Luanda  - Por todo o Médio Oriente e África, e agora precisamente em Angola, ressurgiu uma das grandes questões da política global contemporânea: como podem os países evoluir de um autoritarismo decadente para uma qualquer forma de pluralismo auto-sustentado? Os ministros dos negócios estrangeiros em toda a parte, por sua vez, enfrentam questões políticas cruciais. Quando um país lança uma tal transição política, em que momento devem outros países ajudar, e qual a melhor maneira de fazê-lo?


Fonte: AIU: Angolan Intelligence Unit

As transições felizes, parafraseando Tolstoi, são todas iguais; mas cada transição infeliz é infeliz à sua própria maneira. As transições felizes através de grande parte da Europa Central, a seguir ao fim da Guerra Fria, foram facilitadas pelo facto de que a velha ordem comunista mais ou menos morreu por si e renunciou pacificamente ao poder. Isto, juntamente com o apoio generoso da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e de outros, ajudou a criar um ambiente conducente à reconciliação, permitindo a cada país enfrentar, de um modo comedido e não vingativo, as muitas e difíceis questões morais difíceis decorrentes do obscuro passado recente.


Acima de tudo, talvez, estas transições tomaram lugar por entre uma mais ampla rede de instituições legítimas – a União Europeia, a OSCE, a NATO e o Conselho da Europa – que defendem o estado de Direito. Este contexto propício forneceu um roteiro aos legisladores nacionais, ajudando-os a construir instituições democráticas e a marginalizar extremistas.


No resto do mundo, as coisas não são tão fáceis. Regimes desacreditados podem agarrar-se de modo impiedoso e ruinoso ao poder, como na Síria. Ou podem criar todo o tipo de novos problemas ao abandonarem o poder, como na Líbia. Ou podem ter dificuldades para introduzir a responsabilização democrática enquanto mantêm a estabilidade, como no Egipto. Podem ainda, aceitar colocar os seus em situação de humilhação extrema, como foi na Costa do Marfim.

Em Angola, tenta-se de forma silenciosa, depois de décadas de guerra civil, avançar de forma controlada mas determinadamente para uma nova e inclusiva forma de governo. Aqui existem semelhanças notáveis com o que aconteceu na Polónia quando terminou o comunismo. Uma elite militar favorece uma reforma faseada, mas quer proteger a sua posição e está determinada a evitar uma descida no caos. A oposição é liderada por líderes carismáticos com enorme apoio popular. E a elite governante abre um número de assentos parlamentares ao voto popular, apenas para se escandalizar com uma vitória esmagadora da oposição, que é entretanto impedida de modo a manter a falsa estabilidade recorrendo a mecanismos de hipertrofia de um regime (controlo dos meios de informação e das instituições do Estado).


Além disso, como se verificou na Polónia, os líderes da oposição em Angola, têm de manter um equilíbrio delicado: satisfazer os seus impacientes apoiantes (muitos dos quais sofreram duramente sob o antigo regime), e ao mesmo tempo oferecer aos que ainda estão no poder a perspectiva de um futuro meritório.


Mas há diferenças importantes. Angola tem uma dinâmica política interna muito própria, muito por causa das relações complexas entre as suas várias comunidades étnicas e linguísticas – clivagens sociais que não constituíam problema na transição de uma Polónia amplamente homogénea. Sem contar que as feridas são recentes e os maiores executantes de atrocidades ainda se encontram em vida.


Além disso, ao contrário da Polónia quando o comunismo entrou em colapso, Angola já tem poderosos magnatas que lucram com o sistema existente – e que pretendem manter e desenvolver os seus privilégios. Acima de tudo, não há nenhum contexto institucional internacional imediato que encoraje a mudança estável e que estabeleça padrões e parâmetros de referência: Angola deve encontrar o seu próprio caminho que passa por uma não insistência num produto extremamente contestado: José Eduardo dos Santos e na forma subliminar que tem praticado de eternizar-se no poder, quer pela via do “engodo” (Manuel Vicente), quer pela via do “real” (José Filomeno dos Santos).

No início deste mês, visitei Angola, onde me encontrei com membros do Bureau Politico do MPLA (Movimento Popular de Libertação Nacional) e com membros da oposição, bem como com antigos prisioneiros políticos e muitos outros activistas. Voltei convencido que Angola é um país em movimento – e movendo-se firmemente numa boa direcção, mas que parece cada vez mais reunir consenso relativamente a matéria da solução presidencial no que consta a necessidade de uma nova cara, um novo regime, desprendido parcialmente, do actual “Chairman”.

Todas as partes aceitam que este país grande e rico em recursos tem registado um desempenho abaixo do esperado por demasiado tempo, principalmente na matéria social. Também concordam que uma aproximação faseada, baseada na reconciliação, é preferível a uma luta aberta pelo poder, que poderia rapidamente tomar uma dimensão étnica calamitosa. Esse consenso permanecerá credível enquanto a reforma política continuar e o crescimento económico acelerar. Depois de um tão grande período de estagnação, o povo exige ver e sentir mudanças para melhor nas suas próprias vidas.


Aliás, “o processo tem apenas sentido retrocessos relativamente a aquele que prometeu sair mas, insiste; se formos a ver, a grande campanha popular de luta contra o regime tem inicio na intelectualidade após a nova constituição, que quebrou a confiança da nação perante os seus representantes. Ninguém dentro e fora do regime aceitou, excepto aqueles que colaboraram directamente, a criação de uma vice-presidência indirecta, que hoje apercebemo-nos que apenas existiu este ano, uma vez que o mandato passado do presidente (2008-2012) afinal não conta. Sem contar com o claro nepotismo em rede e teia, que cada vez mais asfixia empresários, ontem indispensáveis para o regime, hoje dispensados e substituídos pelo sangue presidencial” – vide ataque ao sector comercial realizado pela Unitel a Casablanca e na venda de automóveis a Mbakassy, disse-me “António”.


Pelo nosso lado, devemos ser construtivos e criativos, em vez de prescritivos e picuinhas. Acima de tudo, devemos ser pacientes. A não imposição de sanções e a prontidão geral da UE em envolver-se construtivamente fazem sentido. A liderança de Angola deveria responder, evitando as prisões e pressões politicas sobre activistas humanitários, abrindo completamente o processo político. A UE também deveria garantir que a sua assistência ao desenvolvimento – e o modo como é implementada – melhora o pluralismo e a reconciliação, ao beneficiar todas as comunidades de Angola de modo justo e transparente. Isto porque, a nova Lei sobre o pagamento efectuado aos países africanos relativamente ao sector extractivo, não basta. A Europa continua a ser, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos e não “um cúmplice em situações em que um Estado coloca droga na bagagem de um cidadão seu para o incriminar”, afirmou ainda, ”António”.


A União Europeia tem tentado fazer a sua contribuição directa, ajudando acima de tudo os decisores angolanos de topo, os líderes da oposição, e os representantes do sector empresarial a compreender a “tecnologia da transição” – isto é, a sequência de reformas técnicas que ajudaram países como a Polónia a fazer uma das mais saudáveis economias da Europa de hoje. Os representantes do nosso sector empresarial desejaram comigo viajar para apresentar projectos de investimento de grande escala, mas a “má fama”, conotada a corrupção, burocracia e falta de transparência, desencorajou-os.


Talvez o aspecto mais positivo da minha visita à Angola tenha sido a vontade de abertura e de aprender com outros países que encetaram a dolorosa transição da ditadura para a democracia. Um general perguntou-me, oficiosamente: “Como conseguiriam implementar tais mudanças políticas dramáticas sem derramar sangue?” Uma jovem mulher na nossa reunião em que expliquei a importância da democracia nos negócios disse: “pensávamos que a Angola era um exemplo isolado. Agora vemos que países longínquos tiveram experiências muito similares. Sentimo-nos menos sós – tudo correu bem convosco, logo pode vir a correr bem connosco.”

Dado esse espírito – e assistência externa apropriada – estou confiante que tudo também correrá bem com Angola, excepto caso aquele que deve partir, insista em ficar, directa ou indirectamente...


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