Luanda  - O Procurador-Geral Adjunto da República, Adão Adriano, requereu aos juízes do Supremo Tribunal Militar (STM) uma acareação entre Augusto Viana Mateus, a testemunha-chave do Caso Quim Ribeiro, com os declarantes Leitão Ribeiro e Elizabeth Ramos Frank, comandantes provinciais de Luanda e Uíge, respectivamente.

*Paulo Sérgio
Fonte: O Pais

Adão Adriano justificou o seu pedido alegando que só deste jeito estarão em condições de chegar à verdade material, mas o tribunal ainda não se pronunciou sobre o requerimento.    


Os dois oficiais superiores da Polícia foram arrolados no processo como declarantes por terem sido os colaboradores directos do comissário Quim Ribeiro, na altura em que este dirigia os destinos da Polícia na capital do país.


Durante a sua passagem pelo STM, a comandante Bety confirmou ter participado de uma reunião, ocorrida em Outubro de 2010, um dia antes dos assassinatos de Domingos Francisco João “Joãozinho” e de Domingos Mizalaque, em que estiveram presentes as três figuras que, até então, dirigiam os destinos da Polícia em Luanda.


Ela declarou, na ocasião, que o comissário Quim Ribeiro lhes apresentou a carta em que o superintendente Joãozinho  o acusava de ter desviado uma elevada quantia monetária surripiada dos cofres do Banco Nacional de Angola, apreendidos durante uma operação.  A missiva referia ainda que o comissário faria tudo para o tentar silenciar.


Segundo ela, foi nesta reunião que o então comandante o incumbiu de responsabilizar  três comandos de divisões da polícia, entre os quais o de Viana, dirigido por Augusto Viana.


“Primeiro o comandante Quim Ribeiro falou da carta, que depois foi buscá-la ao seu gabinete, dizendo que a mesma lhe tinha sido entregue através de um oficial operativo, cujo nome não mencionou”, revelou na altura Bety Rank Franque.


Na altura, o advogado Sérgio Raimundo questionou-a se acreditava que alguém que planejasse matar teria mostrado a carta aos seus imediatos. Mas a questão foi indeferida pelo tribunal por entender que não era à comandante da província que o advogado deveria questionar.


O comissário António Simão Leitão Ribeiro também confirmou, noutra ocasião, que, um dia antes da morte de Joãozinho, participara nma reunião presidida pelo seu então chefe, Quim Ribeiro, cujo objectivo principal foi abordar a operatividade dos seus efectivos na província de Luanda.


“O comandante Quim Ribeiro dizia não saber porque o Joãozinho o perseguia, e o que pretendia dele. Disse também que não o conhecia”, referiu. Leitão Ribeiro assumiu, em tribunal, que entregou ao seu superior hierárquico três fotografias tipo passe do malogrado Joãozinho e que ele, o comandante provincial, fez três cópias em tamanho A4, alegando que seriam encaminhadas para uma exposição ao comandante geral.


Questionado sobre onde estava no dia dos assassinatos, Leitão Ribeiro disse que estava numa reunião com o vice-procurador geral da República,  acompanhando a então governadora provincial de Luanda, Francisca do Espírito Santo.


Leitão Ribeiro foi à reunião indigitado pelo comandante provincial da Polícia, a quem reportou o acontecimento às seis horas do mesmo dia.


Ribeiro contou ainda que quando teve conhecimento das mortes de Joãozinho e Mizalaque relacionou-as com a carta.  “Claro que relacionei, inclusive reuni alguns efectivos para saber sobre o caso que, a princípio, me disseram que foi ajuste de contas, pois os indivíduos que mataram retiraram da viatura das vítimas algumas coisas. Insatisfeito, pedi para começarem a trabalhar no caso para esclarecerem o mais rápido possível, mas posteriormente foi-nos retirado e entregue à Direcção Nacional de Investigação Criminal”, respondeu o oficial quando questionado sobre o assunto.


“ALTA TEMPERATURA” NO TRIBUNAL


O ambiente da sala se tornou-se bastante tenso depois de o Tribunal ter indeferido a contradita solicitada pela instância de defesa e determinou a entrega de todos os documentos que foram reunidos como provas de que a testemunha-chave, Augusto Viana, terá faltado com a verdade em determinadas situações.


O tenente-general, Cristo Alberto, declarou durante a audiência desta quarta-feira, 16, no seu despacho  que as razões apresentadas pela defesa para justificar a contradita a Augusto Viana não se compadecem com a sã doutrina e a jurisprudência.


Contrariamente à posição defendida pelos defensores, o STM declarou que as razões por si apresentadas não abalam a credibilidade da testemunha e nem deixam em dúvida a sua imparcialidade. E, por outro lado, obrigam à realização de uma acareação e estas já estão marcadas.

Insatisfeito com a decisão, o advogado Sérgio Raimundo, em nome da instância de defesa, apresentou um requerimento de interposição de recurso, com três pontos. Num deles  afirma que a decisão do Tribunal terá sido influenciada pelo teor da promoção do Procurador, Adão Adriano, e induzido em erro.

No primeiro ponto, o jurista defendeu que a própria acusação e a pronúncia contém factos que indiciam a responsabilidade criminal de Augusto Viana.

“Não corresponde à verdade a afirmação do Ministério que diz que em momento algum a testemunha referiu ter recebido um telefonema do exterior do pais do então Comandante Provincial de Luanda, através de um telemóvel da Movicel, pois este disse justamente na sua instância como consta da acta, ao que o Procurador depois retratou-se, confirmando que estava distraído”, defendeu.

No terceiro e último ponto, o advogado declarou que as normas jurídicas utilizadas pelo Procurador para sustentar a sua promoção nada têm a ver com a contradita, não se enquadra no contexto da situação em análise, o que demonstra claramente o desconhecimento do representante do Ministério Público, Adão Adriano.

O causídico foi interrompido pelo juiz-presidente Cristo Alberto, por considerar que o mesmo estava a faltar com respeito ao Tribunal e ao representante do Ministério Público.

“O ilustre causídico está a desrespeitar este Tribunal e ao Procurador.  Por isso, pedimos que altere algumas das expressões que constam neste requerimento”, pediu o juiz-presidente.


Sérgio Raimundo retorquiu dizendo que não o faria por considerar que nele não existia nenhuma palavra que sustentasse o pedido do juiz-presidente. Insatisfeito, Cristo Alberto voltou a alertar, em nome do colectivo de juízes, ao mandatado da instância de defesa sobre a necessidade de alterar os termos que considerou ser injurioso e ofensivo. Mas  teve novamente um não como resposta.


“A instância de defesa assume o que esta escrito e mostra-se disponível a responder, por isso, perante a Ordem dos Advogados de Angola”, declarou o jurista.


Por seu lado, o Procurador Adão Adriano defendeu que os defensores dos réus deviam ter maior cuidado com a linguagem utilizada perante o tribunal. “Não podem estar aqui a responder às questões de forma suburbana, quando nós estamos a utilizar uma linguagem urbana, respeitando-os”, declarou, num tom que demonstrava algum nervosismo.


Atendendo à forma como os ânimos estavam exaltados, o juiz-presidente decretou que fosse feito o intervalo habitual, apelando aos advogados dos réus que fizessem uma reflexão sobre as expressões que considerou ser injuriosas e ofensivas por eles utilizadas.


OS FUNDAMENTOS DA CONTRADITA

Para justificar o pedido da contradita (acto pelo qual se requer a impugnação de uma testemunha por entender que não reúne perfil para participar do julgamento como testemunha ou, no caso concreto, por interesse no processo), Sérgio Raimundo e pares apresentavam dez pontos que consideravam ser de flagrantes violações à lei.

Num deles sustentavam que Augusto Viena é parte interessada na causa por ter presumivelmente participado nos alegados crimes e se terá autodefendido durante o longo período em que prestou declarações ao Tribunal. Segundo eles, esta confirmação consta na douta acusação, no acórdão de pronúncia e no depoimento de algumas das testemunhas que prestaram declarações.

Sérgio Raimundo e pares dizem ainda lamentar o facto de Augusto Viana ter sido ouvido, durante a fase de instrução preparatória, como arguido e ter passado a testemunha, um acto que consideram ter sido feito à  margem da lei.

No seu entender, o facto de Augusto Viana Mateus, então comandante da Divisão de Viana (município onde ocorreram os crimes), ter presumivelmente colaborado com a justiça não é fundamento  legal para a exclusão de ilicitude.

Analisando os vários documentos apresentados com bases de sustentação a contradita, segundo os defensores, é possível constatar que a testemunha-chave terá ainda incorrido ao crime de falsas declarações ao afirmar em tribunal que recebeu ordens do então comandante provincial de Luanda, comissário Quim Ribeiro, para assassinar o oficial superior da Polícia, Domingos João “Joaozinho”, em finais de Agosto de 2010 na presença de António João, ex-director provincial de investigação criminal.


A defesa esclareceu que, no período em referência, o réu António João  encontrava-se a gozar ferias no exterior do país, fazendo um périplo entre Brasil e Cuba.


Quanto aos motivos que levaram Augusto Viana a não denunciar os seus colegas à comissão de inquérito criada pelo Ministério do Interior para investigar as mortes de Joãozinho e Domingos Mizalaque, efectivo dos serviços prisionais, e as denuncias feitas pelo primeiro, os advogados também os consideraram como tendo sido falsos.


O então comandante de Viana alegara, noutra ocasião, que não denunciou os seus colegas, agora réus, àquele órgão por ser a única maneira que encontrou para preservar a sua vida, tendo em conta que eles se encontravam em liberdade.


Para sustentar a sua tese, a instância de defesa apresentou alguns documentos que comprovam que na época os réus José Lando Caricoco (ex-chefe de operações do comando provincial) e Paulo Rodrigues já se encontravam às contas com a justiça.


E que, por outro lado, apesar disso, há outra pessoa que Augusto Viana dizia temer, por considerá-lo perito em orquestrar acções do género e detentor de grande capacidade de mobilizar forças e meios, só foi detido em Junho de 2011. Caso fosse este o propósito, poderia o ter assassinado antes, tendo em conta que a testemunha já havia contado a sua actual versão dos factos no dia 24 de Dezembro de 2010.


Eles defendem ainda que não corresponde à verdade a informação de que o comissário Quim Ribeiro telefonou para Augusto Viana, a partir do exterior do país de um telemóvel da Movicel, para o orientar que mentisse à comissão de inquérito instaurada pela Direcção de Inspecção, do Ministério do Interior, porque naquela época esta operadora ainda não tinha o sistema roaming.


Um mês depois de ter analisado a contradita requerida pela equipa de advogados encabeçada por Sérgio Raimundo, o Procurador Adão Adriano pediu que a mesma seja rejeitada. Alega que Augusto Viana faz parte do processo mas como mero participante processual já que não pesa sobre si nenhuma acusação e, consequentemente, nenhuma pronuncia.


Neste seu requerimento, Adão Adriano defendeu que ao longo do tempo em que a testemunha em causa esteve a prestar declarações não foram registados indícios de que ele terá cometido algum acto ilícito e que as mesmas são perfumadas de razão de ciência.


Ele considerou ainda que a instância de defesa demonstra, com o pedido da contradita, um gesto dilatório e com desejo inconfesso de introduzir ao processo documentos que não teve a oportunidade de fazê-lo em tempo oportuno.


O magistrado judicial defendeu ainda que os documentos apresentados para justificar a viagem, em férias, de António João não são suficientemente esclarecedores.


No que toca as contradições constatadas pelos advogados de defesa nos depoimentos prestados por Augusto Viana durante a fase de instrução preparatória e nos seus depoimentos em tribunal, o magfistrado garantiu que não abalam a sua credibilidade.


O tenente-general considerou que o pedido da contradita foi feito em tempo inoportuno, por considerar que a testemunha ainda não terminou de prestar declarações porque falta a acareação.