns  vícios sociais, entre eles a corrupção, não deve subestimar nenhuma inovação ou procedimentos e técnicas que ajudem a erradicar o mal. Pode, ainda, parecer que somos uns grandes idiotas! Mas é mesmo baseado nessa simplicidade  e humildade do homem do campo ( o camponês)  o <obreiro> ou operário ( gosto de pronunciar essa palavra em espanhol) que nos permitimos tal ousadia e no qual me inspiro para escrever esse texto.

Em outras palavras, não basta dizer que a mim me tocou governar, e quem quiser provar o grau de transparência de minha governação, então que saia por aí e prove. Não basta dizer que é a sociedade civil que tem que provar  a existência de corruptos, acusá-los, e tentar  levá-los aos tribunais –coisa que num país como Angola  chega a ser quase impossível. Ao contrário, é o próprio Estado, com o funcionamento de suas instituições, que tem que dar provas mais do que suficientes de que não é corrupto, de que não deixa nada a desejar, de que tudo e os ditos programas, metas e objetivos  declarados e oferecidos à   sociedade estão funcionando. E o mais importante: de que constantemente está indo atrás dos bandidos e corruptos.

Mesmo por que vivemos num país  que como conseqüência da tradição partidária dos tempos do Partido Único ficou difícil apontar dedo aos corruptos. Provar que um dirigente do MPLA é corrupto  é um  verdadeiro sofisma, ou seja, é mais fácil provar a não existência de Deus, ou o contrário –se quiserem. É cabeludo, complicado, complexo sair por aí tentar provar  que algum ex-Comandante,  General ou Ministro –para não dizer os funcionários de baixo escalão- estão envolvidos  em corrupção. Quem é que teria coragem de enfrentar esse mundo angolano e sair por aí acusando a corruptos? E todos nós sabemos que existem e é possível. Sabemos também que quem deveria fiscalizar e controlar ( se existe esse controle e fiscalização) faz vista grossa.

É nesse contexto que esse Governo, seu Programa, objetivos e metas ao mesmo tempo deveriam estar acompanhados  de um instrumento de fiscalização eficiente contra a corrupção. Onde está caracterizado esse instrumento? Se partimos do princípio que a corrupção hoje é o maior problema da nossa Sociedade (Angolana) esse instrumento não pode  estar relegado a quinta categoria, mesmo porque o combate a corrupção foi uma das bandeiras levantadas na campanha eleitoral. -Recorda? Foi promessa vinda de todas as direções partidárias. Assim, poder-se-ia dizer que  a sociedade clama por esse instrumento. Por quê? Porque precisamos viver numa sociedade em que o próprio Estado nos proporcione  os mecanismo que nos facilite confiar no mesmo Estado. Não podemos e não queremos viver numa sociedade onde o próprio Estado é visto como o suspeitoso número um, o  bandido, o delinqüente e até o  falsário. É nele e dele que primeiramente devem partir  a transparência e todas as formas de licitude. É ele que tem que provar que não é corrupto! As circunstâncias exigem.



* Nelo de Carvalho
Fonte: WWW.a-patria.net