Luanda - O técnico de informática do Comando de Divisão de Viana, Alberto Abel Paulo Veríssimo, declarou que tomou conhecimento da existência de parte dos três milhões e 700 mil dólares e um milhão de Kwanzas, apreendidos em casa da “Milionária de Viana”, por intermédio do então comandante daquela unidade, Augusto Viana Mateus (na foto).


Fonte: Opais

A testemunha afirmou, nesta Terça-feira, 18, em declarações ao Tribunal, que o oficial superior da Polícia, que passou de réu a testemunha, lhe deu para assinar uma nota de apreensão onde constava que o montante em causa era um milhão e oitenta mil dólares e 218 mil Kwanzas, sem precisar onde foi feita a apreensão dos valores.


Alberto Veríssimo recordou que, na altura, ficou surpreso com o montante. “Comandante, tudo isso?”, contou ter sido essa, na altura, a sua reacção, acrescentando que “ele nos advertiu que, a partir daquele momento, devíamos ter a atenção redobrada porque, no quarto de banho do seu gabinete, havia um montante cujo eventual desaparecimento nem a sua geração e a nossa tinha como pagar”.


Disse ainda que o então comandante o terá informado que o seu coadjutor, superintendente-chefe, Fernando Silveiro, também sabia da existência daquele montante.


Segundo o técnico de informática, tudo isso aconteceu em Agosto de 2009, numa Sexta-feira, e, na Segunda-feira seguinte, Augusto Viana os informou que já havia encaminhado o dinheiro para o Comando Provincial de Luanda.


Declarou, por outro lado, que não viu e nem sequer ouviu falar que o comissário Joaquim Vieira Ribeiro havia estado naquela unidade.


Questionado ainda sobre se tomou conhecimento de quem foi o indivíduo que se encarregou de levar o dinheiro no Comando Provincial, negou taxativamente dizendo não ter ouvido e nem sequer visto a forma como o dinheiro estava guardado.   Alberto Veríssimo acrescentou que, na fase de instrução processual foi confrontado, pelos investigadores da Procuradoria Geral da República, com um acto de apreensão que declarava ter sido apreendido apenas um milhão de Kwanzas. Contrariamente ao que havia lido anteriormente, neste não constava, como é habitual, a sua assinatura, mas apenas com a do seu superior hierárquico.

A testemunha fez jus ao compromisso que assumiu inicialmente perante os juízes do Supremo Tribunal Militar, nos termos do qual o facto de ser amigo de alguns dos réus não o inibiria de dizer a verdade.


COAGIDO A ASSINAR FALSA DECLARAÇÃO


O então chefe da secção de finanças da Direcção Provincial de Investigação Criminal de Luanda (DPIC), Valdemar António Garcia, disse que foi obrigado por António João a assinar a guia de depósito que dizia que um milhão de Kwanzas, apreendido em casa de Teresa Pintinho, estava no cofre daquela instituição. Apesar de lhe ter sido entregue a Guia de Depósito no dia 10 de Maio de 2010 para assinar, a testemunha assegurou que o mesmo tinha a data de 25 de Agosto de 2009.


“No momento em que assinei o documento, só estava presente eu e o então director António João, mas quem deu entrada no gabinete foi o meu colega António Domingos João Bartolomeu”, esclareceu. Segundo ele, o então director da DPIC havia-lhe assegurado, na ocasião, que o dinheiro  estava guardado no cofre que está no interior do seu gabinete. Esta situação ocorreu numa altura em que a testemunha já não se encontrava colocada naquela secção e se havia ali deslocado para tratar de questões pontuais.


Valdemar Garcia contou ainda que, para o convencer a assinar o documento, o seu superior hierárquico o informou que tinha que fazê-lo por o mesmo se destinar a satisfazer um pedido feito pela Procuradoria Militar.


Questionada por que razão não denunciou o facto aos seus superiores, respondeu que não o fez em respeito ao seu superior, António João, e que foi o escolhido por ser o único que tinha a competência de o fazer.


A testemunha explicou que só ouviu falar sobre o processo em julgamento na Procuradoria Militar, quando foi confrontado com a guia de depósito que assinou e não hesitou em cooperar com a justiça contando o que realmente se terá passado.


Ao ser novamente questionado pelo juiz-presidente, tenente general Cristo António Alberto, quanto à razão porque assinou a guia, mesmo sabendo das irregularidades que existiam, reafirmou que a tal foi obrigado pelo seu superior.

 

Dinheiro aplicado em casa própria


Os réus Luter José e Damião Sampaio de Lemos, vulgo Mitó, aplicaram uma parte dos três milhões e 700 mil dólares apreendidos em casa da suposta “milionária de Viana”, na construção das suas moradias. Esta revelação foi feita pelo inspector da Polícia Nacional, Bernardo Papo Seco Fernandes.


O oficial da corporação, arrolado no processo como testemunha, pertence ao comando municipal de Viana e prestou estas declarações durante a audiência de julgamento do Caso Quim Ribeiro, realizada no dia 11, na Base Naval da Ilha de Luanda.


De modo a dissipar quaisquer dúvidas, Bernardo Fernandes assegurou que foram os próprios réus, numa altura em que o caso ainda não tinha sido trazido a público, que o informaram, na qualidade de amigos de longa data.


A testemunha procurou deixar bem claro, no momento em que fazia o juramento, que diria somente a verdade e que entre os acusados se encontravam dois amigos seus. “Sou amigo de dois dos réus, mas nada me inibirá de dizer a verdade porque só a verdade o libertará”, esclareceu.


Declarou que ouviu falar da operação realizada em casa de Teresa Pintinho, por intermédio do então comandante da Divisão de Viana, Augusto Viana Mateus, quando este abordou o assunto perante todo o efectivo durante uma parada.“O comandante Augusto Viana disse que a operação terá sido realizada sem a sua prévia autorização e do seu superior”, declarou a testemunha, acrescentando que o superintendente-chefe indicou os seus coadjutores Luter José e Mitó como sendo os principais promotores do acto de insubordinação.

Ao ser indagado se o então comandante os puniu pela insubordinação, a testemunha respondeu peremptoriamente que ele não responsabilizou ninguém pela operação.

“Estaria a mentir, tenho que falar a verdade. O comandante Viana não puniu ninguém”, disse.

Em relação aos motivos que levaram Augusto Viana a pronunciarse sobre a operação na parada, sem especificar a quantidade de bens apreendidos e responsabilizar os seus mentores, o interrogado disse desconhecê-los.

Disse ainda desconhecer se o seu superior hierárquico havia informado o comissário Quim Ribeiro sobre a operação. “No local onde trabalhava não seria possível ver o então comandante provincial caso fosse àquela esquadra e nem sequer ouvi falar que ele compareceu aí, depois de a operação ter sido realizada”.

Antes da testemunha Bernardo Fernandes, os juízes do Supremo Tribunal Militar (STM) ouviram o oficial da Polícia Nacional, Salvador Ramos Quivites. O efectivo da Divisão de Viana declarou que a residência de Teresa Pintinho não foi a única que os seus colegas visitaram naquela semana, visto que, no dia anterior, haviam realizado uma operação com o intuito de apreenderam armas de fogo.

A operação teve também como objectivo desmantelar os grupos de marginais que perturbavam a ordem e a tranquilidade dos moradores daquele bairro.

Salvador Ramos Quivites desmentiu a tese apresentada por Teresa Pintinho e o seu primogénito,Gomes Fernando Monteiro,aquando da sua passagem pelo Tribunal na qualidade de declarante, segundo a qual os polícias que “invadiram” a sua moradia sem mandado de captura os maltrataram.

Por outro lado, a testemunha reafirmou que o comandante Augusto Viana tinha conhecimento da existência de um posto de comando, criado exclusivamente para dirimir todas as questões relacionadas com a operação realiza na rua do Coelho, onde residia a Teresa Pintinho.

Para provar que o que estava a dizer era a mais pura verdade o efectivo da Polícia Nacional contou que o superintendente chefe Augusto Viana  esteva presente na esquadra no momento em que eles regressaram da operação com os bens apreendidos.  Contou ainda que viu o réu Palma logo depois da retirada do então comandante de Divisão e que este terá conversado com o seu companheiro e Luter José.

Questionado ainda se conhecia o agora arguido Couceiro, a testemunha respondeu que o conhecia apenas de nome mas que nunca o tinha visto pessoalmente.


TESTEMUNHA COM PERFIL DUVIDOSO


Os defensores dos réus Sérgio Raimundo e pares requereram contradita, alegando que Valdemar António Garcia faltou à verdade ao dizer que não é inimigo de qualquer um dos réus pois a verdade é que as relações com alguns dos réus são de animosidade e só disse o que disse para prejudicá-los.


Entre os réus visados a defesa indicou os nomes de, António João, Quim Ribeiro e Domingos José Gaspar, uma vez que o então Comandante Provincial de Luanda, em 2009, mandou instaurar um inquérito na área de finanças que terminou com a instauração de um processo-crime com o nº8003/0904, por peculato.


“As investigações culminaram com a emissão de preso mediante um mandado de captura executado pelos réus António João e Domingos José Gaspar, daí que é entendimento da defesa que este não pode ser imparcial no seu depoimento devido à animosidade existente”. Depois de apreciar o requerimento o STM decidiu, mais uma vez, à semelhança do que aconteceu na semana passada, indeferir o requerimento, já que entende que não há fundamento para anuir a contradita.


O juiz-presidente, Cristo António Alberto, defendeu que, à luz do estabelecido no Código Civil, a contradita que diz respeito a pessoa depoente visa abalar o crédito das afirmações que produziu, em razão de uma circunstância que nele se verifique e que não lhe permite ter conhecimento dos factos tal como os relatou ou que faz duvidar da imparcialidade do mesmo.


O juiz defendeu ainda que não parece ao tribunal haver ressentimentos, caso fosse a testemunha não assinaria a guia de depósito quando já não tinha competência para tal e que não vê razão para que haja imparcialidade nas suas declarações.


O Ministério Público opôs-se mas a defesa, inconformada, interpôs recurso da decisão, com efeito devolutivo, com fundamento de que a decisão recorrida viola a Constituição da República e as leis vigentes no país.

Um jurista da nossa praça que tem acompanhado o processo desde o início, contactado por O PAÍS, considerou que a decisão do Tribunal é incompreensível. nomeadamente no indeferimento da contradita requerida à testemunha Paulo Manuel Chavita, que perante o Tribunal confessou ter recebido dez mil dólares e os ter gasto.

“Isso constitui fundamento bastante para ser contraditada, mais do que isso, ela deveria sentar-se também no banco dos réus, no mínimo como encobridora por receptação, como bem argumentou a defesa”, explicou.


Por outro lado, o jurista, que falou sob a condição de anonimato, disse que não compreender o fundamento do indeferimento quando a defesa, que parece ter feito bem o trabalho de casa devido aos dados que apresenta, indicou inclusivamente o número do processo em que a testemunha esteve presa e de imediato arrolou testemunhas.


“Como bem diz o Código de Processo Civil, na realidade, ninguém é amigo de quem põe em causa a nossa carreira profissional, principalmente de quem trabalha na área das finanças que todos nós sabemos o que acontece no nosso país, que é o enriquecimento fácil”.


Acrescentou de seguida que “esta não é a primeira vez que algumas pessoas que demonstram estar claramente a mentir e são defendidas pelo Ministério Público e pelo Tribunal”.


A título de exemplo, o nosso interlocutor mencionou a situação da família de Fernando Gomes Monteiro, quanto à origem e à pertença dos dinheiros, já que estes disseram que eram da matriarca Teresa Pintinho. Informação esta que foi contrariada a semana passada pelas duas primeiras testemunha que foram ouvidas, dizendo que os valores monetários eram do Estado.  Do seu ponto de vista, na altura, o Tribunal corroborou a posição defendida pelo Ministério Público, decidindo que aqueles não tinham prestado falsas declarações, face ao requerimento de prisão apresentado pela defesa dos réus.


“Agora, de que lado está a verdade? Como é que o Tribunal vai resolver esta questão? Alguém estará a mentir e deve, por força da lei, ser presa imediatamente”, concluiu.