Luanda – Por «ordem superior», como alega a administração do espaço, a Feira Popular de Luanda (FPL) será encerrada, de uma vez por todas, a 20 de Dezembro, após 17 anos de existência. Sem entenderem, por não haver quem se digne a dar uma explicação clara, os feirantes serão obrigados a abandonar o recinto, como se nada tivessem feito, uma vez que não sabem porquê, como e para onde vão, apenas se cochicha uma possível indemnização.

Fonte: SA

O murmúrio de que algum dia a feira deixaria de existir, já se ouve há muito tempo, mas por estarem sempre na incerteza e porque também a administração não parava de alimentar esperança, cobrando rigorosamente as quotas, os feirantes sentiram-se acomodados e tudo fizeram para deixar cada vez mais bonito o seu pequeno espaço de arrecadação de receitas – por sinal, tem garantido a sustentabilidade de suas famílias.

Enquanto uns deixaram de fazer venda ambulante, instalando-se em barracas e lonas, outros compraram um espaço, apetrecharam-no, legalizaram e pagam regularmente a quota à administração, sem contar com aqueles cujos estabelecimentos existem desde a inauguração da FPL. Todos eles consciencializados de que transformaram aquilo numa «praça», quando ontem apenas era um espaço de laser degradado.

A administração da feira, que tanto beneficia daquilo que lhe é pago em quotização, pouco tem feito para deixar o espaço em boas condições, pois, segundo os feirantes, ela nunca sequer se preocupou fazer manutenção ao recinto. Hoje, emite um comunicado, informando que, «por determinação superior, a feira será encerrada a partir do próximo dia 20 de Dezembro, pelo que, pedimos a compreensão dos senhores feirantes».

Compreender é o que se recusam os feirantes, principalmente os que fazem do negócio a sua sobrevivência, não aceitando o facto de que terão de começar do zero. «Sou dependente do negócio aqui que faço, não tenho emprego e, se nos tirarem daqui, não sei onde vou. Recentemente fiz um empréstimo a um banco, de 30 mil dólares, para reabilitar o meu pequeno restaurante e não sei como vou pagar, caso acabem mesmo com a feira», disse, sob anonimato, um dos comerciantes, que tem o seu espaço há três anos e paga 400 dólares de quota mensal.

Porquê as quotas?

Aflito, por não saber como vai liquidar a dívida com o banco, o nosso entrevistado, que não bebia, passou a fazer uso de álcool a ver se consegue esquecer esta situação, uma vez que a indeminização que, diz-se, irão receber, será insuficiente para cobrir sequer o empréstimo. E para agravar, «a administração alega que, os que estão há poucos anos, como é o meu caso, possivelmente não serão indemnizados, porque foram avisados da destruição da feira. Quando é assim, não nos cobrariam a quota», protestou ele.

No mínimo, o que devia ter sido feito pela administração, segundo o nosso interlocutor, era um levantamento de quanto foi gasto, por cada um, nas obras de reabilitação do seu espaço para que os indemnizem, porque foram eles (a administração) mesmo que permitiram que os feirantes continuassem com as obras, numa altura em que já deviam ter a certeza se a feira se iria manter ou não.

Possivelmente uma dezena de feirantes, desde donos de bares, barracas, restaurantes, lojas de produtos diversos e tendas devidamente registradas postadas logo a partir da entrada da feira, sentem-se traídos pela administração, à qual haviam depositado voto de confiança.

O ar que eles respiram cheira a desespero, desemprego e frustração, pois irão perder muita coisa injustamente, quando devia haver uma boa possibilidade de negócio com o dono do espaço, que não sabem quem é, de modo que todos saíssem a ganhar.

Mesmo não estando de acordo, até porque preferem um espaço onde possam dar continuidade aos seus negócios, os feirantes tomaram conhecimento de que irão receber uma indemnização. Não se tem ainda certeza absoluta, mas foi-lhes solicitado, por uma delegação do Petro Atlético – as suas instalações são contíguas à feira – de Luanda, que abram uma conta bancária no banco BAI, para aí ser depositada a quantia monetária.

Petro é «forasteiro»

«Apareceram aqui dois representantes do Petro, alegando que o espaço, neste caso a feira, pertence àquele clube desportivo e, para que não sejamos despejados, assim só, vão indemnizar-nos e que o valor equivale a um ano de renda. Por exemplo: eu pago 150 dólares mensais, vão multiplicar este valor por 12 e o resultado será a minha indemnização», disse a proprietária de um restaurante que está instalado naquele recinto há 15 anos.

A nossa interlocutora, 53 anos, aponta que, com esse dinheiro, que ainda não têm a certeza de vão receber, não dá para fazer absolutamente nada e, com a idade que tem, caso caia no desemprego, nenhuma empresa mais a aceita empregar. O restaurante é a única salvação que tem para garantir o sustento da sua família, que é extensa.

De acordo a mulher, que também não arriscou ser identificada, seria bom que lhes fosse dado outro espaço, ainda que não seja do mesmo tamanho, mas que seja alguma coisa, do que um «coxito de kumbú». Além do mais, a indemnização que ela pode vir a receber não compensa o que lucra mensalmente o seu estabelecimento (triplica o valor).

Aquela classe não compreende também o facto de a direcção do Petro aparecer com a alegação de que a Feira Popular de Luanda pertence ao clube, uma vez que sabem, e porque na placa da feira está escrito isto, que o recinto fora inaugurado pelo presidente da República, José Eduardo dos Santos, em 1995.

Para eles, «existe algo de errado, alguma coisa não está a bater certo, porque, há 17 anos que ali estão, nunca viram alguém do Petro pronunciar-se a respeito. Só agora, depois da saída do comunicado da administração, eles (Petro) aparecem, afirmando, categoricamente, que o espaço lhes pertence, sem mostrar documentos legais.» Acrescentaram que, até então, uma empresa, de nome GEFI, era a única que respondia pela gestão da FPL.

«Vamos constituir advogado»

A estranheza dessa «evacuação repentina» que a administração da FPL quer fazer no 20º dia de Dezembro levou uma comissão dos feirantes reunir de imediato para colocar as coisas no seu devido lugar, pois, de acordo o seu representante, estão num país em que há lei e esta deve ser respeitada. Por isso, não vão cruzar os braços enquanto o seu barco afunda e, sim, arranjar um advogado para defendê-los.

Bravo da Costa e Francisco da Silva, em representação da comissão, começaram por dizer que, ficaram surpresos com o comunicado da administração, sem qualquer aviso prévio e nem ter dado tempo aos feirantes (menos de 30 dias apenas) para que arrumassem as suas «bicuatas» e se retirassem dali, por «ordens superiores.»

«Superior, quem?», questionam eles, curiosos em saber, uma vez que a própria administração local não tem sido tida nem achada, nem mesmo para cuidar da limpeza da feira. «Nós queremos saber, quando diz ‘orientação superior’, a quem se está a, em primeiro lugar. Todos nós fizemos investimentos aqui, gastámos valores exorbitantes, ninguém pode chegar, depois destes anos todos, e nos pôr na rua, sem mais nem menos. O país tem lei e não é assim que funciona», defenderam-se.

A comissão dos feirantes confirmou-nos que, não sabem o que será da feira nem se lhes vão arranjar outro espaço. «Apenas apareceram dois membros da direcção do Petro, um dos quais é jurista, sem terem feito qualquer pronunciamento oficial/legal, alegando que vão indemnizar a classe».

«Nós estamos agora a criar condições para contrapor tudo isto junto de um advogado; vamos levar isto para outras instâncias, uma vez que estamos num país de direito, então, as coisas não podem funcionar como eles querem. Isto não é uma feira qualquer, foi inaugurada pelo presidente da República», reiteraram.

Administrador e GEFI driblam jornalista

O SA procurou, por várias vezes, ouvir a administração da Feira Popular de Luanda, neste caso o administrador, Moreno de Sousa, mas este, primeiro, alegou que não estava autorizado a falar à Imprensa.

A nossa equipa de reportagem insistiu, ao ponto de o convencer a falar, mas só depois de uma reunião que teve com os feirantes. O repórter esperou até que a reunião, que durou cerca de 2 horas, terminou, mas o certo é que o administrador não cumpriu com a sua promessa, tendo «saído pelas portas do fundo». Aguardámos mais uma hora, e como já se estivesse a fazer tarde, abandonámos a feira com consciência de que o mais velho nos driblou.

Por conseguinte, já que os feirantes asseguram que é a empresa GEFI que gere da FPL, deslocámo-nos aos escritórios desta, algures na Maianga, a fim de conversar com Mário António, mas a secretária que nos atendeu parecia estar a escondê-lo. Depois de 20 minutos à espera que anunciasse a presença dos repórteres, disse-nos que o homem não estava.

Voltámos no dia seguinte, e a resposta foi a mesma. Insistimos em perguntá-la então se sabia dizer se a empresa GFI gere a Feira popular de Luanda, ela respondeu que «embora não seja a pessoa certa a falar sobre isto, a GFI não tem nada a ver com a feira, quem gere é uma outra instituição».

Nesse mesmo, voltámos a contactar dois trabalhadores da administração da FPL, que reiteraram que é a GEFI, sim, que gere a feira e que, inclusive, foi essa empresa que orientou a emissão do comunicado. De regresso à GEFI, pela terceira vez, com certeza de que nos estão a esconder alguma coisa, a secretária disse-nos que o seu chefe estava reunido e que, por tal, não nos podia atender.

Os nossos esforços em ouvir o contraditório não foram tidos em conta, nem pela GEFI nem pelo administrador da feira, atrasando significativamente o fecho desta edição.
Intercedemos, também, junto à direcção do clube Petro Atlético de Luanda, e em conversa com Paulo Jorge, do departamento de comunicação de imagem, este pediu-nos que fizéssemos um questionário, pois este assunto envolve o departamento jurídico, que depois ele teria de contactar.

Fizemos, mas, até fecho desta edição, ficámos à espera que nos respondessem...
Apesar de inúmeras críticas a esse tipo de comportamento, feitas por diversos órgãos de Comunicação Social, distintas instituições continuam a furtar-se a prestar informações sobre assuntos de interesse público. Até quando essa fobia pelo diálogo?

Aviso vem de há mais de cinco anos

Funcionários da administração do local, que preferiram não se identificar, os feirantes já estão avisados da retirada há mais de cinco anos, porque se começou a cogitar essa situação desde 2005.

Na altura, a direcção da feira estava a negociar com um grupo de investidores estrangeiros no sentido de que recuperassem o local e fizessem dele um espaço de lazer e negócios, mas os contactos não foram por aí além, afirmaram as fontes.

A nossa fonte oculta disse ainda que os feirantes não são culpados, porque a conversa da retirada depois tinha sido abafada e, de lá para cá, a administração da feira, na pessoa de Moreno de Sousa, o diretor, continuou a receber pessoas, que foram montando negócios no local.

Segundo dona Manuela, que possui, há 15 anos, um estabelecimento comercial na Feira Popular, o local, havia encerrado, devido à falta de manutenção, coisa que fez com que os equipamentos paralisassem. «Se a feira deixou de ser o que era, tudo isto é culpa dos próprios administradores, porque os equipamentos que tínhamos aqui já estavam a ficar caducados e ninguém se preocupava, pelo menos, em fazer manutenção, então tudo se estragou», explicou.

Os jovens que fazem do espaço o seu ganha-pão diário, dizem estar muito tristes, por terem de deixar a feira até ao dia 20 de Dezembro, pelo facto de não saberem onde vão se instalar para continuar com as suas actividades comercias.

Ambulantes podem aumentar

Outra feirante, Mariquinha Lopes, dona de uma barraca onde vende roupas para ambos sexos, contou que foi difícil encontrar um espaço para fazer o seu comércio em conformidade com as normas do governo. «Olha, foi muito difícil encontrar um espaço onde os polícias não dão corrida policias ou os fiscais não te chateiam. Agora, estão atirar-nos daqui, o que vai ser de nós, se é aqui onde sai o nosso sustento?» interrogou-se.

Diversas pessoas advertem que, se não encaminharem esses comerciantes para outro local, o governo verá a sua situação mais complicada, porque poderá aumentar o número de vendedores ambulantes.

Mesmo reclamando das más condições de higiene e das águas  paradas, principalmente quando chove, os comerciantes preferem manter-se ali a fazer as suas actividades comercias para garantirem o seu sustento. «Eu estava na vida da bandidagem, mas um amigo convidou-me para abrir uma barraca e vender calçados e aqui estou a fazer isso há 5 anos, mesmo nestas condições, é aqui onde sai o dinheiro para construir minha casa e para o sustento dos meus estudos,» frisou Manuel Jorge.

Se, de um lado, uns choram por irem sair da feira, de outro, populares aplaudem a iniciativa de encerrar o local, devido a problemas de criminalidade que tem causado à vizinhança, com particular incidência no período nocturno.

Crimes à noite

Actualmente o recinto, que desde a inauguração, fazia a alegria de muitos luandenses, e não só, porque o utilizavam como um espaço de diversão, foi transformado num local de venda, durante o dia, e à noite, de prostituição e tráfico de drogas. Residentes nas cercanias da feira afirmaram que o espaço, de noite, torna-se num local sem organização e onde se aproveita para actos ilícitos.

«Sinceramente, isto aqui é uma autêntica desordem, porque já se tornou numa casa dos bandidos, onde vendem drogas, as mulheres se prostituem e cada um faz o que quer», deplorou Jacinta David. Por falta de segurança no local, o período nocturno também é aproveitado por assaltantes, principalmente algumas partes da feira não iluminadas, para fazerem das suas.

Os repórteres abordaram um jovem, que preferiu não se identificar, tendo confirmado que a feira é um local que lhes facilita a venda de drogas, pela grande afluência de pessoas, principalmente aos finais de semana. «Meu cota, esse mambo se fechar, vai nos fazer perder o negócio, porque aqui já temos muitos clientes e o bom de tudo é que não tem a policia para nos complicar, por isso, esta cena aqui tem de continuar», defendeu.

A Feira Popular de Luanda já foi considerada um dos espaços de maior preferência para diversão dos citadinos, sendo que, na altura, o recinto estava dotado de inúmeros equipamentos de diversão, entre a roda gigante, carrosséis e carrinhos de choque, além de pequenos bares e restaurantes.