Luanda - Nas vésperas das independências africanas, Portugal sentiu-se obrigado a retirar-se das terras ocupadas durante séculos e devolvê-las aos povos autóctones africanos. Neste contexto, para sair de Angola, Portugal e os movimentos angolanos, concertaram em assinar um acordo com objeto de autodeterminação e independência de Angola. Neste ângulo, foi assinado o Acordo de Alvor foi em 10 e 15 de 1975 no Hotel Penina, em Alvor, Portugal, pelo governo português liderado por Mário Soares e os três movimentos de libertação de Angola (FNLA, MPLA e UNITA). O objetivo era regular a organização, funcionamento, partilha e exercício do poder em Angola durante o período de transição para a independência, de 31 de janeiro a 11 de novembro de 1975 (Vide Acordos de Alvor, 1975).
Fonte: Club-k.net
Por ocasião dos 49 anos da independência de Angola, resta-me como um bom cabinda de gema, descendente de Muakongo, Muangoio e Mualoango, refletir quanto as implicações deste acordo que colocou ao longo destes 49 anos o povo cabindês a neocolonização e opressão angolanas.
Um ponto crítico e miserável no Acordo de Alvor é o artigo 3º, que declara Angola uma entidade una e indivisível, incluindo Cabinda como parte integrante e inalienável do seu território, um território que no quadro do direito internacional constitui um protetorado de direito internacional, e mesmo no contexto da Constituição portuguesa de 1933 uma província ultramarina distinta de Angola, tal como se vê na parte I das garantias fundamentais, Titulo I da nação portuguesa no artº.1º, alínea 2, alista Cabinda como uma das províncias ultramarinas portuguesas tal como Angola, Moçambique, Cabo verde etc. (Vide a Constituição Política Portuguesa de 1933). E para enfatizar a distinção entre Cabinda e Angola, a Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 1542 (XV), reconheceu o direito à autodeterminação do povo de Cabinda da mesma forma que para todas as colônias portuguesas, como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau etc. (AGNU, 1960). Outrossim, a OUA – Organização da Unidade Africana, hoje União Africana, alistou Cabinda como 39° território a se descolonizar, ao passo que Angola como 35º por ocasião da convenção do Cairo no Egito em 1964.
No Acordo de Alvor, Angola foi representada pelos três movimentos de libertação. Embora estes movimentos representassem legitimamente o povo angolano, não podiam representar Cabinda, pois são entidades distintas. Portugal não assinou o Tratado de Simulambuco que decidiu o seu estabelecimento em Cabinda com os angolanos, mas sim com os cabindas, pelo que o acordo da sua retirada devia seguir a mesma lógica da sua chegada. Outrossim, a letra do artigo 3° do Tratado de Simulambuco, obriga Portugal a manter a integridade dos territórios históricos cabindas colocados sob seu protetorado. Pelo que, os poderes de Portugal sobre Cabinda no Acordo de Alvor não podiam ir além do previsto no artigo 73º da Carta das Nações Unidas. A culpa de Portugal é evidente e grave. Portugal traiu o povo de Cabinda e a alma do Tratado de Simulambuco ao anexar de forma ilícita e ilegal a um país terceiro que em nada tinha a ver e os movimentos angolanos MPLA, FNLA e UNITA agiram de má-fé ao pactuarem com os seus aliados contra os interesses e as aspirações do povo de Cabinda, prolongando o sofrimento e o conflito político-militar no território.
Tal como prevê o Tratado de Simulambuco, se o Acordo de Alvor fosse sobre atos administrativos, Portugal teria a capacidade de negociar em nome de Cabinda, desde que as ações estivessem dentro de suas atribuições normais. Entretanto, o Acordo de Alvor, especialmente o artigo 3º, atenta contra a personalidade, identidade e soberania de Cabinda, integrando-a em Angola contra os princípios fundamentais do Direito internacional Público e os direitos as aspirações dos cabindas (Luemba, 2008). O Acordo de Alvor aborda a autodeterminação de Angola, um território distinto de Cabinda. O artigo 3º subordina abusivamente Cabinda a Angola, sem respeitar os direitos e a vontade do povo cabindês, violando os princípios do direito internacional (Luemba, 2008, Moreira,2008, Guedes, 2009, Pinto, 2009).
O estatuto de Cabinda foi reconhecido pela comunidade internacional através das Nações Unidas no início dos anos 60, quando foi classificado como território não autónomo (AGNU, 1960). O Acordo de Alvor e seu artigo 3º não mudaram o estatuto de Cabinda e constituem a violação mais grave das obrigações de Portugal, implicando sua responsabilidade internacional (Moreira, 2008, Luemba, 2008). Portanto o Acordo de Alvor é irrelevante para Cabinda e seu artigo 3º é nulo. Diante da nulidade do artigo 3º do Acordo de Alvor, conclui-se que este não alterou o estatuto de Cabinda, já que um ato nulo não tem efeitos jurídicos. Portanto, pode-se afirmar que, primeiro, o estatuto de Cabinda permanece inalterado; segundo, Cabinda mantém seu estatuto de não autonomia. Pelo que, Cabinda enquanto território não autónomo, goza do direito à autodeterminação e a independência, um direito inalienável, imprescritível, e inviolável. Pode ser adiado, mas jamais perecerá.
Pode-se concluir, perante a análise supra, Cabinda é um território ocupado, dominado e explorado por Angola e seus parceiros internacionais. Sua situação político-militar, administrativa e socioeconômica é comparável à de muitas colônias africanas do final do século XIX e início do século XX (Luemba, 2008).