Brasil - De acordo com a informação tornada pública através da imprensa, o Presidente da República José Eduardo dos Santos não vai dirigir ao país, na abertura do ano parlamentar 2012-2013, a mensagem sobre o Estado da Nação no dia 15 de Outubro de 2012.

Fonte: Club-k.net

A constituição e o papel da mídia pública

«De acordo com fonte oficial, o Presidente da República, na sua carta, esclarece que, na ocasião, não vai proferir qualquer mensagem sobre o Estado da Nação, tendo em conta que no dia 26 de Setembro de 2012, na cerimónia de investidura dirigiu ao país uma mensagem sobre o Estado da Nação e as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do país.

O Chefe de Estado considera que tendo-se passado, apenas 15 dias, desde data, proferir outro discurso sobre esse tema seria fazer as mesmas afirmações por outras palavras. Por esta razão, o Presidente José Eduardo dos Santos solicita, na sua carta endereçada ao líder do Hemiciclo, que se considere o texto da mensagem  dirigida ao povo angolano no acto de investidura, como sendo o discurso previsto no artigo 118 da Constituição (...)». (in ANGOP, 12 de Outubro de 2012/ Jornal de Angola, 13 de Outubro de 2012).

Este acto do Presidente da República pode ser analisado do ponto de vista político, constitucional ou social se consideramos os vários problemas sociais que o país enfrenta, sobretudo a sua cidade capital, Luanda. Faremos apenas uma análise do ponto de vista constitucional com algum olhar sobre a ciência política, tendo em conta a relação de complementariedade que existe entre o Direito Constitucional e a Ciência Política.

Procuraremos saber se este acto do Presidente JES está ou não em conformidade com a Constituição angolana e analisar o modo como a imprensa pública se posicionou perante este facto.  Na carta endereçada ao Presidente da Assembleia Nacional, o Presidente da República solicita « que se considere o texto da mensagem dirigida ao povo angolano no acto de investidura, como sendo o discurso previsto no artigo 118 da Constituição».

O artigo 118.º da Constituição dispõe que « O Presidente da República dirige ao País, na abertura do ano parlamentar, na Assembleia Nacional, uma mensagem sobre o Estado da Nação e as políticas preconizadas para resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do País». Será que o discurso proferido na Tomada de Posse tem a mesma relevância jurídica-constitucional ou política que a mensagem sobre o Estado da Nação?

Não. Na nossa modesta opinião, o discurso feito no Acto de Investidura do Presidente é diferente da Mensagem sobre o Estado da Nação, apesar de possuir, na sua totalidade ou em parte, conteúdos idênticos.

O discurso de Tomada de Posse é eminentemente programático e a Mensagem sobre o Estado da Nação é mais avaliativa e programática, ou seja,avalia-se o estado da Nação em cada ano e apresentam-se as políticas previstas para a resolução dos assuntos avaliados). O discurso de Tomada de Posse é mais uma formalidade política e a Mensagem sobre o Estado da Nação é uma obrigação que decorre da Constituição.

No discurso de Tomada de Posse, o Presidente da República se dirige não só aos seus cidadãos, mas também ao mundo. Na Mensagem sobre o Estado da Nação, o Presidente se dirige ao País, apenas aos cidadãos angolanos, a Assembleia Nacional, enquanto órgão representativo de todos angolanos.

Portanto, embora possam abordar assuntos semelhantes, do ponto de vista formal e da prática política, o discurso do Acto de Investidura não tem nada a ver com a obrigação de dirigir ao País uma mensagem sobre o Estado da Nação e as políticas preconizadas para resolução dos principais assuntos, promoção do bem estar dos angolanos e desenvolvimento do País.

A feitura de discurso sobre o Estado da Nação começou como uma prática política e, nos dias de hoje, passou a ter dignidade constitucional em vários países, sobretudo nos estados com democracias consolidadas e, em alguns países, é sucedido de um debate sobre o estado da nação. Assim, de formas ou modalidades diferentes, várias constituições no mundo consagram a obrigação do Presidente ou do Chefe do Governo proferir o discurso sobre o Estado da Nação. São alguns exemplos desta realidade as Constituições do Gana, Portugal e África do Sul. Em Angola, a prática de o Presidente proferir discurso sobre o Estado da Nação ainda é bastante nova.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o Presidente endereça a mensagem sobre o Estado da União ao Congresso dos Estados Unidos. Esta mensagem inclui relatórios sobre o estado da nação e a agenda legislativa do presidente que venham a precisar do apoio do Congresso e as prioridades da política governativa do presidente. E já existem nos EUA, algumas versões estaduais, os chamados « discurso do estado do Estado» no qual os governadores dos estados proferem discursos sobre o estado do Estado.

Ao decidir não dirigir ao País, na abertura do ano parlamentar, na Assembleia Nacional, uma mensagem sobre o Estado da Nação conforme previsto no artigo 118.º da CRA, o Presidente da República se omite de praticar um acto que a Constituição lhe manda praticar. O Presidente pratica uma inconstitucionalidade por omissão em sentido amplo. Este é o nosso ponto de vista!

Estamos perante uma omissão constitucional, em sentido amplo, quando um órgão do estado ou órgão do poder público se abstém ou deixa de praticar um acto ou uma acção que lhe é exigido pela constituição. Para o professor Jorge Miranda «a inconstitucionalidade por omissão é a inconstitucionalidade negativa, a que resulta da inércia ou do silêncio de qualquer órgão de poder, o qual deixa de praticar em certo tempo o ato exigido pela Constituição». (Teoria do Estado e da Constituição, 3.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 449).

No acto de posse, realizado no dia 26 de Setembro, o Presidente da República jurou, em conformidade com o previsto no artigo 115.º da CRA, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República de Angola e as leis do País. Mais uma vez, o Presidente JES volta a não respeitar o estatuído na Constituição e a não respeitar o seu juramento. A consequência imediata desta omissão de JES é a sua responsabilidade política perante o povo, perante oscidadãos, principais destinatários da referida mensagem. Mas tudo está a depender da maneira como a imprensa pública está a abordar o facto.

Mais uma vez, contrariamente ao que é inerente a um estado democrático, a Imprensa Pública (TPA, RNA e JA) omite-se de promover um debate público sério, plural, profundo, sem censura e contraditório sobre este facto; deixa de debater um assunto que é de interesse público para que os cidadãos eleitores angolanos estejam devidamente informados. E está a veicular a informação no sentido de induzir os cidadãos a pensarem e acreditarem que a comissão do Presidente é irrelevante para a sociedade.

A continuar por este caminho, a mídia pública deixa de dar o seu contributo para o aprofundamento da democracia e fortalecimento da cidadania, contrariando o que diz a Lei de Imprensa. Construamos Cidadania!