Luanda -  Da última e única vez que me foi possível encontrar o José Machado, vulgo Mamborrô, estava ele internado no Hospital Josina Machel, em companhia de uma das suas filhas. Estava também lá a minha já falecida prima como irmã, Isabel Zau, quando a fui visitar, e alguém me disse que o Mamborrô se encontrava numa das salas ao lado. Quando o vi, achava-se bastante debilitado, mas lúcido, com vontade de cantar e gravar novas canções… enfim, com projectos e várias ideias para o futuro, como é próprio dos criadores, que acalentam sonhos, mesmo quando, em momentos difíceis da vida, são difíceis de realizar.

Fonte: JA

Numa primeira fase, recordei-me dele no terceiro piso de um prédio da Avenida Assis Brasil, no Rio de Janeiro, quando foi estudar música para o Brasil. Lá estava ele, com a sua viola, num dos andares da Angop, a morar com o jornalista João Belizário, no tempo em que o escritor e jornalista João Melo era o representante daquela agência noticiosa naquele país e morava no 11º andar daquele mesmo prédio. Talvez por isso, o João Melo chegou a ser uma espécie de protector do Mamborrô no Brasil.

 

Depois da visita que, circunstancialmente, fiz ao Mamborrô, no ex-Maria Pia, o cenário da minha memória trouxe-me à imagem um pré-adolescente, que vi, pela primeira vez, no estúdio da CT1 da Rádio Nacional, onde trabalhavam, entre outros, o Artur Arriscado, o Marques, o Henriques, o Airosa… Era eu um colaborador do programa Piô-Piô e musicava muitos poemas infantis dos escritores Dario de Melo e Octaviano Correia, para serem difundidos.


 A Luísa Fançoni era a Directora de Programas e, no Natal, promovia bonitos espectáculos infantis, com danças, peças teatrais e música, envolvendo crianças e pré-adolescentes que, da parte da tarde, iam fazer os seus trabalhos da escola naquela rádio e brincar, sob a orientação da Mena e da Paulina, ocupando, assim, os seus tempos livres. Muitas dessas crianças chegaram a visitar a ex-RDA e a Holanda, salvo erro. Iniciativas que infelizmente se foram perdendo.


José Machado, tal como Lucas de Brito (Tim Maia e depois Maya Cool), Ângelo (mais tarde Boss), António Campos (actualmente jornalista da RNA) e outros mais, responderam a uma chamada da Rádio Piô, para prestarem testes para cantores infantis e lá estavam, na CT1, para serem apreciados os seus dotes musicais.De entre várias, a canção “Mamborrô das Garotas”, do José Machado, despertou, de forma particular, a nossa atenção, não só pelo estilo atrevido da letra, cantada por um homem pequeno, mas, sobretudo, pela performance de pequeno artista que, naquela pequena safra, despontava para o futuro.


O play-back para o espectáculo foi preparado, ao pormenor, pelo Artur Arriscado, com o Henrique João ao piano, julgo ainda com o Moreira Filho e o Marito da Banda Maravilha, respectivamente, no baixo e na bateria (já não me lembro bem, pois passaram já muitos anos) e eu próprio na percussão. Um espectáculo, que, tal como o Programa Piô-Piô, abria sempre com a canção do mesmo nome, composta para o efeito pelo Dionísio Rocha.


Não posso deixar de ver o Artur Arriscado, agarrado à nova mesa de estúdio da CT1, completamente hipnotizado pelo miúdo José Machado, que, passou a ser conhecido pelo título da sua canção de estreia. Um pequeno adolescente, com um enorme potencial musical que, ainda na flor da vida, nos deixa fisicamente. Contudo, algumas das suas músicas ficam necessariamente presas aos cânones futuros da urbana música popular angolana.


Eu, Mamborrô, fico com a tua bonita interpretação em “Vovô Samba”, e o teu sorriso meio tímido e malandro, de criança crescida, que, pela primeira vez, no meio de muitos meninos e meninas da Rádio Piô, chegou à CT1. Descansa em Paz meu e nosso miúdo, criador e intérprete de canções, que deixam, certamente, o seu timbre no nosso cancioneiro. O Mamborrô partiu jovem para a sempre. Mas, connosco, fica a sua imagem, na nossa retina, e a sua música, no nosso ouvido. Descansa em Paz, meu bom miúdo.


(*) Intérprete e compositor musical