Acho mesmo que é uma das mais estruturantes heranças da colonização portuguesa, o que é facilmente verificável na forma como as estrelas são tratadas naquele país europeu, depois de terem passado à “peluda”. Veja-se o caso (já emblemático) de Filipe Scolari. Até lhe foram fazer uma “rusga” ao pagamento de impostos e às contas off-shore.

Escrevi igualmente neste blogue que, começando bem lá por cima, de uma forma geral, os angolanos têm uma dificuldade muito grande em lidar com o sucesso dos seus compatriotas, por isso optam por tudo fazer no sentido de nivelar a diferença por baixo, bem rentinho ao chão, onde pelos vistos a gente se entende melhor. Guerra é guerra num país que se habituou tanto a estar em guerra contra si próprio e o seu futuro que, dificilmente, vai saber viver sem ela, pelo menos nos próximos tempos. Espero que as disputas eleitorais que se anunciam regulares a partir de agora, consigam cobrir este vazio, esta sede por conflitos.

Como em principio já não deverá haver mais guerras convencionais entre os angolanos, qualquer conflito mais doméstico serve para matar saudades, embora ainda tenhamos a espinha da guerrilha do Estanislau Boma encravada na garganta, lá nas matas do Mayombe, como cantava o saudoso David Zé.


2-Vem esta introdução a propósito da nomeação do novo Governo e o desaparecimento da ribalta de algumas das suas anteriores estrelas com destaque para aquela que foi, sem dúvida, a mais cintilante: o ex-ministro das finanças, Dr. José Pedro de Morais (JPM).

Paradoxalmente, alguns dos observadores que mais têm criticado a ausência de grandes novidades na remodelação ministerial que se seguiu às eleições legislativas de 5 de Setembro, têm sido os que mais têm estado a questionar (algo perplexos) a não recondução de JPM ou ainda a extinção do cargo do Ministro-adjunto do PM que deixou igualmente de fora a outra estrela do anterior Executivo que foi Aguinaldo Jaime (AJ).

De facto temos que reconhecer que estas duas mexidas por si só traduzem novidades de peso que não é possível ignorar na abordagem mais substantiva do conteúdo das alterações ocorridas.

Não precisamos sequer de entrar no mérito da causa, que tem sido objecto das mais diferentes especulações e conjecturas, algumas das quais, por sinal, bastante desagradáveis e profundamente lesivas da reputação e mesmo da honra de um dos “remodelados”.

Esta da “equipa que ganha não se mexe”, parece-nos ser uma extrapolação mecânica da vida desportiva para a actividade política que pode não fazer muito sentido, sobretudo em democracia, onde a alternância ou refrescamento do poder são sempre notas necessárias a própria dinâmica da governação.

Sabemos que o tempo em política quando ultrapassa alguns limites transforma-se no principal adversário da criatividade e da imaginação, com todo o impacto negativo que este défice tem depois na qualidade e na eficácia do desempenho do político afectado pela longevidade, que ainda é uma praga africana, como a dos gafanhotos. A maleita não é, contudo, exclusiva do continente.

É por estas e por outras que o sistema democrático começa por limitar o mandato do Presidente da República. Em meu entender deveria limitar também outros mandatos, mesmo os de carácter não electivo, ao nível do Executivo.
Para a política talvez preferisse extrapolar com uma outra frase também muito usada na vida desportiva que é aquela que aconselha o jogador a saber sair por cima, evitando algumas conhecidas humilhações para quem já foi o super-crack da equipa. Terminar como o “Mantorras” no banco ou a vender mini-cervejas em “out-doors” é que não dá mesmo, com toda a simpatia que tenho pelo muito nosso Pedro.

 

3-Em relação a JPM e independentemente do que de mais específico terá estado na origem da decisão tomada pelo Presidente JES, estou convencido que ele saiu na melhor altura do seu campeonato pessoal depois dos seis anos que esteve à frente da economia deste país que ele liderou como Ministro das Finanças.
Os resultados estabilizadores do seu consulado são reconhecidos por todos, tendo o seu impacto positivo ultrapassado fronteiras, onde JPM já era uma personalidade conhecida depois da sua passagem de quatro anos pelos corredores do FMI onde integrou o seu “board”.

O prestígio internacional que ele soube granjear traduziu-se em duas distinções consecutivas que lhe foram atribuídas por duas publicações de imprensa do insuspeito Grupo Financial Times (FT).

O “The Banker” escolheu-o como o Ministro Africano das Finanças-2007 e o magazine “Foreign Direct Investment” (FDI) nomeou-o como a Personalidade Africana de 2008, numa sequência lógica que faz todo o sentido, num continente onde as lentes ocidentais têm bastante dificuldades em “descobrir” valores que estejam de acordo com os seus standards.
Pela primeira vez na sua história como país independente, em Angola um governante foi distinguido pela positiva pela mais pura “ortodoxia ocidental” ao nível da economia.

Como é que duas publicações do mesmo grupo, com o enorme prestígio internacional de um Financial Times poderiam ser “compradas” pelo mesmo cliente, admitindo esta hipótese como remota?
E compradas a que preço?

A confirmar-se esta hipótese o escândalo seria tão grande que o FT poderia vir a ter o seu próprio futuro ameaçado como projecto editorial e empresarial.

Conhecedor que sou, minimamente, do modus operandi do FT e do valor que para qualquer pessoa que se preze, representa a sua honestidade intelectual, só tenho que lamentar que uma suspeita de tal ordem (que ele teria comprado o segundo prémio ou mesmo os dois) tenha sido atirada de ânimo tão leve contra a sua pessoa, utilizando-se as colunas da imprensa (mais uma vez) com base não se sabe bem em quê, nem em que fontes.
A suspeita quando tem este nível (hierárquico e mediático) é uma nódoa que já ninguém consegue retirar ou limpar, por isso duplamente deplorável, a colocar uma vez mais na agenda as habituais questões éticas e deontológicas que devem reger a actividade jornalística, para não variar.

4-Sou das pessoas que mesmo no auge da carreira de Pedro de Morais questionei nestas colunas os resultados da sua estratégia sobretudo ao nível do controlo real da inflação e por extensão da efectiva estabilidade macroeconómica, cujos resultados tardam em chegar aos bolsos dos cidadãos.

Não passo, por princípio, cheques em branco a ninguém e muito menos a políticos, sendo o meu relacionamento afectivo com partidos inexistente, desde que fui “enterrado” pelo meu antigo movimento, já lá vão mais de trinta anos.
Discordar não significa necessariamente desconfiar só por desconfiar, alimentando essa desconfiança apenas com rumores e boatos, sobretudo quando estamos no jornalismo. A não ser…

A saída de Pedro de Morais do Executivo, enquanto oficialmente não me forem dadas outras explicações, foi apenas o fim de mais uma etapa (desta vez muito bem sucedida, contrariamente ao que aconteceu com as suas anteriores passagens) da sua carreira como tecnocrata ao serviço do governo do MPLA.

Por mais bem sucedido que fosse, por mais “nobéis” da economia que tivesse recebido, Pedro de Morais não tinha que ficar eternamente no Ministério das Finanças. Não parece que este seja um princípio sagrado da boa governação que é muito mais dada à renovações que à continuidades, até para se evitarem alguns vícios de forma e de conteúdo, tão bem conhecidos da longevidade e dos angolanos.

Morais deixa o Ministério rumo à vida privada. Ele já aceitou o convite para ir dirigir a empresa proprietária da futura Bolsa de Valores e Derivativos de Luanda (BVDL). Não confundir com a governamental e reguladora Comissão de Mercados de Capitais (CMC) que até agora dependeu dele, enquanto foi Ministro das Finanças.
São duas coisas completamente distintas.

Até ver e apesar da iniciativa não ter partido dele, continuo a pensar que JPM saiu no momento que devia ter saído, no âmbito de uma estratégia e de um timing que só uma pessoa neste país está em condições de explicar.
Seja como for, acho que saiu bem e com o capital necessário para poder voltar a qualquer altura.
Poderia, sem dúvida, ter saído muito melhor.

Fonte: http://www.morrodamaianga.blogspot.com/