Luanda – O padre Raul Tati acusou o partido no poder (MPLA) de ser o principal mentor, e fomentador, de todas atrocidades que se regista naquela província mais a norte do país. Na entrevista, em exclusiva, concedida a este portal informativo, o sacerdote garantiu que “ainda existe um conflito em Cabinda”, enquanto o regime liderado há 37 anos (desde a independência de Angola) por José Eduardo dos Santos diz que “não é bem assim”.

Fonte: Club-k.net

“Todas as análises que se pode fazer do ponto de vista político em relação ao Cabinda é preciso não descurar este aspecto”, salientou o nosso entrevistado, denunciando a “perseguição sistemática” contra os principais autores cívicos da “Terra do Maiombe”. “Porque esses activistas sempre se dedicaram pelo respeito, sobretudo, dos direitos humanos e não para promoção da guerra. Os promotores da guerra são bem conhecidos. É o governo que promove a guerra e não somos nós”, afiançou.

“A nossa posição é que o problema de Cabinda não é um problema de guerra. É sim um problema de diálogo. E nós, os activistas cívicos, temos sempre insistido que o diálogo será o caminho para resolver o diferendo de Cabinda. Porque é um diferendo político que se pode muito bem resolver”, frisou, dizendo “quem criou e alimentou esta guerra – que continua até hoje – é o regime do MPLA. Portanto, nós cabindas somos apenas vítimas, e muitas vezes aparece que nós {os cabindas} é que somos os beligerantes que promovemos a guerra e a violência”.

“Inequivocamente a guerra não serve para resolver este problema. Nós podemos encontrar instrumentos hoje conceituais a nível da civilização moderna para resolvermos esse problema sem termos que recorrer a bastão. Portanto, digo que é preciso que se reveja esta questão dentro da perspectiva de diálogo. Um diálogo construtivo", acrescentou sem papas na língua.

EXTINÇÃO DE PALABANDA. No entanto, lamentou sobre a supressão da associação cívica Palabanda. “Para nós foi um duro golpe. Fizemos um recurso ao Tribunal Supremo, passados seis anos este órgão ainda não se pronunciou sobre isso. Isto é uma clara denegação da justiça”, contou, recordando que “nós já fizemos um abaixo-assinado onde instamos o Tribunal Supremo a rever a nossa situação. Porque dentro de uma organização deste título, nós podemos melhor trabalhar em prol da questão dos direitos humanos e das nossas actividades cívicas, mas até agora nada”.

Raul Tati deplora ainda o facto de os seus correligionários não usufruírem de garantias e direitos fundamentais plasmados na constituição (atípica) aprovado em 2010. “Infelizmente, nós não estamos a usufruir destes direitos, talvez porque Cabinda seja um caso a parte, por que se fosse mesmo uma província angolana creio que a constituição devia ser também vigente em Cabinda”, deplorou, enfatizando “a verdade é que nós nos sentimos desprotegidos”.

Enquanto ao “Memorando de Entendimento” assinado em 2010, na província do Namibe, entre o governo e os guerrilheiros do Fórum de Cabinda, o sacerdote diz que este documento não passa de uma letra morta. “Na constituição angolana não há nem sequer uma única letra que possa, digamos assim, dar respaldo ao Memorando de Entendimento assinado no Namibe. Por isso, para mim vejo que este documento é uma letra morta e não passa disto”, justificou.

Paz em Cabinda.
Mesmo após o alcance da paz desde 2002, o sacerdote diz que “este bem maior” ainda não chegou em Maiombe. “Devo dizer numa única palavra que ainda não se sentem os efeitos da paz. Porquê? Porque a paz não é simplesmente o calar das armas, a paz é muito mais do que disto que estamos a viver”, argumentou, prolongando que “quando se fala da paz, estamos a falar da justiça e é só a justiça que devolve a paz as pessoas depois de um conflito. As pessoas precisam de paz para viver.”

INDEPENDÊNCIA DE CABINDA.
“Digo o seguinte. Todos povos têm o direito a sua autodeterminação. Não é a questão de quer, ou não. Têm o direito. E é necessário que Angola reconhece Cabinda com a nossa identidade própria”, disse, justificando ironicamente que “isso de ‘Cabinda ao Cunene’ não reflecte a realidade. Aliás, é de Cabinda ao Cunene, mas tem que passar ainda pela província do Zaire.”

EXERCER O DIREITO DE VOTO. Apesar de Angola ter realizado até ao momento, três eleições (duas gerais em 1992 e 2012), e as legislativas (em 2008), Raul Tati nunca se deixou levar. Talvez porque ele não acredita que a formação política que substituir o MPLA no poder poderá conceder a tão sonhada, e esperada, independência ao povo de Cabinda. Razão pela qual nunca exerceu o seu direito de voto.   

“Sobre isso vou-te dizer o seguinte. Eu nunca escondi esta minha prorrogativa. É uma opinião muito pessoal. Eu para ir votar tenho de ser livre. Se eu não sou livre não posso votar. Então, sempre afirmei que não sou livre. Nessa condição eu não votei. Eu gostaria também de ter este direito de votar, mas só quando eu for livre”, esclareceu firmemente.

Por fim, em gesto de remate, Raul Tati admitiu que “a sociedade angolana está conhecer as transformações políticas, embora ainda se mantém o partido da situação no poder”. O sacerdote acredita que há muita probabilidade do MPLA ainda se manter no poder por mais tempo. “Temos, infelizmente, que admitir isso, porque tem tudo para se perpetuar no poder por enquanto. Mas, a sociedade angolana de ontem já não é a mesma de hoje”, salientou, exemplificando “veja como cresceu o nível de consciência cívica em Angola. Como cresceu, por exemplo, o nível da contestação. Como cresceu o nível de reivindicações. Portanto, tudo isso significa que há mudanças em Angola. E estas mudanças terão também que se arrastar, inevitavelmente, em Cabinda”.    

*Esboços da entrevista concedida, em exclusiva ao Club-K, pelo padre Raul Tati a ser publicada esta sexta-feira, 14, do mês em curso.