Luanda - Há novas rotas no itinerário nocturno masculino em Luanda. Disfarçados de casas de espectáculos, muitos clubes são, na verdade, palcos de prostituição, onde mulheres dançam nuas para clientes embriagados e paga-se um mínimo de 350 dólares para uma hora de sexo com jovens com idades entre os 18 aos 30 anos.
*Tandala Francisco
Fonte: A Capital
350 dólares para uma hora de sexo
Há seis meses que a rotina de Magda não muda. De terça a domingo, ela deixa a sua residência no bairro Golfe, na periferia de Luanda, e segue em direcção ao sul da cidade. No táxi colectivo que a transporta põe os auscultadores nos ouvidos, aumenta ao máximo o volume do seu telemóvel digital de terceira geração, troca sms com amigos, mantendo-se indiferente às histórias, lamúrias e confusões típicas dos utentes dos “candongueiros”. A viagem dura regra geral uma hora. Magda sai, sempre, por voltas das 19 horas e 30 minutos de casa. Às 20 horas e 30 minutos chega à paragem mais próxima do bairro Talatona. Aqui, os becos da sua zona de residência são substituídos por ruas largas, asfaltadas e os casebres degradados de alvenaria não rebocada dão lugar a imponentes vivendas e edifícios modernos.
É num desses edifícios que ela fica, seis vezes por semana, entre as 21 horas às 06 da manhã do dia seguinte. Na sua bolsa a tiracolo, leva consigo o básico: produtos de higiene pessoal, perfume francês e utensílios de beleza feminina. Não se esquece de pelo menos uma das peças da sua colecção de roupa íntima excessivamente apeladora para a actividade sexual.
“A minha favorita é essa”, diz, enquanto mostra para o repórter um conjunto de fotografias suas em trajes menores, ousados, convenientemente decotados e ajustados às suas ancas sobressaídas e peitos avantajados, torneando os seus um metro e 60 centímetros de altura.
Manifesta preferência por um conjunto de langerie verde, rendado, com o qual a veremos dançar, minutos depois, agarrada a uma vara metálica prateada instalada bem no meio de um palco com iluminação deficiente.
O recinto é propositadamente mal iluminado, mas tem luz suficiente para que as dezenas de presentes acompanhem as acrobacias de Magda em pose sexual, a aplaudam e possam ver os detalhes da sua intimidade feminina revelados enquanto a sua roupa interior vai desaparecendo – primeiro o soutien e depois o resto – ao ritmo lento da música “my califórnia king bed” da cantora norte-americana Rihanna. Esta cena desenrola-se num clube para homens localizado no bairro Talatona, em Luanda, nas imediações das bombas dos Mirantes. Num edifício discreto, controlado por guardas de uma empresa de segurança, funciona um hotel onde, no seu terceiro andar, se situa o Clube Rojo. Aqui mais de 15 belas mulheres, entre angolanas, brasileiras, congolesas e moçambicanas, ganham a vida satisfazendo os prazeres carnais dos homens que as procuram.
“A mais velha tem 30 anos”, diz Magda. “E é mesmo aquela aí”, refere, apontando para a mulher magra e alta, vestida apenas de roupa interior branca, que se dispõe a dançar pendurada na vara metálica (na mesma em que Magda dançou antes) por ininterruptos cinco minutos até ao fim da música romântica que domina o ambiente; até ela ficar completamente nua e escancarada perante os olhos esbugalhados dos homens presentes. “E a mais nova é aquela outra”, acrescenta ao indicar para uma jovem mulher sentada ao colo de um homem caucasiano, ela também de trajes menores, ingerindo, ambos, doses generosas de bebidas alcoólicas. Ela, mais moderada, bebe um coquetail feito a base de amarula, enquanto ele consome um whisky velho com umas quantas pedras de gelo. “Ela tem 19 anos e é minha amiga”, insiste a moça.
Conhecemos Magda na nossa primeira visita ao Clube Rojo por indicação de um amigo. Para lá nos deslocamos em busca de dados para a presente reportagem, dedicada ao crescimento, na capital angolana, de locais onde se pratica a prostituição de luxo. O primeiro dado a reter é que são muitas as mulheres entregues à essa vida, desde angolanas, brasileiras, congolesas, moçambicanas, chinesas e vietnamitas. Esses clubes variam, do ponto de vista de localização, e mesmo de condições oferecidas à crescente população de consumidores dos serviços disponibilizados.
Magda, que se tornou a nossa principal interlocutora, conta que “ainda na semana passada”, um antigo cliente “apareceu e me pediu para arranjar mais meninas para um clube que ele próprio abriu”. Mas ela disse saber, inclusive, da existência de hotéis, na capital angolana, que providenciam esse tipo de serviço para clientes especiais. “Num deles só vão brancos”, revela a jovem em consonância, de facto, com o que a reportagem constatou.
Os clubes masculinos, em Luanda, crescem efectivamente como cogumelos. Este jornal sabe da existência de pelo menos 29 deles espalhados por diversos bairros de Luanda. Existem em Cacuaco, Viana, Belas e Luanda rezando, no respectivo alvará comercial, uma actividade bastante diferente daquela que realmente neles se pratica na calada da noite. Sejam simulados de discotecas, casas de massagem ou, mesmo, hotéis ou motéis, a verdade é que as casas de streap-tease ganharam definitivamente um espaço no itinerário nocturno masculino em Luanda.
“Vem muita gente com dinheiro aqui”, ressalta Magda, a respeito do clube que frequenta. Mas não apenas gente com dinheiro. Gente importante também. “Aqui vêm, com frequência, jornalistas, directores de empresas e até pessoas do Governo”, muitos dos quais se ressalvam dos olhares curiosos através das salas discretas, vulgo salas vip, disponibilizadas para os clientes que exigem mais privacidade.
Discrição
E por falar em privacidade, não é fácil dar de caras com essas casas sem haver uma indicação prévia de alguém que já lá tenha estado antes. O Clube Rojo, por exemplo, está “escondido” duas ruas depois do posto de abastecimento Mirantes, em Talatona, para quem se dirige para a chamada ponte molhada. O gigantesco portão de acesso está sempre fechado. Mas basta um acender e apagar dos faróis da viatura para que os guardas percebam o sinal e garantam, então, acesso ao pátio do recinto, onde regra geral estão já dezenas de viaturas de alta cilindrada parqueadas.
Foi o que vimos nas duas vezes em que o frequentamos. O clube mantém-se aberto a partir das 21 horas. Trinta minutos depois, quando nos fizemos ao local, o pátio já estava cheio de viaturas, num total de 16, incluindo a nossa. Subimos pelas escadas de acesso até ao terceiro andar de um motel com 30 quartos. Fomos dar a uma espécie de bilheteira com uma janela de vidro a separar-nos da jovem magra, de tez clara, sentada do outro lado. Em letras garrafais estavam dispostas as regras do recinto. “Não entrar armado, não filmar, fotografar ou falar ao telefone”, lia-se num papel A4 esverdeado. Num outro, da mesma dimensão, mas branco, dispunham-se mais orientações: “a entrada é seis mil kwanzas e dá direito a duas bebidas”. Do lado direito da bilheteira, estava uma porta blindada, pintada de preto, guardada por dois portentosos segurança e através da qual passavam, vez ou outra, um suposto cliente já com sinais de bebedeira e uma moça em trajes menores todos em direcção à bilheteira para acertar as contas ou ao banheiro instalado bem ao fundo de um curto corredor.
Quando entramos pela primeira vez, lá vimos Magda com a sua langerie verde agarrada ao varão metálico instalado mesmo no meio do palco ao redor do qual há meia dúzia de mesas, além de vastos sofás vermelhos a circundar quase todo o clube. Clientes e meninas entregavam-se de imediato à intimidade, impulsionados, se calhar, pelo álcool servido por três jovens trajados de negro desde o bar americano ali existente. Enquanto se consome álcool, vêem-se beijos, amassos, carícias ousadas sempre sob o som de estridentes gargalhadas e de uma música romântica escolhida pelo disck jockey ao ritmo da qual mais mulheres iam dançando, de forma acrobática, agarradas ao varão prateado até ficarem completamente nuas.
“Se pagares, qualquer uma de nós pode dançar, nua, na sua mesa”, convida Magda, com voz de sedução. “Quanto é?”, pergunta o repórter. E a resposta foi rápida: 15 mil kwanzas. Esse dinheiro, entretanto, não vai todo para as jovens. Têm de o dividir com os chefes numa proporção de dois terços para elas e um para a casa. “E se quiseres saída, nós podemos ir já”, insiste a jovem. “Saída”, no clube, é o termo usado em substituição de “relação sexual”. Depois de minutos de sedução e consumo de álcool, o cliente, regra geral, deixa-se levar pelos desejos da carne e aceita o convite para uma “saída”. Isto custa-lhe 350 dólares norte-americanos, ou 35 mil kwanzas. É quanto se paga por uma hora de sexo com qualquer uma daquelas jovens. Um dinheiro que, entretanto, também não vai todo para as meninas. E Magda explica: “ficamos com 200 dólares, e eles (a casa) fica com 150” para pagar o quarto. Para elas, fica exclusivamente reservado apenas o dinheiro que os clientes atiram para o palco ou colocam por dentro da roupa interior delas toda a vez que nele subirem para dançar.
“Necessidades da vida”
A maioria das mulheres destes clubes são mesmo angolanas, recrutadas na periferia de Luanda seja pelos donos ou pelos gestores do empreendimento. No Clube Rojo, por exemplo, Adélia, de 19 anos, foi recrutada numa discoteca pela secretária do gerente do empreendimento. E foi, pois, por intermédio de Adélia que a sua amiga Magda, de 22 anos, acabou contratada também. Muitas outras foram levadas pelo próprio gerente, acabando por criar um efeito bola de neve em que todos, patrões e empregadas, actuam como agentes recrutadores.
Mas seja entre as angolanas ou entre as estrangeiras, o denominador comum é que se trata de mulheres com algumas dificuldades de sobrevivência, ou pelo menos servem-se deste argumento para justificar, a quem pergunta, a razão pela qual se dedicam à prostituição. “São necessidades da vida”, responde Cristina ao curioso repórter. Ela tem 25 anos, e é uma entre as jovens brasileiras recrutadas, desde o seu país, para trabalhar em Angola no Clube Rojo.
“Uma amiga contou-me, disse-me que eram pessoas de confiança e aqui estou”, revela.
Brasileiras como ela são as estrelas do clube, de tão cobiçadas que são. E as razões estão aí: dançarinas profissionais, exibem um corpo típico de quem passa muitas horas no ginásio, além de outros atributos naturais. Embora uma “saída” no clube com elas tenha o mesmo preço que com a angolana, a verdade é que os gestores ganham mais com as estrangeiras que permanecem em Angola apenas por 15 dias. São muitas vezes convidadas para sair, atender a festas privadas e isso custa a quem convida uns nada módicos 3 mil dólares (ou 300 mil kwanzas) repartidos em proporções de dois terços, para ela, e um terço para os seus recrutadores que ainda tratam do respectivo visto de turista, dos custos de passagem aérea, alojamento, alimentação e transporte durante a sua permanência em solo angolano. “A minha família não sabe disso”, confessa. Neste momento, “em que estou aqui contigo (com o repórter)” eles (os seus pais) pensam que “eu estou no Rio de Janeiro, em casa de uma amiga, em busca de emprego”.
Noémia, angolana de 22 anos, conta que a sua família também não sabe o que faz. Mas diz que é com o dinheiro que ganha com esta actividade que paga as propinas do curso superior de comunicação social, que frequenta, e que ajuda a sustentar a mãe e os irmãos. Magda, por sua vez, quer dar uma educação “melhor ao filho” e entende ser a actividade que desempenha o caminho mais à mão para conseguir dinheiro para a construção de uma casa onde possam viver ela, o filho de quatro anos e a sua mãe “hoje maltratada pelo meu padrasto”.
Desabafos de uma mulher
Ao deslocar-se todos os dias para o clube em que trabalha, Magda sabe que em vários momentos da noite vai estar nua numa cama com alguém. Mas não sabe com quem. E isso, segundo diz, é o que mais odeia naquilo que faz. E di-lo com a cabeça para baixo, incapaz de encarar o olhar inquiridor do repórter.
“O que mais odeia mesmo?”, questiona o repórter. “Ter que sair com alguém sem prazer”, insiste a jovem, acrescentando um outro motivo de descontentamento para ela. “Ter de tirar a roupa ali, com todos a verem, e dançar obrigatoriamente nua no palco”.
Isso deixa-a triste, diz ela, ainda que ao final da jornada o seu bolso saia recheado. Nos bons dias, em que o movimento é maior, uma menina pode sair do clube com até mil dólares. Magda, que está há meio ano no clube, diz que na primeira semana de trabalho acumulou perto de 5 mil dólares, entre “saídas com clientes” e gorjetas por “dançar nua no palco”.
Investiu numa conta bancária onde deposita regularmente algum dinheiro. Metade do que ganha, vai para ajudar a mãe e o filho, ainda numa província do sul de Angola. Uma parte vai para comprar material para a casa que está a construir e outra vai para reforçar a conta à prazo. Mas há que cuidar da indumentária e do aspecto físico, de uma maneira geral. “E isso gasta muito dinheiro em Angola”. Afinal, são os perfumes, os cremes para pele e o cabelo brasileiro aplicado sobre os delas próprios uma espécie de utensílios de trabalho para essas meninas da noite.
Vez ou outra, aparece um cliente “generoso” e dá dinheiro. Ainda na semana passada, segundo conta, apareceu um senhor que habitualmente “só me manda tomar banho para ele ver”. E paga bem. Desta vez, “apareceu, mandou-me tomar banho, ficou cinco minutos e me deu 800 euros”. Noutro dia, segundo ela, uma outra alma generosa deu-me 2 mil dólares. “E nem saiu comigo”.
Entre as meninas, conta-se o caso de um alegado dirigente angolano que se engraçou tanto com uma brasileira ao ponto de dar-lhe 100 mil dólares, tornando-a, de imediato, sua parceira particular. É o sonho de cada uma, um sonho que, entretanto, já não apaixona mais a Magda. “Quero sair”, diz ela num terceiro encontro com o repórter. “Porquê?”, pergunta o jornalista. “Há muitos clientes que se cruzam contigo na rua e dão muitas bandeiras”, responde.
Mas não apenas por isso. Uma das sua colegas enfrenta, agora, a possibilidade de acabar com o noivado, já que o namorado, que trabalha numa província, não sabia da vida que levava. “Um dia, uns colegas dele vieram a Luanda e foram ao clube. Viram-na a dançar e foram lhe contar”, refere. “E não é isso que quero para mim”, ressalta.
“Não consigo ter um namorado. Sabe porquê? Teria de mentir-lhe sempre. Haveriam desencontros, eu a trabalhar de noite, e ele de dia. Imagina que, num dia destes, saímos juntos e nos encontramos com um amigo dele que já esteve no clube”. É por isso que para Magda, que também faz segredo à família do que faz, há apenas uma certeza: “Estou aqui provisoriamente”.
Ossos do ofício
Mas não é apenas a possibilidade de um constrangimento ao ser reconhecida na rua por um cliente que incomoda as jovens. Outros perigos espreitam no seu dia a dia. Magda conta, por exemplo, que por duas ocasiões duas colegas, que “saíram” com clientes diferentes, apareceram drogadas. “Puseram algo na bebida delas”, conta.
Mas há, ainda, o perigo dos clientes agressivos. Cristina, brasileira, conta que já teve de enfrentar dissabores com clientes bêbados, dos quais foi salva pelos seguranças do clube. Magda lembra um episódio recente, em que uma “alta patente” pediu para sair com ela. “Ele não conseguiu aguentar mais de 10 minutos, quando lhe disse que estava a ir embora, ele começou a me agarrar, a apertar-me o pescoço”. Foi salva, também, pelos seguranças que transformaram o tal oficial numa espécie de personna non grata no clube, como aliás acontece com qualquer um cliente que adopte um comportamento violento contra as jovens.
As meninas sentem-se exploradas, seja pelo dinheiro que repartem com a gestão do clube, seja pelos descontos arbitrários que são feitos aos pagamentos às meninas. Antes de ser uma menina do clube, Magda trabalhou como operadora de caixa num minimercado, onde auferia um salário mensal de 150 dólares, bem inferiores aos 200 dólares que recebe, no seu “emprego” actual, por uma hora de sexo com um cliente.
Agora que pretende mudar de emprego, confronta-se, justamente, com as mesmas razões que a fizeram, no passado, aderir à prostituição: os baixos rendimentos. Mas para ela, este não será um problema. Revela que desenvolve contactos para conseguir um emprego “num banco”, embora ainda lute para receber o seu certificado de ensino médi, depois, claro, de terminar a décima primeira classe que deixou por concluir.
Desde um emprego, com um salário de mil dólares, a um negócio de importação de mercadoria diversa a partir da China, elas engendram saídas para a vida que levam hoje. Algo imperioso, para elas, tendo em conta que mudou muita coisa nas suas vida para conseguirem adaptar-se à vida escolhida. “Eu antes nem sequer consumia álcool”, diz Magda para referir que, hoje, tem de fazê-lo necessariamente. “Só bebendo consigo aguentar aquelas mãos todas por cima de mim”.
O Alvará do Clube Rojo consta, como actividade, a organização de eventos e espectáculos nocturnos. Para, para lá das suas paredes, o que acontece é muito mais do que isso. O pequeno hotel tem cerca de 30 quartos, quatro deles servem de dormitórios para as dançarinas, e emprega perto de 50 pessoas, incluídas as próprias raparigas.
As meninas mais experimentadas, aquelas que já adquiriram uma perícia na dança, podem chegar apenas ao clube minutos antes das 21 horas. Já quem ainda não domina as técnicas deve chegar por voltas 17 horas onde, até às 19, recebe aulas ministradas pelo gerente do clube, cujo nome optamos por ocultar, assim como o fazemos com a identificação dos respectivos proprietários e com o nome verdadeiro das raparigas com as quais conversamos.