Brasil - Com a tomada de posse dos membros do Executivo hoje, os cidadãos, no exercício da democracia participativa, poderão dar continuidade a avaliação crítica da implementação do Programa de Governação do partido sob liderança de José Eduardo dos Santos (JES), Presidente da República.

Fonte: Club-k.net

Nos últimos vinte dias, o Jornal de Angola e a ANGOP publicaram mais de 50 títulos (entenda-se qualquer peça jornalística) fazendo referência aos feitos do Presidente da República. Em alguns títulos fizeram avaliações dos feitos passados e noutros já se está a avaliar positivamente os feitos que ainda nem sequer foram realizados.

Só para dar alguns exemplos, dias antes da tomada de posse do presidente, podia ler-se no site da ANGOP: « Presidente da República é o garante da prossecução dos ideias do país», « Sociedade Civil reafirma José Eduardo dos Santos líder ideal para o  país», « Valorizado papel do PR na estabilidade do país» e « IECA considera elevado nível de governação de José Eduardo dos Santos».

Diz o velho adágio popular que « Inter dictum et factum multum differt»  “  do dito ao feito vai um grande eito”. Por isso, vamos refletir apenas os feitos do passado e sua relação com o Princípio Republicano previsto na atual CRA.

Qualquer presidente da república no exercício das suas funções, com maior ou menor grau, terá sempre os seus méritos e deméritos. Ao exercer o poder em 33 anos, o Presidente José Eduardo dos Santos teve também, indubitavelmente, os seus méritos e deméritos.
JES teve o mérito de:

• Manter a integridade e unidade territorial do país da invasão estrangeira,
• Liderar e restaurar o processo de paz interrompido com a guerra pós -eleitoral,
• Promover o processo de reconciliação política nacional,
• Liderar o processo de reconstrução e modernização das infraestruturas destruídas pela guerra civil e fratricida,
• Deu início a reafirmação de Angola no contexto internacional e regional, sobretudo depois da guerra,
• E relançou o desenvolvimento económico do país.

JES teve o demérito de:

• Enriquecer ilicitamente os seus filhos, familiares e amigos diretos à custa do dinheiro público, numa clara manifestação de nepotismo e clientelismo,
• Nos anos 80 sob sua liderança, o Partido-Estado com base nas ideologias marxistas, perseguiu as igrejas e vários catequistas, pastores, cristãos foram mortos,
• Transformou a sua data de aniversário em festa de natureza pública e com gastos desregrados do dinheiro público,
• Liderou o processo constitucional à margem dos limites materiais impostos pela Lei Constitucional para permanecer mais tempo no poder, ao ponto de serem consagrados na CRA poderes, sem freios e contrapesos, ao presidente da república,
• É patrono de uma fundação (FESA) que sobrevive do dinheiro público  do dinheiro público e não do seu próprio património conforme mandam as regras jurídicas existentes em Angola,
• Personalizou o exercício do «órgão de soberania Presidente da República» na sua pessoa.

Analisado isto, sem rancor e ódios, podemos dizer que estamos perante um homem, com virtudes e defeitos, um ser humano e não um ser divino, um ser finito e não infinito, um ser com conhecimentos limitados e não omnisciente ou clarividente divino, em fim, um homem mortal e não eterno!

Então significa que devemos esquecer tudo de bom que JES fez?  Os cidadãos devem ser forçados a aderir ao culto à sua personalidade promovido pelos  órgãos públicos de comunicação social? Significa que os cidadãos devem permitir que o Presidente da República faça da res publica o que bem entender, só porque fez grandes ações? Significa que não se pode criticar as políticas públicas implementadas pelo PR?

Não! Certamente, não! JES já cumpriu a sua missão!

Por isso, JES deve merecer a nossa consideração, respeito e gratidão. Obrigado! Mas, não a adoração a sua pessoa, ao culto da sua personalidade por várias razões: a) obediência ao princípio republicano previsto na CRA; b)  consciência cívica,  c) e por razões cristãs. 
Falaremos apenas do Princípio Republicano previsto no artigo 1.º da CRA. Diz o artigo que « Angola é uma República (...). A República de Angola é estado de direito (artigo 2.º).

Significa dizer que os cidadãos angolanos, incluindo o próprio presidente,  devem guiar-se pelas virtudes republicanas como sejam: 1)  o culto e respeito pelas leis que estão acima da vontade dos homens, e 2) o respeito pela res publica que deve estar acima do interesse privado, dos interesses de amigos e familiares. 3) Responsabilidade da gestão da coisa pública através da prestação de contas.

A palavra República (do latim: res publica) significa « coisa pública», « coisa do povo ou para o povo».

O Constitucionalista Jorge Miranda esclarece que o princípio republicano significa:  « a) A configuração de todos os cargos do Estado, políticos e não políticos, em termos de um estatuto jurídico, traduzido em situações funcionais, e não em direitos subjectivos stricto sensu ou muito menos, privilégios; b) a temporariedade de todos os cargos do Estado, políticos e não políticos, electivos e não electivos; c) Consequentemente, a proibição quer de cargos hereditários, quer de cargos vitalícios, quer mesmo de cargos de duração indeterminada; d) A duração curta de cargos políticos; e) A limitação da designação para novos mandatos (ou do número de mandatos que a mesma pessoa pode exercer sucessivamente), devendo entender-se a renovação assim propiciada tanto um meio para prevenir a personalização e o abuso do poder como uma via para abrir as respectivas magistraturas ao maior número de cidadãos; f) Após o exercício dos cargos, a não conservação ou a não atribuição aos antigos titulares de direitos não conferidos aos cidadãos em geral (e que redundariam em privilégios); g) A não sucessão imediata no mesmo cargo do cônjuge ou de qualquer parente ou afim mais próximo». (Ciência Política – Forma de Governo. Lisboa: Pedro Ferreira-Editor, 1996, pp. 166-167).


Nesta conformidade e com base na nossa Constituição, podemos concluir que o culto de personalidade, a personificação do órgão de soberania (Presidente da República) na pessoa de JES, o enriquecimento ilícito e clientelista são incompatíveis com os princípios republicano e democrático.

A cidadania no estado de direito democrático implicaria romper com a visão e a cultura da verticalidade do chefe, própria dos regimes autoritários ou monárquicos e adoptar uma cidadania baseada nos valores democráticos e republicanos como a liberdade, a igualdade na diversidade, a solidariedade, aceitação da vontade da maioria e respeito pelos direitos das minorias, o respeito pelo pluralismo de expressão e o direito de crítica contraditória, o cumprimentos dos deveres cívicos e a gestão da coisa pública no interesse público e não privado.

Construamos cidadania!

António Ventura (Jurista e activista cívico)