Luanda - Em tempo de “rentrée”, a semana política em Angola começou com uma quilométrica “Réplica”, pois foi assim que o líder da UNITA, Isaías Samakuva (IS), decidiu chamar ao extenso discurso que proferiu segunda-feira num dos hotéis de Luanda, num sala a abarrotar de correligionários.

Fonte: Morro da Maianga

Foi uma “réplica” particularmente dura e frontal dirigida ao discurso que o Presidente Eduardo dos Santos (JES) pronunciou no acto da sua recente investidura.

No palco tivémos um  Samakuva a verberar em toda a linha o comportamento de JES por não ter falado na abertura da nova legislatura sobre o “Estado da Nação”.

À semelhança do que já tinha feito o ano passado, o que líder da UNITA pretendia era apresentar o outro “Estado da Nação”, visto com olhos, óculos e binóculos, certamente bem diferentes daqueles que o discurso oficial usa para caracterizar o país.

Em abono da verdade, a Angola minimamente consensual, como tal ainda não existe, pois é quase impossível encontramos dois angolanos de quadrantes/sensibilidades políticos diferentes a falarem dela com as mesmas palavras.

O propósito de IS acabou, entretanto, por ser concretizado na “Réplica” apresentada, embora, e por força da filtragem editorial existente nos meios de comunicação social públicos, muito poucas pessoas tenham ficado a saber dos contornos exactos do seu “Estado da Nação”, para além de umas ligeiras e fragmentadas referências, sem qualquer impacto político a ter em conta tudo quanto foi dito.

De facto é enorme a distância que vai entre o que o país ficou a saber pela via da média pública que é a dominante em termos de cobertura do espaço nacional e o que efectivamente Isaías Samakuva disse na sua “Réplica”.

Foi mais um episódio a traduzir um desempenho já conhecido que, pelos vistos, vai manter-se mais ou menos inalterável, depois de ainda se terem alimentado algumas esperanças de se ter finalmente em marcha, nesta nova legislatura, um serviço público de radio e televisão, conforme ele está definido na própria Constituição.

Para além da reiterada contestação aos recentes resultados eleitorais e o seu não reconhecimento, entre as inúmeras e discordantes pinceladas com que Samakuva pintou o seu “Estado da Nação”, sobressaem as referências à falta de transparência da governação.

Samakuva defendeu segunda-feira a necessidade de se “manter as contas nacionais transparentes, tapar os buracos no OGE, acabar com os sacos azuis e os privilégios no sistema de contratação pública e aperfeiçoar o controlo da gestão das finanças públicas, incluindo as linhas de crédito”.

Para o líder da UNITA “não se pode distribuir melhor sem transparência nos instrumentos e mecanismos de utilização dos fundos públicos. Há muito dinheiro que se desvia dos circuitos oficiais. Há muitos bens comprados pelo Estado que não são utilizados pelo Estado”.

Para se distribuir melhor, rematou, “é necessário que o Presidente da República esteja disponível para combater a corrupção com a sua já adormecida tolerância zero!”

A “rentrée” prosseguiu terça-feira no Parlamento com a realização da primeira plenária da nova legislatura que foi marcada com as primeiras declarações políticas das bancadas parlamentares que constituem o hemiciclo resultante do voto depositado a 31 de Agosto.

Uma vez mais e por força da mesma filtragem editorial, a média pública, que era suposto que fizesse a transmissão em directo da plenária, passou ao lado do “filme” e decidiu apenas oferecer-nos, já em deferido, alguns excertos ao seu belo gosto.

A opinião pública e publicada ficou assim sem saber, exactamente, que Parlamento vamos ter nesta nova legislatura, pois melhor oportunidade não havia para se fazer de imediato uma tal avaliação, se lhe fossem fornecidos os elementos necessários.


Contrariamente ao que vinha acontecendo com a presença regular nos últimos tempos de vários especialistas nos seus principais espaços informativos, desta vez nem a rádio, nem a televisão públicas, dedicaram às declarações políticas a mínima atenção em termos de análise, para além dos resumos, “muitos resumidos”, que fizeram da plenária.

Pelo andar da carruagem, tudo leva a crer que a próxima briga a sério entre o poder e a oposição, a mobilizar toda a sociedade, serão as transmissões em directo dos debates parlamentares.

Para a oposição e os sectores mais críticos da sociedade civil é naturalmente uma batalha que vale a pena travar até às últimas consequências, pois uma das grandes vantagens do poder continua a ser o domínio que possui sobre a rádio e a televisão.

Um domínio quase absoluto que é gerido de acordo com as suas conveniências, como ficou uma vez mais demonstrado esta semana.

Importa recordar que estas transmissões não são uma novidade, tendo a certa altura por razões de estratégia política sido suspensas, com um argumento supostamente económico que não convenceu ninguém, incluindo os próprios defensores da ideia.

Do pouco que transpirou para fora, o destaque vai quanto a nós, para a declaração política da bancada parlamentar da CASA-CE, com o seu líder, o deputado e almirante na reserva, André Mendes de Carvalho, a anunciar que a sua coligação iria trabalhar no sentido de trazer o mais brevemente possível até parlamento a tutela ministerial que responde pela energia e as águas, a projectar desde logo a primeira interpelação política ao Executivo.

A crise dos “dois preciosos líquidos” está para durar e, pelos vistos, ninguém vai querer desperdiça-los em matéria de aproveitamento político.

NA-Este texto foi publicado na edição de 26/10/12 do semanário o “SOL”/Angola