Luanda - Numa democracia, o poder emana sempre do povo através de processos eleitorais legítimos, realizados em conformidade com a Constituição. A conformidade dos actos eleitorais com a Constituição é que determina tanto a legitimidade dos resultados como o exercício do poder político.

Fonte: Club-k.net

“E o Presidente é presidente de faz de conta”

O processo eleitoral angolano não foi realizado em conformidade com a Constituição, por três razões fundamentais:

• foi dirigido e controlado por um Partido-Estado, o MPLA, que, não permitindo competições iguais, também concorreu. O Partido-Estado concorrente, utilizou ardilosamente os órgãos de comunicação social, os recursos públicos, o poder da Administração Pública, o poder tradicional, o poder judicial e até a Administração eleitoral, a seu favor, violando assim o direito de igualdade de tratamento dos demais concorrentes, em manifesta violação do que dispõe a 2ª parte do nº 2 do art. 4º da CRA.

• A eleição foi realizada com base em cadernos eleitorais incertos ou incorrectos, produzidos em desconformidade com a Constituição.

• Não houve, nos termos da lei, apuramento da vontade dos eleitores, para se poder determinar de facto, a partir da contagem física das actas das mesas de voto, quem foi o candidato escolhido pelo povo para governar Angola nos próximos cinco anos.

As provas destes três elementos são irrefutáveis.

Não apurar a vontade do povo angolano de acordo com as regras da democracia estabelecidas pela Constituição e pela lei, e ainda assim, “distribuir mandatos”, “determinar os candidatos eleitos”, ou proclamar alguém “Presidente” ou “Vice-Presidente da República”, é um acto inconstitucional.

É tanto inconstitucional como punível. E tão criminalmente punível quanto a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição e a lei, tal como sem a efectivação do apuramento provincial e do consequente apuramento nacional, nos termos da Constituição e da lei. Quem o afirma é a própria Constituição:

São ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição (artº. 4º, nº 2).

Tomar o poder pela força militar ou tomar ou poder por força da violação da Constituição, é a mesma coisa. As duas formas são condenadas da mesma maneira pela Constituição. As duas formas são igualmente ilegítimas.

A questão que se põe é: houve ou não houve apuramento dos resultados eleitorais a nível das dezoito províncias do país?

Não houve. Nenhuma Comissão Provincial Eleitoral recebeu as “actas das assembleias de voto” para fazer o apuramento provincial. Nenhum desses órgãos, devendo, utilizou as actas das operações eleitorais para fazer o apuramento provincial a partir da verificação do número total de votos obtidos por cada lista, como estabelecem o nº 1 do art. 126º e o art. 128º da LOSEG.

De facto, foi Luanda quem fez o “apuramento provincial” de cada um dos dezoito círculos provinciais. Foi Luanda quem ditou os resultados para as provínciais assumirem. Não houve apuramento provincial, efectuado pelas Comissões Provinciais Eleitorais, nos termos estabelecidos por lei.

Este facto nunca foi desmentido pela Comissão Nacional Eleitoral e pode ser comprovado pela leitura das respectivas actas, como ilutrou recentemente o Presidente Samakuva.

As Comissões Provinciais Eleitorais não abriram os envelopes lacrados contendo as actas das operações eleitorais que receberam, para, a partir delas, e só com base nelas, apurar o número total de votos obtidos por cada lista, procedendo assim ao apuramento provincial definitivo, como estabelecem o nº 1 do art. 126º e o art. 128º da LOSEG.

Não tendo sido computadas as actas de operações eleitorais individualizadas de cada mesa de voto, então, não houve apuramento definitivo.

Quem é o diz não sou eu. É o Tribunal Constitucional. No seu Acórdão nº 224/2012 relativo ao processo nº 295-B/2012, págs. 16, 17, o Tribunal Constitucional esclarece bem como deve ser feito o apuramento definitivo:

“O apuramento definitivo, nos termos da lei, e que serve de base à conversão de votos em assentos parlamentares, é o que é feito exclusivamente com base nas actas das operações eleitorais contabilizados em cada círculo provincial e posteriormente na CNE para o cômputo nacional. Ainda que pudessem ter sido cometido erros de transcrição das actas das operações eleitorais para as actas síntese, esses erros não afectam nem prejudicam o apuramento definitivo que é feito com base nas actas de operações eleitorais individualizadas de cada mesa de voto” (Acórdão nº 224/2012 relativo ao processo nº 295-B/2012, págs. 16, 17).

A CNE não efectuou o apuramento com base nas actas das operações eleitorais contabilizados em cada círculo provincial. Se não o fez, então, os mandatos não foram distribuídos em conformidade com a Constituição.

Já não estamos a falar de fraude. Estamos a falar de violação da Constituição! A fraude discute-se. Pode-se ou não provar. A violação da Constituição não se discute. Neste caso, está por demais provada. E atestada pelo próprio Tribunal Constitucional.

Angola continua a não ter um Presidente da República eleito em conformidade com a Constituição. Os deputados não foram eleitos em conformidade com a Constituição. E quando isto acontece, há legitimidade? A eleição vale? A resposta está novamente na própria Constituição:

Artigo 6º
(Supremacia da Constituição e legalidade)

1. A Constituição é a Lei Suprema da República de Angola.

2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis.

3. As leis, os tratados e os demais actos do Estado, dos órgãos do poder local e dos entes públicos em geral só são válidos se foram conformes à Constituição.

Portanto, pela resposta dada pela própria Constituição da República, nós somos deputados faz de conta e o Presidente é presidente faz de conta, porque Angola não tem deputados eleitos nem tem presidente eleito.

Não apurar a vontade do povo angolano de acordo com as regras da democracia estabelecidas pela Constituição e pela lei, e ainda assim, “distribuir mandatos”, “determinar os candidatos eleitos”, ou proclamar alguém “Presidente” ou “Vice-Presidente da República”, é um acto inconstitucional. Os actos inconstitucionais são nulos.

A consequência constitucional dessas violações, é só uma: a declaração da inconstitucionalidade das eleições gerais de 31 de Agosto de 2012, e, em consequência, considerar nulos os actos de apuramento provincial e os resultados divulgados.

A UNITA enviou já um requerimento a pedir que o Tribunal aprecie a dimensão constitucional dos factos alegados e declare a inconstitucionalidade das eleições. Se houver tal declaração, então estamos num Estado constitucional democrático. Se não houver, estamos na República do Pai Banana!