Luanda - Muitos espaços de interesse público, a modo de exemplo, escolares dentro da cidade de Luanda e, não só, foram vendidos a particulares; alguns compatriotas foram burlados porque um mesmo terreno foi vendido a mais de um; outros viram demolidas as suas construções por edificarem-nas em espaços litigados; algumas famílias foram desalojadas sob pretexto de um suposto interesse público quando na verdade era para acomodar interesses particulares e privados e quantos não pagaram valores exorbitantes para um preço de um terreno arbitrário ou mesmo ilegal?

Fonte: Club-k.net

Algumas terras das comunidades rurais assistidas pelo domínio costumeiro foram cercadas e destruido parte do seu património natural e histórico cultural; algumas pessoas foram ameaçadas e perderam as suas fazendas; famílias alojadas em tendas pelo Estado que nunca recebem casas sociais que lhes foram prometidas; etc. Sinceramente! Como activista no ramo da cidadania fundiária vejo-me, reiteradamente, constrangido face a esse cenário e inúmeras solicitações de compatriotas que são vítimas ou discriminadas em sede do direito à terra.

A minha entrega à causa da dinamização dos valores que fundamentam o direito à terra e a protecção e respeito do domínio costumeiro (património natural, histórico-cultural e fonte da oralidade dos povos de Angola) tem sido confrontada com situações que permitem afirmar que estamos, sem dúvida alguma, numa sociedade não-inclusiva e alérgica ao diálogo e proximidade entre os serviços públicos e o cidadão, numa altura em que se postula que o nível civilizado da democracia é acabar com a forma unilateral de se conduzir o Estado. Ou seja, a integração e interacção democráticas entre  o Estado e a sociedade civil. Cá, entre nós, a participação ou intervenção do cidadão na vida colectiva ou res publica, ainda, constitui uma afronta a soberania. Que pena! Senão veja:

1. A constituição de reservas fundiárias não mereceram a participação do cidadão e sabe-se que algumas delas agrediram espaços do domínio costumeiro;

2. A terra em Angola é um negócio regido pelo princípio da onerosidade. De um lado temos o Estado que chamou a si e, contra todas as expectativas para reprovar a lógica colonial, a propriedade originária da terra e do outro lado quem quisesse uma parcela da terra para diversos fins. Há que convir que o Estado ao conceder quaisquer direitos fundiários, com excepção para as concessões gratutitas, cobra um preço cuja a receita se reverte para os cofres do país. Porém, como as fontes de receita do Estado devem ser legais a Lei 9/04 no seu Regulamento Geral de Concessão terrenos impõe que se publique o Decreto Executivo Conjunto enquanto Tabela do preço da terra em Angola (nºs 2 dos Art. 67º, 79º, 88º do Dec. 58/07. Injustamente, esse Decreto Executivo Conjunto que, de entre outras funções acabaria com a especulação do preço da terra e o uniformizaria, não foi publicado. Portanto, quem é vítima dessas arbitrariedades e especulação é o pacato cidadão.

3. Nenhum Governador nem Administrador nem o Executivo se pronunciaram sobre esse negócio decorrente da gestão da terra em Angola. Afinal, não é de Lei e justo que aquele que gere um bem público preste conta e com transparência ao povo? Portanto, nenhum compatriota sabe quanto se arrecada com o negócio da terra em Angola; ningém sabe a extensão de terras vendidas e a sua localização; se existe algum negócio fundiário entre o Estado angolano e outro Estado; não se conhecem que empresas são adjudicadas nem dos procedimentos que foram observados para o negócio da terra ; etc. Vive-se do silêncio perante edifícios imponentes, condomínios e fazendas que se erguem por todo o país, públicos ou privados.

4. O próprio Executivo, Governos provinciais e Administradores acusam sempre as populações de ocuparem e construirem, anarquicamente, em terras do Estado. Isso é verdade, mas também, é verdade que o dono e proprietário originário da terra é o Estado e, por isso, deverão ser aqueles órgãos a produzir planos que permitam indicar e com transparência as áreas para a construção de residências, de fábricas, de estradas, etc. Por que terão se exonerado desse imperativo? Quem deve disciplinar as formas de aceder a uma parcela de terra em Angola não é, porventura, o próprio Executivo, Governos provinciais e Administradores através de instrumentos, políticas e actos? O que acontece, de facto, é que nem o próprio Estado tem o mapa das suas terras terras (sobretudo, do domínio privado). Hoje, o Estado obriga-se a negociatas com aqueles que ocupam e reocupam ilegalmente as Suas terras (caso do Zango). Portanto, diante desta situação fica entrelinhas a ideia de que alguém comanda esses cenários para obrigar que o dinheiro pare em mãos de particulares e não do Estado.

A outra ideia que fica é que o Estado através do Executivo, Governos provinciais e Administradores terá perdido o controle da gestão da terra. Se forem confirmadas essas hipóteses  tanto o Executivo, os Governos quanto as Administrações provam as sua incompetência em gestão e políticas fundiárias. Queira Deus que a corrupção política não degenere na destruição do património natural e histórico-cultural dos povos de Angola pondo em causa a sua memória colectiva (história) à semelhança do que ocorreu no tempo colonial.

Às Nossas Terras Havemos de Voltar?